30 April 2023

Pussy Riot's Powerful Message to Vladimir Putin | Nadya Tolokonnikova

(legendas disponíveis)

RYUICHI SAKAMOTO (1952-2023) 

(sequência daqui)

“Nunca desejei ser músico nem famoso. Comecei a estudar música em criança e frequentei um curso superior de música mas nunca imaginei vir a pratica-la profissionalmente. Juntei-me à Yellow Magic Orchestra porque me apeteceu trabalhar com aqueles dois músicos (Haruomi Hosono e Yukihiro Takahashi) imensamente talentosos. A banda, de súbito, tornou-se muito conhecida. Por isso, para mim, foi um acidente, não era um objectivo que tivesse. A música está sempre presente e sempre esteve ao meu lado, mas também gosto de literatura, de cinema e de outras áreas. Pensava ser capaz de escrever romances ou de realizar filmes”, confessou Ryuichi Sakamoto à “Criterion”, em 2017. 

 "Fechar-me num único género, a longo prazo, deveria ser bastante aborrecido... Não era capaz. Gosto de vários estilos porque gosto da música em geral e ela comporta diversos, da música antiga à contemporânea, da África ao Japão, através do tempo e do espaço"

Por essa altura, estava convalescente do cancro oro-faríngeo que lhe fora diagnosticado três anos antes e acabara de publicar async o álbum no qual desejou “incorporar os sons ‘naturais’ na música de um modo simultaneamente caótico e unificado”, extensão do que, há mais de 30 anos, declarara: “Não digo que devamos regressar à natureza mas interessa-me a erosão da tecnologia, os seus erros, falhas e ruídos”. Entre um e outro momentos, publicara duas dezenas de álbuns a solo, 11 ao vivo, cerca de meia centena de bandas sonoras para cinema e televisão, e incontáveis colaborações com músicos como Fennesz, Alva Noto, Bill Laswell, Rodrigo Leão, Arto Lindsay, Massive Attack, Caetano Veloso, Hector Zazou, Iggy Pop, David Sylvian, Virginia Astley, Japan, Aztec Camera, Marisa Monte e DJ Spooky. Conquistaria um Oscar, um Golden Globe e um Grammy para a BSO de O Último Imperador (1987), de Bernardo Bertolucci, e seria nomeado para (ou ganharia) outros 12 prémios internacionais. O tema musical de Merry Christmas Mr Lawrence, de Nagisa Ōshima (1983) – regravado como "Forbidden Colours", com a voz de David Sylvian –, não apenas venceria o BAFTA (British Academy of Film and Television Arts) para Melhor Música para Cinema como – justa ou injustamente – se transformaria numa espécie de documento de identidade de Sakamoto. 

Em Janeiro de 2021, anunciaria que a maldição oncológica progredira para uma recidiva de grau 4 (o mais avançado). exigindo cirurgia e hospitalização. Dois meses depois, “voltaria, ocasionalmente, a tocar no teclado e a gravar pequenos esboços sonoros, como quem escreve um diário. Apenas desejava banhar-me num chuveiro sonoro. Parecia-me que poderia ter um pequeno efeito curativo no meu corpo e espírito arruinados”. O álbum que daí resultaria chamou-se 12. “Até que o meu corpo ceda de vez, irei, provavelmente, manter esta espécie de diário. Espero poder fazer música durante algum tempo mais”. Fê-la até ao passado dia 28 de Março.

Instantâneo de um dos mais trepidantes momentos alegadamente ocorridos há dias no Ministério das Infraestruturas

28 April 2023

Um pouco de contraditório
Revisões da matéria dada (XVIII)

27 April 2023

 
(sequência daqui) E, assim sendo, os irmãos Charles e Andrew Hendy acrescidos de Sean McKenna e um grupo flutuante de acompanhantes (somando guitarras, baixo, banjo, bateria, acordeão, flauta e gaita de foles), escolheram como santa padroeira Mary Walloper, prostituta das docas de Dundalk, amante de cidra e lendária zaragateira. Alimentados desde o berço a música tradicional irlandesa posteriormente vitaminada com extractos de punk e – indetectável mas confessado – hip hop clássico (Grandmaster Flash e 'The Message', era sobre a vida real de todos os dias. O mesmo lugar onde o punk e a folk germinam”), é ouvi-los em atmosfera de desbunda bordélica bem regada, exibindo desavergonhadamente o carregadíssimo sotaque, acamaradando com os Lankum, e cumprindo à risca o ponto único do seu programa: “Escrevemos sobre as coisas que nos irritam”.

