03 July 2008

JUVENTUDE COLOSSAL



Bill Fay - Bill Fay




Bill Fay - Time Of The Last Persecution

Solicite-se o auxílio do bom velho amigo Google para uma pesquisa acerca de “Bill Fay” e, logo no topo da primeira página, depararemos com “www.billfay.co.uk- Welcome to the ONLY Bill Fay site on the 'net”. Naturalmente, desconfiamos que aquele “the ONLY Bill Fay site on the 'net” possa ser publicidade enganosa mas, meia dúzia de páginas mais tarde, para além da inevitável (mas curta) entrada na Wikipedia – e lá está o link para “the only dedicated Bill Fay site” –, de umas quantas (poucas) recensões a propósito da reedição dos seus álbuns (uma delas assinada por Julian Cope), do site do homónimo evangelista que deseja partilhar connosco “a palavra de Cristo”, do daquele outro “tough, effective courtroom veteran Bill Fay” que se apresenta como candidato Republicano ao “Dallas County's Criminal District Court No. 3” ou ainda do enigmático “OkCupid.com: Solteiros interessados em Bill Fay”, na verdade, exclusivamente dedicado a Bill Fay, aquele parece ser caso único. À primeira vista, nenhum motivo de espanto: os dois álbuns que Bill Fay publicou em 1970 e 1971 passaram totalmente despercebidos à época e o prolongadamente inédito terceiro (Tomorrow Tomorrow And Tomorrow) só saiu das trevas em 2005.



Tudo se torna, contudo, absolutamente incompreensível quando colocamos a girar o disco de estreia: não, não estamos, mais uma vez, perante a estafada manobra dos operacionais do “hype” que pretendem, à viva força, convencer-nos de que mais um génio foi cruel e injustamente ignorado pelos seus contemporâneos e, só agora (em boa parte, devido à pública devoção de Jeff Tweedy, dos Wilco), finalmente, reconhecido: da primeira à última faixa, Bill Fay é o tipo de álbum para o qual o adjectivo “colossal” foi cunhado por medida. Orquestrado por Mike Gibbs (um dos mais notáveis músicos do jazz britânico da altura que colaboraria também com Carla Bley, Mike Westbrook, Bill Evans, Peter Gabriel, Marianne Faithfull, Gary Burton e Joni Mitchell) é – estou a pesar cuidadosamente as palavras – coisa da estatura de Goodbye and Hello, de Tim Buckley, dos quatro primeiros de Scott Walker, de American Gothic, de David Ackles, ou, do ponto de vista da encenação sinfónica, de Songs Of Love And Hate, de Leonard Cohen. Os textos de algumas canções poderão acusar a contaminação de uma certa “naïveté” hippie da era (o Tim Buckley inicial também e isso em pouco ou nada o diminuiu) mas é impossível não perder instantaneamente o pé perante as sucessivas vagas de crescendos orquestrais que arrastam tudo – melodias, palavras, voz – à sua frente. Em comparação, Time Of The Last Persecution, o segundo, quase parece um acto de deliberada rendição face ao convencionalismo do “songwriting” umbiguista da época. Igualmente fracassado comercialmente e única sombra que poderia (mas não pode) obscurecer a fulgurante luz anterior.

(2008)

4 comments:

Anonymous said...

Bem, a avaliar pelos comentários, parece que já ninguém se interessa por música com mais de 30 anos de idade, mesmo que tenha a estatura dos Buckley, Cohen, Walker ou Ackles deste mundo... ou então, estão secretamente a ouvir a música nos seus recantos. E porque já tenho saudades de apanhar com uma autêntica revelação (ainda por cima tirada do baú das antiguidades) só queria perguntar ao João Lisboa: encontra-se o disco de estreia nalguma discoteca decente deste país (e já são poucas) ou só lá chego através da net?

João Lisboa said...

Ele foi distribuído cá pela Mbari. Suponho que as FNACs tenham perdido a cabeça e encomendado, praí, uns 50 exemplares.

Anonymous said...

A Fnac? Até parece mentira... Obrigado.

Anonymous said...

Só ouvi isto agora e vim cá ver se havia nota de prova. Colossal mesmo.