31 October 2024

"If Trump wins the election, mass deportations could wreak havoc on immigrants"
 
UMA INFINIDADE DE SENTIDOS
No penúltimo número da "Uncut", o álbum do mês era Patterns In Repeat, de Laura Marling. 18 páginas à frente, na secção das reedições, a lista era encabeçada pelo 4º volume dos Joni Mitchell Archives, The Asylum Years (1976 - 1980). Para o desenho de um triângulo perfeito, faltaria, talvez, a presença de algo de Marianne Faihfull. Porque, se a relação de intimidade estética entre Laura e Joni sempre foi evidente e claramente confessada ("Se Joni Mitchell não existisse, eu nunca teria existido", declarou Marling em 2017), de modo muito menos claro e explícito mas não menos real, pontos comuns existirão também entre Laura, filha do 5º baronete de Marling ("of Stanley Park and Sedbury Park in the County of Gloucester") e Marianne, baronesa Erisso von Sacher-Masoch. Não apenas na ascendência aristocrática mas, especialmente, na condição de "starlets" adolescentes de perfil folk cujo amadurecimento foi acontecendo muito fora desse perímetro. À "Mojo", Laura Marling deixa muito poucas dúvidas: "Nunca ouvi música folk. Sei que o Bob Dylan e muitos outros provêm do que é, desatentamente, considerada a tradição folk. Mas eu sou o eco, do eco, do eco de tudo isso. Não poderia estar mais distante". (daqui; segue para aqui)

"Caroline"

29 October 2024

Desde aqui, é-lhe praticamente impossível escrever uma linha sem parlapatice de velha beata com ambições filosofantes

"Freedom finds itself in captivity. Disorder, randomness, chaos and anarchy are where the imagination goes to die, or so I’ve found. So it is with matters of faith and the freeness of belief. I experience a certain vague ‘spiritualness’ within the world’s chaos, an approximate understanding that God is implicit in some latent, metaphysical way, yet it is only really in church – that profoundly fallible human institution – that I become truly spiritually liberated"

Bruce Springsteen
 
 
Bob Dylan & Joan Baez
 
 
The Byrds
Se isto significa professores não contaminados pelas "ciências" da educação mas com uma licenciatura - Matemática, Português, História... - numa universidade, só pode ser um progresso

Edit (11:34) -... e, de preferência, sem taças tibetanas

27 October 2024

Documentary movie about water in the Carpathians where special engineers created unique musical instruments that could "sound" only contacting the water. Using these sounds all of the musicians created a “Voice of Water" music track, which united ONUKA, Katya Chilly, The Maneken and DakhaBrakha
 
 
(sequência daqui) JL - Na sua video-participação nas Norton Lectures - Spending The War Without You: Virtual Backgrounds, 2020), a certo ponto, faz questão de, mais uma vez nos deixar o sangue gelado ao mostrar-nos de modo muito caricaturalmente aterrador a aproximação do perigo: “Nos meus piores pesadelos que podem ser muito gráficos, a iCloud desfaz-se e toda a informação precipita-se sobre nós. Nas noites mais difíceis, vejo Trump, os filhos e todos os seus amigos como Noé e a família, prestes a embarcar na nova Arca, um imenso navio de cruzeiros chamado Princess Ivanka. No último minuto, aparece Mark Zuckerberg na sua prancha de surf eléctrica, mesmo a tempo de iniciar o novo emprego dirigindo, organizando e personalizando todas as experiências no caminho para nenhures”. O que contém a sua Arca? 

