30 December 2021

 
(sequência daqu) Em 2019, a Fête des Lumières, de Lyon, tinha-lhe dirigido a proposta literalmente irrecusável de apresentar... o que lhe apetecesse. Foi o pretexto para se refugiar na sua casa nos arredores de Reykjavik (entre o Monte Esja e o vulcão Snæfellsjökull) e entregar-se a um sonho antigo: “Compor música enquanto olhava a paisagem islandesa através da janela. Convidei uma série de músicos – um ensemble de cordas, três trombones baixo, percussão e teclados – dirigidos pelo André de Ridder, da Stargaze Orchestra, e descobri uma marimba de seixos de rio que um tipo que vive na montanha construiu. Levou anos até, pedra a pedra, organizar uma escala pentatónica”. Em Março de 2020, a pandemia explodia e o cenário mudava com o regresso a Devon e às tremendas tempestades locais. Está tudo aqui: os devaneios mentais do "lockdown" entre Islândia, Montevideo, o Irão e a costa britânica, a lírica do poeta-camponês oitocentista John Clare, o percurso por entre as sombras de Robert Wyatt, Brian Eno e David Sylvian. Uma eco-aguarela sonora a que chamou “a cohesive meditation about particles, now and the future”.

29 December 2021

28 December 2021

A propósito disto, rever isto
 
 
(sequência daqui) "Se um desejo de felicidade e de inocência suscitava nas almas devotas a ideia do paraíso terrestre, para os miseráveis e famélicos de todos os tempos a imagem das delícias de Cocanha sempre suscitou desejos mais terrenos de sair da penúria e satisfazer apetites mais animalescos e imperiosos. Os vários relatos dirigem-se muitas vezes aos deserdados, anunciando que também para eles é chegada a hora de viver à vontade. A lenda da Cocanha não nasce em ambientes impregnados de misticismo, mas entre as massas populares que passam fome há séculos. A liberdade de que se goza em Cocanha é tal que, como no Carnaval, as coisas podem ser viradas de pernas para o ar e um aldeão pode zombar de um bispo. De facto, associado à lenda da Cocanha, temos o tema do mundo às avessas, com homens puxando um arado guiado por um boi, um moínho ao contrário, onde o moleiro usa a canga no lugar do asno, um peixe que pesca o pescador ou animais que admiram seres humanos em jaulas" (Umberto Eco - História das Terras e Lugares Lendários)

ECO-AGUARELA
 

Damon Albarn foi o criador dos Blur, a única banda do Britpop que, realmente, vale a pena recordar. Inventou os virtuais Gorillaz, as cimeiras de notáveis The Good, The Bad & The Queen (com Paul Simonon, Simon Tong e o baterista de Fela Kuti, Tony Allen) e Rocket Juice & the Moon (com Tony Allen e Flea, dos Red Hot Chili Peppers) e o multi-projecto Africa Express. Compôs para o Kronos Quartet e para uma mão cheia de filmes, óperas (Monkey: Journey To The West sobre um texto chinês do século XVI, e Dr Dee, em torno de John Dee, astrólogo e alquimista da raínha Isabel I) e um musical baseado em Alice No País das Maravilhas. The Nearer The Fountain, More Pure The Stream Flows, no entanto, é apenas o seu segundo album a solo (ou, como ele prefere, um álbum que tem o nome dele na capa), sete anos após o primeiro, Everyday Robots. (daqui; segue para aqui)
 

26 December 2021


 
(sequência daqui) Ookii Gekkou (em japonês, “Big Moonlight”) aprofunda e dilata o horizonte desta enigmática terra incógnita assente sobre infinitas fantasias Dada-abstraccionistas, "space-age free jazz" em lento processo de dissolução, orientalismos em contraluz, o infatigável dínamo rítmico de Valentina Magaletti, evocações distorcidas de afrofunk e “samples” de ronronar felino. Uma microscópica música molecular em interminável mutação às mãos do (agora) quarteto composto pela “mastermind” Cathy Lucas, Magaletti, Susumu Mukai e Phil MFU, armados de xilofone, glockenspiel, sintetizadores, mellotron, guitarra, baixo e bateria, com o recrutamento externo de cordas e sopros eventuais (e da "special guest star" Lætitia Sadier, em guitarra). Caleidoscópio do ano.

