Se o budismo zen não fosse uma filosofia (aparentemente) tão casta, quase se poderia dizer que "the golden rules of happiness are simply these: erection, ejaculation, peace" era um aforismo zen. Mas não é. Essa e outras máximas sublimemente amorais encontram-se em Orgonon, álbum de estreia da franco-tailandesa Laila France, escrito e gravado em colaboração com Momus, o amoralista supremo da pop britânica. Se, como ele também diz, "for the sensations of orgasm, civilizations must rise and fall", então, este delicioso exercício de "sleazy listening" é um contributo decisivo para a queda da civilização judaico-cristã e Laila France a sacerdotiza pagã de serviço.
Como é que aconteceu este projecto de colaboração com Momus?
Encontrámo-nos pela primeira vez há dois anos. Ele andava a pensar no conceito para um disco e procurava uma cantora jovem com uma voz bastante aguda, que cantasse quase como uma criança. Colocou um anúncio numa revista francesa muito "branchée", eu respondi e fui escolhida. No início, ele pretendia fazer um disco muito "easy listening". Mas, depois de nos encontrarmos, conversámos e disse-lhe que gostava que houvesse também ritmos muito contemporâneos combinados com violinos e outros elementos mais "easy". Escrevi os textos de cinco canções e ele os das outras seis.
Na capa do disco há uma espécie de texto-programa onde se diz: "Ao escutar este disco de Miss Laila France, a nova supergirl franco-tailandesa, não estarão apenas a descobrir os fabulosos prazeres da Trance Cocktail Music. Estarão também a fazer uma importante contribuição para o somatório final de Orgasmatronic Orgone Energy no mundo inteiro". O que é que isto significa?
As primeiras canções que o Momus escreveu para o disco foram "David Hamilton" e "Orgonon". Esta última fala do filósofo e psicanalista Wilhelm Reich que partiu para os EUA durante a guerra e decidiu fundar aí uma comunidade chamada Orgonon onde se dedicaria a recuperar toda a energia libertada pelo orgasmo. Propôs a diversos jovens que fossem viver para a mansão dele, deu-lhes umas pequenas caixas de madeira e eles deveriam (não sei muito bem como) armazenar a energia produzida quando faziam amor para que Reich a pudesse conservar e salvar o mundo com ela.
As primeiras canções que o Momus escreveu para o disco foram "David Hamilton" e "Orgonon". Esta última fala do filósofo e psicanalista Wilhelm Reich que partiu para os EUA durante a guerra e decidiu fundar aí uma comunidade chamada Orgonon onde se dedicaria a recuperar toda a energia libertada pelo orgasmo. Propôs a diversos jovens que fossem viver para a mansão dele, deu-lhes umas pequenas caixas de madeira e eles deveriam (não sei muito bem como) armazenar a energia produzida quando faziam amor para que Reich a pudesse conservar e salvar o mundo com ela.
De facto, em todo o disco, há uma extraordinário obsessão pelo sexo: duas canções são dedicadas ao orgasmo, outra fala de um desfloramento atrás do altar de uma igreja, "Wonderhood" é uma história perversa em torno do Capuchinho Vermelho... Pode-se dizer que o álbum é uma tese sobre o sexo, o "easy listening" e a corrupção da moral cristã?
(risos) Claro que se pode dizer isso mas é um disco que deve ser ouvido com uma certa distanciação, foi realizado com uma grande dose de humor e de cinismo. É muito provocante mas procura, acima de tudo, desmistificar a sexualidade, libertá-la dos academismos da psicologia e dos livros de texto.
Tem duas ou três frases lapidares: em "Bilitis", "the golden rules of happiness are simply these: erection, ejaculation, peace" e, em "David Hamilton", "but if this lazy suffering can bring erection to the lap of just one man, it hasn't been in vain" . No fundo, é essa a moral da história?
(risos) O David Hamilton foi um fotógrafo muito conhecido nos anos setenta que fez imensas fotografias de jovens adolescentes nuas que hoje nos parecem ridículas. O objectivo dessa canção (como também de "Synthesiser Wizard") é, por isso, divertirmo-nos à custa das concepções sobre a sexualidade dessa época.
Gosto muito da forma como, em "Trashy Like TV", diz "This time I have my period, I don't want to give a blow job, can you turn on the TV please, I want to watch Dynasty", como se fosse a frase mais natural deste mundo...
(risos) Mas é isso o mais importante no disco! Apeteceu-me dizer coisas muito sexuais da forma mais natural possível criando uma espécie de paradoxo sobre aquela música de escuta muito fácil.
Orgone accumulator de W. Reich
"Trance Cocktail Airlines" é mesmo "easy listening" de tendência exótica...
Gosto muito dessa canção. Sou de origem tailandesa e aí falo da Tailândia e de uma ilha lindíssima, Koa Samui, onde, em todas as luas cheias, naquele lugar tão tradicional, há enormes rave parties.
É possível dizer-se que a sua associação com Momus é idêntica à que existiu entre Serge Gainsbourg e Jane Birkin?
Tenho a certeza que, se dissesse isso ao Momus, ele se sentiria imensamente lisongeado. Ele adora o Gainsbourg e, neste disco, há, de facto, muitas referências ao trabalho dele. Pela minha parte, não me atreveria a dizer que sou a nova Jane Birkin. Ainda tenho muito caminho a percorrer para chegar ao nível dela.
Na capa do disco, há também uma pequena frase: "Momus thanks Laila and her whip". Houve sessões S&M durante as gravações?
(risos) Não, mas enquanto gravámos o disco tivemos muitas discussões, embora civilizadas. Nunca estávamos de acordo acerca da música e, por vezes, foi difícil conjugar as nossas ideias. É por isso que o disco é muito híbrido e mostra bem tanto as nossas diferenças como os interesses comuns.
Pegando nas palavras de "David Hamilton": este álbum, afinal, é um exercício de romantismo, de classicismo ou de pornografia soft?
Eu diria que é apenas Trance Cocktail Music que é um conceito musical que me orgulho muito de ter inventado! (1998)
1 comment:
Obrigado João Lisboa.
Não conhecia nada disto, mas vou conhecer, com mais tempo, já baixei os videos do 'youtubos'.
:)
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