    LA - The Ark aborda a questão da sobrevivência - o modo como nós, enquanto cultura, lidamos com as crises e o que significa sobreviver num mundo tecnológico. Não apenas a sobrevivência física mas também cultural e emocional. Usamos muita tecnologia para contar essa história. Mas a tecnologia nunca foi o ponto essencial. Importante é o modo como a usamos para reflectir a experiência humana, para observar como ela transforma as nossas relações e a forma como olhamos para o mundo. A arca é um símbolo poderoso de preservação, um veículo que transporta tudo quanto é importante para um futuro incerto. Jogámos com aquela ideia: o que devemos salvar e o que deveremos deixar para trás? Trata-se de criar uma experiência viva e imersiva. Não era apenas uma performance mas uma forma de convidar as pessoas para este mundo que construimos no qual elas poderão reflectir sobre as suas ideias de sobrevivência e que significado poderá isso ter. É, afinal, tudo uma consequência do modo como nos movemos através do tempo. Há quem pense que, no prazo de 4 anos, será já demasiado tarde para sobrevivermos ao desastre climático. A outra metade das pessoas nos EUA acha que é indispensável tornarmos a América grande outra vez. Como no passado. Mas em que ficção do passado estarão a pensar? É muito diferente pensar no passado quando se tem 77 anos ou quando se tem 17. 

    JL - Conhece, por acaso, Uma História do Mundo em Dez Capítulos e Meio, do escritor inglês, Julian Barnes, cujo primeiro capítulo conta a história da arca de Noé mas apenas na última linha ficamos a saber quem é o narrador? 

    LA - A sério? Sempre as dúvidas, sempre as perguntas... Vou ter de investigar.

Com duzentos pascácios a escutá-lo, o taberneiro neo-facho armou-se em Arnaldo Matos direitolas, apelou "à revolução" e preparou-se para a reforma como DJ ao som dos Da Vinci

24 October 2024

(sequência daqui) JL - A Laurie nunca aderiu muito a fazer grandes declarações panfletárias acerca da situação política nos EUA e no mundo em geral. Mas há casos que, de tão extremos, é praticamente impossível fugir a manifestar uma opinião. Donald Trump é, sem dúvida, um deles... 

    LA - Trump é um sintoma de uma doença muito mais generalizada de medo e desinformação. É um performer mas o problema de fundo é saber o que lhe permitiu conquistar tamanha popularidade. Ele transformou a política num "reality show". É completamente absurdo. Vemos aquela enormidade a desenrolar-se perante os nossos olhos e perguntamo-nos como foi aquilo possível. As palavras podem construir pontes ou podem derrubá-las. O que Trump tem feito é usar a linguagem para dividir e criar inimigos, O oposto da empatia. A democracia é frágil e a era Trump mostrou-nos quão fácil é ameaçá-la. É um grito de alerta para nós artistas e para qualquer pessoa que se preocupe com a verdade e a justiça. Aquela criatura acredita que as mulheres são estúpidas e idiotas e isso aterroriza-me! (segue para aqui)

... e tudo fica consideravelmente mais peculiar

"JN"

21 October 2024

vhm numa casca de noz

"As portas que abriam os romances mudaram de sítio, recuando hoje para lugares suspeitos ao serviço de uma ficção muitas vezes retumbante, autocomplacente e viscosa. As tramas avançam voltadas para dentro, sonham-se a si próprias, semeando aqui e ali pequenos costumes narcísicos e novelos biográficos suficientemente dissimulados para consolar as massas mais acríticas. (...) Perdem-se, assim, entre frases delicodoces, pequenas genuflexões e motivos que menorizam qualquer leitor, oferecendo um ardil xaroposo em contínua decomposição de açúcares, que nada mais provoca do que o enfileirado movimento de moscas e formigas". (Valter Hugo Mãe - O literato como pastor evangélico; sugerido nesta caixa de comentários)


(sequência daqui) JL - O seu interesse pelo uso da tecnologia como ferramenta indispensável no trabalho de criação foi sempre muito evidente. Actualmente, com os mais recentes desenvolvimentos no campo da Inteligência Artificial, continua a pensar do mesmo modo em relação a ela? 