22 December 2021

Twenty Four Dollar Island (real. Robert Flaherty, 1927)


MÚSICA MOLECULAR
Quando, em Junho de há dois anos, os Vanishing Twin publicaram The Age Of Immunology, estavam muito longe de imaginar que, apenas seis meses depois, esse título poderia vir a ser considerado profético. Desconhecíamos então quase tudo sobre zoonoses, morcegos e pangolins, por isso apenas nos concentrámos nas referências da banda ao livro homónimo de David Napier, professor de Antropologia Médica no University College de Londres, que, em 2003, alertava para a arrepiante ideia – indiscutivelmente pandémica – de que, tal como o organismo humano se defende através da eliminação de corpos estranhos e microorganismos infecciosos, o mesmo deveria ocorrer na sociedade expulsando e eliminando todos os elementos não autóctones. O próprio grupo, composto por elementos provenientes da Bélgica, Japão, Itália, França e EUA que se haviam cruzado no Reino Unido em vésperas do Brexit, era já uma primeira declaração de combate. Que, curiosamente, se manifestava através de um improvável cocktail sonoro de krautrock, Sun Ra, "library music", Martin Denny, Can e Morricone, acondicionado na acolhedora embalagem de uns Stereolab/Broadcast de última geração. (daqui; segue para aqui)

21 December 2021

Musica Ficta + Ensemble Fontegara - "La rosa enflorece"/"Durme Durme"/"Cuando el Rey Nimrod" 
(trad. Sefarditas)

Convenhamos que começa a ser um difícil (mas absolutamente necessário) exercício de auto-controlo não cair na ratoeira de ver a sombra da Big Pharma por todo o lado

19 December 2021

Queijo e vinho é uma óptima ementa (o que, sendo os britânicos empedernidos trogloditas gastronómicos, é de saudar) mas, tanto quanto se sabe, não é eficaz contra a covid
Caetano Veloso - "Cobre"

(álbum integral)
 
(sequência daqui) Como, agora mesmo, voltou a suceder. Ao ponto de as fontes sonoras se terem tornado dificilmente identificáveis. “É mais um resultado da forma como, hoje, abordamos a música. Temos as canções – textos, melodia, acordes – mas o objectivo é chegar a algo que nunca tenhamos ouvido antes. Gosto de tocar guitarra mas há qualquer coisa na expressividade dela que não quero que soe como uma guitarra. Tecnologicamente, podemos explorar imensas vias para dilatarmos os limites do que é possível e nos aproximarmos do ponto onde tudo rebenta e coisas interessantes acontecem”. E como, afinal, ao longo de quase três décadas, não tem parado de acontecer: “Fazemos música juntos há 28 anos, já tocámos com imensas bandas. No entanto, há casos especiais – como aconteceu com os Dirty Three ou com os Swans – em que sentimos ter sido um privilégio raro conhecer e ter estado com artistas tão extraordinários. Mesmo agora, já bastante mais velhos, como não estremecer quando descobrimos, por exemplo, Alice Coltrane? Porque nunca a tínhamos ouvido? De onde saiu ela?...”

14 December 2021

Onde se aprende que um alto funcionário da Vaticano S.A. casar com uma autora de livros eróticos é uma espécie de criptonite que, irremediavelmente, conduz o ex-santo homem (maldição demoníaca!...) a trabalhar em empresas que comercializam sémen de porco

"Bispo espanhol perde poderes depois de casar com autora de livros eróticos" 

(sugerido nesta caixa de comentários)