26 April 2023

Ora, ora... apenas um vulgar tempo de espera nas urgências hospitalares
Ensemble Gamut! - "Piispa Henrikin Surmavirsi"

 (daqui; álbum integral aqui)
The Mary Wallopers | Rockpalast Session | Eurosonic Festival 2023
(ver também aqui)

24 April 2023

Cultura pimba: telenovelas & sotaques (e, na véspera, Quim Barreiros)

 AS COISAS QUE NOS IRRITAM


The Mary Wallopers não têm exactamente bom aspecto. Dir-se-ia mesmo que, ao lado dos Pogues – que, aliás, via Twitter, já publicamente os abençoaram –, estes passariam facilmente por engomadinhos membros da câmara dos lordes. Os cortes de cabelo, bigodes, barbas e suiças dão que pensar, o ar genericamente pouco amigo da água sobressai, o pontual excesso de volumetria física não passa despercebido e, por algum motivo foram já descritos como “The Clancy Brothers meet John Lydon”. Mas, quando abrem a boca, mesmo antes de começarem a cantar, só lhes saem frases lindas. Por exemplo, “O estrago causado pela igreja católica na Irlanda foi muito maior que o do império britânico. Está, por isso, na altura de nos livrarmos dela”. E, desenvolvendo o tema, “As nossas canções não são apelos ao fuzilamento dos padres embora os desprezemos. São sobre a igreja, sobre o céu e o inferno. Às vezes perguntam-nos: mas a igreja católica ainda é assim tão nociva? E nós respondemos que deve ser responsabilizada por todo o mal que fez até hoje. Não sei como é possível ser padre e conseguir caminhar pela rua de cabeção...” (daqu; segue para aqui)

22 April 2023

Isto era o mínimo que se lhe exigia. Foi-se finando devagarinho. Irremediavelmente. Este ano, não existe literalmente mais nada onde ferrar o dente à excepção desta pequena pérola croata de psicadelismo anti-nazi-estalinista senil & respectivos videos gay/kubrickianos. É o que há.
 

20 April 2023


"Horumarye"
 
(sequência daqui) Agora, em Nowhere and Everywhere, sob a designação Unthank : Smith, uma escapada a duo com Paul Smith (dos não demasiado memoráveis Maxïmo Park) vigiada pela produção de David Brewis (Field Music), o argumento regionalista volta a emergir: “Eu vivo em Northumberland, já vivi em Newcastle e a minha família é de Teesside. O Paul vive em Newcastle mas é de Teesside. O David é de Sunderland. Mas não concebemos o álbum como obra de um triunvirato do Nordeste, foi apenas uma coisa bastante natural”. Smith alega que a aproximação à folk decorreu da descoberta da música de Martin Carthy, Karen Dalton, Nick Drake e Bert Jansch, e ambos, sem o terem planeado, foram achando um lugar comum para as vozes que, com o suporte do clarinete de Faye MacCalman e da percussão de Alex Neilson, sob a supervisão espartanamente minimalista de Brewis, se lançaram, de sotaques e dialectos locais orgulhosamente em riste (“Sentimos que era importante não adocicar as nossas vozes”, diz Rachel), sobre histórias e lendas de marinheiros, mineiros e lendários seres marinhos enfeitiçados.

17 April 2023

UM LUGAR COMUM
“Os nossos pais estiveram envolvidos no primeiro 'folk-revival', sempre os vimos a cantar e a dançar músicas tradicionais e, desde miúdas, participávamos também; aprendemos o 'clog-dancing', íamos a festivais, cantávamos em clubes de folk, aprendemos imensas canções. Eram as histórias que as canções contavam que a mim e à minha irmã nos atraía. Foi, realmente, um ambiente óptimo para crescermos”, contava-nos Rachel Unthank – dias antes do concerto que, em maio de 2010, apresentariam em Sintra – a propósito do caldo de cultura no qual ela e a irmã Becky se transformaram em The Unthanks, farol da folk britânica actual. E acrescentava: “Todo o Nordeste de Inglaterra tem um sentido de identidade extremamente forte, há um orgulho regional muito intenso, apesar de ser uma zona que atravessou tempos bem difíceis. Isso corre nas veias e está agarrado aos ossos do próprio Nordeste, um território lindíssimo mas selvagem e agreste”. (daqui; segue para aqui)

"Seven Tears"

14 April 2023

Velório de Boaventura - Francisco Zurbarán (1629)

  "God Give Me Strength" & "I Still Have That Other Girl"

(sequência daqui) E contaria também que Burt tinha sido de opinião que “não valia a pena escrever 36 canções para, no final, escolher 12. Era melhor concentrarmo-nos apenas nessas 12, trabalhá-las muito bem e gravá-las”. O "box-set" The Songs of Bacharach and Costello agora publicado reafirma a sobreexcelência do álbum mas faz-nos igualmente saber que, para além dessas 12, outras – nada menores – foram compostas para um musical (Taken From Life) nunca concretizado e que aqui escutamos nas vozes de Cassandra Wilson, Jenni Muldaur e Audra Mae, juntamente com interpretações ao vivo e versões de Costello para outras canções do mestre. No passado dia 8 de Fevereiro, Burt Bacharach morreu com 94 anos. Mas, como ele e Costello demonstraram, para eles, o céu não é o limite.