    LA - Adoro a IA, usei-a imenso em Amelia. Particularmente, os modelos de linguagem do Machine Learning Institute, em Adelaide, na Austrália, onde sou artista residente. Tudo o que eu, desde sempre, escrevi, gravei ou disse foi alojado num supercomputador. O que me permitiu, de certo modo, colaborar comigo mesma. É uma ideia muito interessante, com imenso potencial para dilatar os limites da actividade artística. Por outro lado, deixei de ser tão optimista quando me apercebi que a realidade começou a transformar-se em algo bizarro, opcional. A IA pode ser-nos muito útil mas teremos de estar muito atentos ao caminho por onde nos irá conduzir e aquilo que, por aí, poderemos ir perdendo. E também me arrepia o facto de ela fazer parte da enorme e aterradora cultura da vigilância que rasteja atrás de nós e do elevadíssimo e perigosíssimo potencial para gerar desinformação que contém. 

    JL - A "sua" IA foi utilizada recentemente para a escrita dos textos de canções do último álbum dos Loma, How Will I Live Without A Body?, a partir de imagens fotográficas. De quem é, então, a autoria destes textos? 

    LA - Os algoritmos que participaram na criação desses textos foram treinados na minha escrita. Trata-se, portanto, da minha personagem IA. Tanto pode resultar muito bem como assemelhar-se ao que escreveria um chimpanzé agarrado a um teclado. No fundo, nem é muito diferente da minha própria escrita: a maior parte vai parar ao lixo e há uma coisa aqui, outra ali, que merece ser salva. (segue para aqui)

18 October 2024

Parece que isto era uma cena católica


Edit (18:50) - novos contributos para a hagiografia

(sequência daqui) JL - Por outro lado, a história trágica de Amelia Earhart, contém uma série de elementos quintessencialmente americanos, não é verdade?

 
     LA - Absolutamente! Ela era apaixonada pela velocidade e pela tecnologia. A ideia de poder estar a falar com as mulheres americanas motivava-a também muito. E casou com o assessor de imprensa: em cada pausa da viagem, falava com jornalistas contava-lhes detalhes, telefonava, enviava telegramas, escrevia o diário de bordo. Deixou um enorme registo da viagem! Mas tudo isto é o que nós fazemos: tecnologia, velocidade e guerra. Vendemos armas ao mundo. A II Guerra Mundial realmente acabou? Olhamos à volta - Israel, Rússia, Ucrânia - e pensamos que, provavelmente, durante algum tempo terá arrefecido um bocadinho mas agora parece estar a aquecer outra vez. (segue para aqui)

17 October 2024

Portanto, ainda que só temporariamente, a seita neo-facha (e tudo o que, entretanto, fez e disse) não existe?

14 October 2024

A "auto-ajuda" psicocoisa 

(via OMQ)

Andreas Gundlach - Semiconductor’s Masterpiece


(sequência daqui) JL - Trabalhar com uma orquestra transformou de alguma forma o seu modo habitual de encarar a música, o spoken word e a relação entre ambos? A fronteira entre a fala e o canto manteve-se mas, aqui, permitindo que, como nunca antes, este fosse invadido pela orquestra...
 

    LA - Trabalhar com orquestras é fascinante porque damos connosco a ter de lidar com aquele imenso corpo sonoro orgânico. É como uma espécie de paisagem. Se lhe acrescentarmos a dimensão tecnológica, abre-se um universo de possibilidades ainda maior: tanto permite concentrar-nos em detalhes ínfimos como alargar o ângulo sobre vastos espaços abertos. Além disso, também cometemos algumas heresias como, por exemplo, gravar baixo e bateria em último lugar, ao contrário do que é habitual. Usei a história de Amelia Earhart como estrutura narrativa, incorporando simultaneamente referências ao voo, ao desaparecimento e à comunicação.

    JL - Amelia reflecte, mais uma vez, o seu interesse na combinação de elementos pessoais, históricos e míticos na criação de peças totalmente contemporâneas mas de modo algum prisioneiras do seu tempo...  