 
(sequência daqui) O que estava, entretanto, no ponto de partida, em 1993, quando os Low iniciaram a caminhada? “Quando era miúdo, a música, para mim, era magia. Nessa altura – final dos anos 70, início de 80 – vivíamos numa comunidade agrícola, bastante longe da cidade. A informação acerca do que se passava era muito escassa. Lembro-me de ouvir os discos dos Doors do meu pai e até... os Emerson, Lake & Palmer ou In-A-Gadda-Da-Vida, dos Iron Butterfly!... Isto, antes de começarmos a comprar os nossos próprios discos: David Bowie, The Clash, Hüsker Dü, R.E,M., Violent Femmes, todos a que pudéssemos deitar a mão”. Tudo isso ter tido lugar em Duluth, Minnesota, chão sagrado do Nobel da Literatura de há 5 anos, não terá feito pairar um permanente fantasma sobre as cabeças de Alan e Mimi? “Só um bocadinho... Quando já era mais velho, costumava ir aborrecer o dono de uma loja de intrumentos e ele contava-me que tinha frequentado a mesma escola do Bob Dylan e recordava-se de histórias que lá tinham acontecido. Quando fomos para a universidade, em Duluth, aí sim, tive a noção de que, embora de uma forma discreta, a cidade orgulha-se de Dylan. A minha rendição a ele, contudo, só aconteceu há cerca de 15 anos. Antes disso, escutava Joy Division, Bauhaus, The Cure, Brian Eno, La Monte Young, Swans, Velvet Underground”. E, no meio dessa floresta de referências, quando sentiram ter encontrado a vossa via? “Isso acontece quando escrevemos a nossa primeira canção. Desejamos ser originais e trilhar um caminho próprio. Às vezes, de uma forma tão obsessiva que chega a cegar-nos para o facto de, se calhar, sermos iguais a todos os outros! (risos) Mas sentimos que descobrimos qualquer coisa que estava escondida e mais ninguém conhecia”. (segue para aqui)
All I want for Christmas is you (all!)

12 December 2021

 
Jarvis Cocker - Chansons d’Ennui 
(Tip-Top)

(daqui; álbum integral aqui)
 
(sequência daqui) Há várias formas possíveis de olhar para a relação entre Double Negative e Hey What: se um poderia ser encarado como a fase aguda do desenvolvimento de uma infecção no interior de um corpo belíssimo, o outro representaria a passagem a um estado crónico no qual, embora ainda presente, a doença está já sob controlo; o primeiro encontro com uma nova linguagem e a posterior capacidade de a dominar e utilizar com fluência... Mimi entusiasma-se: “ Uau!... É certamente uma forma muito interessante de colocar a questão. Também poderia dizer que foi uma semente que plantámos e que, agora, desabrochou numa lindíssima flor. Uma lindíssima e ruidosa flor. Quem sabe o que virá a seguir? Por enquanto, satisfaz-nos continuar a ir para o estúdio e descobrir o que possamos lá achar. Em Double Negative, deitámos abaixo algumas barreiras, descobrimos coisas novas e, desta vez, tentámos apanhar alguns desses destroços e pensar no que poderíamos ser capazes de construir a partir daí. Derrubada a porta, quisémos conhecer o que haveria do outro lado”. (segue para aqui)

10 December 2021

que dura e dura...
MÚSICA 2021 - INTERNACIONAL (I)
 
(iniciando-se, de baixo para cima *, de um total de 32)

 

 

 
 

 

 
* a ordem é razoavelmente arbitrária...
 
(sequência daqui) Há várias formas possíveis de olhar para a relação entre Double Negative e Hey What: se um poderia ser encarado como a fase aguda do desenvolvimento de uma infecção no interior de um corpo belíssimo, o outro representaria a passagem a um estado crónico no qual, embora ainda presente, a doença está já sob controlo; o primeiro encontro com uma nova linguagem e a posterior capacidade de a dominar e utilizar com fluência... Mimi entusiasma-se: “ Uau!... É certamente uma forma muito interessante de colocar a questão. Também poderia dizer que foi uma semente que plantámos e que, agora, desabrochou numa lindíssima flor. Uma lindíssima e ruidosa flor. Quem sabe o que virá a seguir? Por enquanto, satisfaz-nos continuar a ir para o estúdio e descobrir o que possamos lá achar. Em Double Negative, deitámos abaixo algumas barreiras, descobrimos coisas novas e, desta vez, tentámos apanhar alguns desses destroços e pensar no que poderíamos ser capazes de construir a partir daí. Derrubada a porta, quisémos conhecer o que haveria do outro lado”. (segue para aqui)