11 April 2023

DEIXAR SUBENTENDIDO
 

Foi no Outono de 1998. Elvis Costello preparava-se para publicar Painted From Memory – o álbum que gravara, a quatro mãos, com Burt Bacharach – e, com o intuito de anunciar a sua ascensão ao céu dos escritores de canções, convocara as cortes mediáticas para algures, em Londres. A cerimónia seria, previsivelmente, morosa: conferência de imprensa ritual, seguida da interminável espera de uma estação de televisão que tardava em estabelecer o contacto. Mas, no final, sem nada previamente combinado, acerquei-me dele e, como quem conversa enquanto partilha o elevador, lancei-lhe uma pergunta. Depois, outra. E outra. Acabaria por ser uma bela conversa informal na qual Elvis confessaria o essencial: “Com o Burt, aprendi a deixar subentendido o sentido de uma canção e a não ter a obsessão de dizer logo tudo nos primeiros oito compassos. Tive a oportunidade de deixar os argumentos das canções desenvolverem-se gradualmente, dando origem a um crescendo muito mais intenso do que alguma vez conseguira com uma banda. Ele contou-me que, uma vez, a Marlene Dietrich lhe dissera 'Não ofereças o teu sorriso de mão beijada'. Uma forma de dizer que não é bom revelar todos os segredos de uma canção de uma só vez”. (daqui; segue psra aqui)

O liberalismo à moda de Coimbra 
tem mais encanto

10 April 2023

(esta tinha-me escapado...) Muito convenientemente, o marsápio do Cutileiro no Parque Eduardo VII (supostamente atacado por problemas de disfunção eréctil) vai ser pudicamente coberto durante o arraial da Vaticano S.A., não vá a sua visão provocar taquicardia aos funcionários mais impressionáveis da multinacional 


Lisa O'Neill (National Concert Hall, Dublin 2020)

06 April 2023

O código vocabular desesperantemente 
restrito e obsessivamente usado pela matilha semi-alfabetizada é agora, via "mitigação", oficializado pelo ministro... da Educação
"Veri" (feat. Paleface)

(sequência daqui) Enquanto Ensemble Gamut! entregaram-se, pois, à articulação de instrumentos clássicos, tradicionais e electrónicos aplicados à invenção de intersecções entre música medieval, do Renascimento, folk, improvisada e abstraccionismos ambientais. O álbum de estreia, UT (2020), invocava a primeira nota da escala guidoniana, mais tarde substituída pelo “Dó”, e alargava o espectro a referências extra-nórdicas – Hildegard von Bingen, Martin Codax, Landini, Ockeghem. Agora, o segundo, apropriadamente RE, dirige o alcance sonoro da voz de Aino Peltomaa (e, em ‘Veri’, do rapper xamânico Paleface) e dos "soittu", "jouhikkos", "G-violone", flautas de bisel, harpa e electrónica de Heinonen e Myllylä, sobre reportório oriundo de manuscitos medievais, da tradição finlandesa, das contaminações sueca e russa e do canto rúnico da Karelia. Puríssima folia dançante em "Lapsed Caicki Laolacatt (Personent Hodie)", levitação quase imóvel em "Trina Caeli Hierarchia" ou realidade fantasmática no original "Puu", desde os Hedningarna e Värttinä que as luzes do Norte não brilhavam tão intensas.

03 April 2023

 AS LUZES DO NORTE


Tentando não transformar 2000 caracteres numa aula de história da teoria musical mas não desistindo também de oferecer o contexto que permite saborear mais profundamente o que se escuta, diga-se, então, que devemos a Guido d’Arezzo – monge beneditino italiano do século XI – não apenas a invenção da escrita musical em pauta como a designação das notas (utilizada até hoje nos países de língua latina) a partir da primeira sílaba de cada frase de um hino a São João Baptista. Mas, para o que agora importa, igualmente a criação da palavra “gamut” para referir a extensão completa – a gama – dos sons numa determinada escala ou modo. Foi nela que os finlandeses Aino Peltomaa, Ilkka Heinonen e Juho Myllylä pensaram quando se tratou de achar um nome para o trio, “um colectivo de especialistas de folk e música antiga, incessantemente em busca de novas formas de as apresentar”. (daqui; segue para aqui)

"Lapsed Caicki Laolacatt (Personent Hodie)"
Sonhei que, amanhã, nos céus de Mar-a-Lago, pelas 20:15, se projectavam, iluminadas, as palavras "It may have been the least impressive sex I’d ever had”