  
     LA - A Amelia Earhart é, simultaneamente, uma heroína e um mito. Uma figura de exploradora corajosa que pretendeu romper limites mas que, ao mesmo tempo, se deixou capturar no espaço entre o sucesso e a extinção. Há qualquer coisa de muito perturbador nas últimas transmissões de rádio dela (um motivo que pontua todo o álbum), enviadas para o vazio, fragmentos de som que ficaram perdidos no ar, à deriva na vastidão. A voz dela estava lá mas inatingível. E falava-nos do medo de se sentir irremediavelmente perdida, de, pela quebra de comunicação, desaparecer sem deixar rasto. (segue para aqui)

11 October 2024

10 October 2024

... e ora aqui vem mais um!
Aztec Camera - "Pillar To Post"

(inspirado aqui)

(sequência daqui) Laurie Anderson - É curioso porque, durante todo o processo de composição, nunca tive consciência dessa relação. E, de facto, ambas têm como desfecho um desastre. Não faço a menor ideia de por que motivo isso aconteceu. 

    João Lisboa - Amelia teve um longo percurso até atingir esta forma final... 

    LA - Amelia deu os primeiros passos em 2000. Foi uma encomenda. O Dennis Russel Davies - actual maestro da Filarmónica de Brno, na República Checa - veio ter comigo, disse-me que iria apresentar no Carnegie Hall um espectáculo cujo tema era o voo e no qual seriam apresentadas peças de Philip Glass, Kurt Weill, e Samuel Barber. E perguntou-me se não me apeteceria escrever também alguma coisa, se me sentia capaz de escrever uma obra orquestral. Não fazia a menor ideia de como o fazer. Não me pergunte porquê mas prefiro sempre sentir-me no lugar do principiante. Gosto de fazer coisas que não sei como fazer, se já sei fazê-las não me interessam tanto. Por isso, não me acobardei. E o resultado foi muito mau. Mesmo. No entanto, alguns anos depois, o Dennis veio ter outra vez comigo e disse-me que gostava muito das partes de cordas dessa primeira tentativa. Fomos, então, por aí e a recuperação nem resultou mal. O passo seguinte seria deixar de lado todo o resto. Por mim, o processo estava concluído. Mas, durante a pandemia, ele veio-me com a ideia de aproveitarmos esse tempo e gravarmos tudo. Na verdade, as três versões que foram sendo concretizadas têm entre si apenas uma relação familiar muito longínqua. E, uma vez que tenho em curso um outro projecto, Ark, precisava de concluir este com alguma rapidez. (segue para aqui)

06 October 2024

ENTRE O SUCESSO E A EXTINÇÃO
Pergunte-se a Laurie Anderson como travou conhecimento com a personagem histórica de Amelia Earhart - pioneira norte-americana da aviação e feminista, desaparecida tragicamente sobre o Oceano Pacífico, em 1937, quando tentava realizar a mais longa viagem de circum-navegação aérea da Terra - e ela explicará que, por algum motivo, desde a infância, parecia estar predestinada a cruzar-se com ela: "Devia ter 10 ou 11 anos e adorava contar e ouvir histórias. E a maioria delas era acerca de pessoas em aviões. A minha irmã mais nova sofria de insónias e, por isso, todas as noites a adormecia com mais um episódio da história de Judy Marie, uma personagem de ficção que eu tinha criado que guardava um avião na garagem e todas as noites partia em novas aventuras". É, pois, apenas natural que, daí, possa ter resultado um álbum como Amelia onde todos os fios que, habitualmente, se cruzam na obra de Anderson surjam reactivados e recontextualizados. Se, ainda que só implicitamente, a sombra de John Cage paire sobre toda a gravação (o acaso, a indeterminação, a incorporação do silêncio como elemento musical primordial e a noção de que toda e qualquer produção sonora é potencialmente musical - dos motores do Lockheed 10E Electra à cacofonia desnorteada de sinais radio no momento da queda sobre as imediações da ilha Howland), verdadeiramente significativo é que tenhamos conhecido Laurie Anderson quando, em 1981, antecipando o terror das Twin Towers, em "O Superman" cantava "Well, you don't know me, but I know you, and I've got a message to give to you: here come the planes, they're American planes, made in America" e, agora a reencontremos recordando-nos de um outro avião que se despenhou. (daqui; segue para aqui)