PORTUGAL NUMA CASCA DE NOZ (I)
Ora reparem lá como não vale a pena gastar um tusto num curso de sociologia. Está tudo aqui:
"A população de Carvalho, onde Rui Pereira, 26 anos, era padre e onde vivia Fátima, 18 anos, está do lado do casal que, por amor, fugiu daquela freguesia de Celorico de Basto no final da semana passada para parte incerta. 'Um homem não é de ferro, não é? Se ele gostava dela e ela dele, acho que fizeram bem', defende ao DN Manuel Teixeira, 36 anos, proprietário do café Bons Costumes, do outro lado da estrada que o separa da igreja de Carvalho".
1º - Rui é um exemplo de jovem português que faz pela vida: há, para aí, 8 anos, quando tinha a idade que a Fátima tem agora, confrontado com as incertezas do futuro, optou pela decisão mais segura: ser padre, isto é, cama, mesa e roupa lavada para o resto da vida, sem correr o risco de ir engordar as casas decimais do desemprego. Muito melhor e mais confortável do que emigrar, com o "fringe benefit" da respeitabilidade campesina.
2º - O Rui é padre mas, moço luso de sangue vermelho - como diz o sr. Teixeira (proprietário de um café que, note-se, dá pelo nome de "Bons Costumes"), "não é de ferro, não é?" -, não conseguia lidar com a catraia que o "ajudaria nas lides da igreja, seria uma espécie de secretária", mantendo as mãos apenas ocupadas com o missal, o cálice e as hóstias. Não é caso único: muitos outros, antes dele, tiveram idênticos problemas com as secretárias. E nem todas se chamavam Fátima o que, para um eclesiástico, deve dar um picante assaz particular.
3º - Não deve passado muito até que, como diria a Suelly que exerce a arte real no "Fruto Proíbido", de Mondim, "tenha rolado um clima". E o bom povo que, certamente, organiza excursões anuais à outra Fátima, pelo 13 de Maio, está solidário e compreende. É bonito e é assim mesmo que deve ser. Até porque o padre Rui foi "sempre muito devoto às coisas da igreja, era muito organizado, e queria sempre tudo direitinho".
"'Ele por um lado fez bem, por outro fez mal porque vamos ficar sem padre', lamentou Tânia [empregada de balcão no Bons Costumes]".
4º - Sábio espírito prático, o da Tânia. Ninguém se amofina que o padre Rui e a Fátima (cuja madrinha era "filha biológica" da família de que ela era "filha adoptiva" - notar a temática arreigadamente portuguesa e contemporânea) tenham preferido os valores da carne aos do espírito. Mas quem é que vai, agora, limpar o pó ao véu da Nossa Senhora e baptizar o Sandro Felício, quando, em Agosto, ele voltar com os pais de Clichy-sur-Vidange? Não foi com rupturas sociais destas que se construíram as grandes pátrias.
"Manuel Teixeira aproveita para lembrar que não é o primeiro caso de amor: 'Já o anterior padre, de quem gostávamos muito, também foi embora, expulso pela diocese de Braga, depois de se ter envolvido com uma mulher'
. E Tânia solta, entre risos, a resposta: 'É que as mulheres aqui são como as sardinhas, pequeninas, mas muito bonitas!'
". (
aqui)
5º - Lá está, as cachopas têm o diabo no corpo e os pobres moços acabam por ser as vítimas inocentes. Se a diocese de Braga tivesse juízo e assobiasse para o ar, era só ver como se multiplicavam as vocações para o sacerdócio! Para o quadro sociológico ser perfeito, só falta uma peça indispensável: a bola. Mas quase jurava que, aos fins de semana, o Rui ia dar uns toques no campo do Celoricense.
(2009)