02 December 2011

BANCOS DE APOSTAS



Os Fiery Furnaces são o género de banda que, em vez de, no mesmo número de compassos, fazer um acorde seguir-se ao anterior, prefere alinhar um fragmento de canção ao outro – inteiramente diferente – que, imediatamente, o antecedia. Fosse pintura aquilo a que se dedicam e, onde se esperaria uma sucessão de tonalidades de azul, poderíamos ter como certo que veríamos uma gincana cromática de verde, amarelo e lilás. O mesmo, aliás, acontece com os textos. Ligeira correcção: acontecia. Desde I’m Going Away (2009) e, parcialmente, Widow City (2007), uma espécie de quase-normalização formal pareceu deixar de ser mal vista pelos manos, Eleanor e Matthew Friedberger, que chegaram até ao impensável de autorizar a intromissão de extravagantes bizarrias como o modelo estrofe-refrão-estrofe nas suas canções. Last Summer, primeira aventura a solo de Eleanor, deixa suspeitar que poderá ter sido ela o catalizador da mudança: pensado como uma evocação dos primeiros tempos da sua chegada a Nova Iorque – mais exactamente, a Brooklyn –, há dez anos, estrutura-se como um micro-"travelogue" urbano que acolhe benignamente os exercícios de estilo (dos "girl groups", à Motown e ao funk), sem que, por isso – a personalidade musical de Eleanor é suficientemente vincada para lhe permitir devorar sem ser devorada –, se transforme em colega de turma dos Best Coast, Cults ou Tennis, ou abdique de confessar peculiares intimidades como “watching ‘Footloose’ with the biggest bottle of vodka in the world”. No festival Mexefest, que, a 2 e 3 de Dezembro, ocupará cerca de uma dezena de espaços em Lisboa, Eleanor Friedberger será, de certeza, um dos concertos por que se deve optar.



Espalhados pelo planeta físico e virtual, há mil sinais a indicar-nos que o outro só poderá ser o de Josh T. Pearson, texano bardo "alt.country" da dor-de-corno, alegadamente erigida em superior forma de arte. Candidato a figurar em inúmeras listas de “melhores de 2011”, Last Of The Country Gentlemen, porém, sofre do síndroma tecnicamente designado como não-é-Cohen-Van-Morrison-Hank-Williams-ou-Springsteen-quem-quer: extensa e morosa lamúria em que parcela considerável das canções ultrapassa os 10 minutos, exige uma tolerância de Job para se escutar na íntegra as erráticas elucubrações bíblico-alcoólicas de quem resolveu redigir o seu diário de infortúnios sentimentais em modo “Caras”-indie, conseguiu convencer uns quantos que tiradas do tipo-afinal-havia-outra (“Whenever we make love, I’m sadder every time, because I feel like I’m cheating on a woman who’s not my wife”) deverão ser consideradas poesia e embrulha tudo isso em infindáveis clichés arpejados de guitarra.



Num programa de concertos densamente povoado, deverá ainda destacar-se a pop orquestral corrigida pelos Talking Heads e Velvet Underground tal como os Fanfarlo a praticam, o impressionismo minimalista electroacústico de James Blake e, no destacamento luso, contaremos com uma excelente oportunidade para confirmar currículos e aferir o potencial de candidatos mais ou menos recentes. Por outras palavras, se dos Dead Combo e do recém-publicado Lisboa Mulata existem sérios motivos para se aguardar uma assaz excelente apresentação, os bancos de apostas estão igualmente abertos no que respeita à pop mais leve que o ar de Julie & The Carjackers, ao brutalismo primitivista dos PAUS (supergrupo herdeiro dos Vicious Five, If Lucy Fell e Linda Martini), aos ecléticos labirintos sonoros dos Aquaparque, ou ao punk suadamente épico de Os Velhos.

(2011)

4 comments:

Anonymous said...

os Paus até poderiam ser bons se não quisessem ser os Battles. Mas enfim, sempre são mais interessantes do que os coitados dos Lacraus!
Jorge

João Lisboa said...

Então, pronto.

Táxi Pluvioso said...

Brutalismo? fogo! aquilo é apenas má música, que as pessoas cultas ouvem entusiasmadas. Que o façam pela defesa do que é nosso.

João Lisboa said...

"Que o façam pela defesa do que é nosso"

Por aqui, esse será sempre um não-motivo. A começar por não entender o que significa "nosso".