30 May 2023

 A tricologia, sempre a tricologia

Lo que nos transmite el corte de pelo de Isabel Díaz Ayuso y el del resto de las candidatas de Madrid en las elecciones

Olivier Messiaen - Catalogue d'Oiseaux (Book 1); piano: Yvonne Loriod
(Catalogue d'Oiseaux na íntegra aqui; ver também aqui)

Misericórdia do Porto acusada de censurar obra sobre o passado esclavagista do Conde Ferreira: "Na obra Adoçar a Alma para o Inferno III é feita uma correlação entre quantos escravos valeria um hospital psiquiátrico e 120 escolas, alusivo aos milhares de pessoas escravizadas que o Conde Ferreira levou de Angola para o Brasil e que foram vendidas para os proprietários dos engenhos de açúcar. Estas frases estariam inscritas em espelhos que faziam parte da obra"

29 May 2023

A menos que se trate de uma história sobre um gang de mafiosos chefiados por um capo psicótico e megalomaníaco, teme-se o pior... 
 

28 May 2023

"Badi Sabah Olmadan"
 
(sequência daqui) Em Anadolu Ejderi, ficámos, há pouco tempo, a conhecer a mui óptima Gaye Su Akyol – uma espécie de Grace Slick tecendo melismas vocais sobre a trama psicadélica de uns Jefferson Airplane médio-orientais – e, agora, é o momento de escutar os Altın Gün, entidade colectiva que, sem necessitar de justificações, baralha ainda mais os dados e provocará, decerto, apoplexias aos ferozes adversários da “apropriação cultural”. Após uma viagem pela Turquia, há 5 anos, na qual derreteu o saldo bancário em vinis, o holandês Jasper Verhulst, de regresso a Amesterdão, colocou um anúnco no Facebook em demanda de músicos turcos com os quais formar uma banda. Responderam à chamada Merve Daşdemir e Erdinç Ecevit e, à razão de um álbum por ano, os Altın Gün, muito em particular no último Aşk, reinventariam gloriosamente a música popular e tradicional turca, embriagando-a de psicadelismo e passando-a pela austera peneira de aparelhagens e técnicas de gravação "vintage".

25 May 2023

Exactamente o mesmo que, simultaneamente, acontece na sala dos professores

24 May 2023

EMBRIAGADOS DE PSICADELISMO
 

A famosa tirada de Orson Welles no filme O Terceiro Homem (1949), de Carol Reed – “Em Itália, durante trinta anos, sob os Bórgias, houve guerras, terror, assassínios e sangue mas produziram Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci e o Renascimento. Na Suíça existiu amor fraterno, 500 anos de democracia e paz e o que é que produziram? O relógio de cuco” –, embora historicamente incorrecta e perigosamente vulnerável a utilizações políticas menos recomendáveis, chama a atenção para o facto de, sem transformar isso em lei geral, períodos históricos e contextos sociais conturbados poderem estar na origem de movimentações culturais intensas. O chamado Anatolian Rock (ou rock psicadélico turco) tem uma linha de vida que bebe no nacionalismo musical do início do século XX, deixa-se contaminar pelo pop/rock ocidental, choca de frente com o golpe militar de Setembro de 1980 e, posteriormente, renasce, reflectindo as várias linhas de força estéticas contemporâneas. (daqui; segue para aqui)

"Rakıya Su Katamam"
Na verdade, uma coisa 
não é nada diferente da outra

21 May 2023


(sequência daqui) Com apoio externo das duas primeiras páginas do Frankenstein, de Mary Shelley, tirado ao acaso de uma prateleira (“O livro começa com a narrativa de um viajante próximo do Círculo Polar Ártico e essa imagem de alguém à deriva ajudou-me a escrever sobre a sensação de estar isolado, perdido e sem objectivos”, justifica-se Matt) e dos convidados Taylor Swift, Phoebe Bridgers e Sufjan Stevens, tratar-se-á, então, como assegura Aaron Dessner, de “uma obra maior, à altura de Alligator (2005), Boxer (2007) ou Sleep Well Beast (2017) dos quais se escutam referências aqui”? Relativamente a este último, é possível que tenha razão: foi exactamente aí que teve início o processo de lenta implosão da banda, um exercício, deliberado ou não, de poupança energética, no qual o som e a fúria de Alligator e – mais que perfeitamente controlados – de Boxer, sem se acharem extintos, actuavam essencialmente como memória em segundo plano.
 
 
Mas o mais exacto paralelismo que deve estabelecer-se é com I Am Easy To Find: tal como nesse álbum, o desenvolvimento das canções é quase processionalmente moroso, os arranjos orquestrais limitam-se a simular crescendos e a procurar acolchoar o muito espaço deixado vago por melodias preguiçosamente monossilábicas, e a tonalidade geral é de queixosa resignação. Naturalmente, poderemos sempre contar com os textos de Berninger para nos obrigar a parar tudo e voltar a escutar (“I get myself twisted in threads to meet you at The Alcott, I go to the corner in the back where you'd always be, and there you are sitting as usual with your golden notebook writing something about someone who used to be me”, de "The Alcott", um dueto com Taylor Swift que é, inesperadamente, a melhor canção do disco) ou fazer-nos ver um momento como se lá tivéssemos estado presentes (“I keep what I can of you, split second glimpses and snapshots and sounds, you in my New Order t-shirt, holding a cat and a glass of beer, I flicker through, I carry them with me like drugs in a pocket, you in a Kentucky aquarium talking to a shark in a corner”, de "New Order T-Shirt"). Mas já vimos lâminas bem mais afiadas acercando-se da artéria radial.

16 May 2023

The National - "Tropic Morning News"
 
(sequência daqui) Depressão ou “burnout”, procurou uma terapia de despoluição fisiológica – zero álcool, zero cannabis – acompanhada por tratamento com antidepressivos. Acima de tudo, receava ter “incorporado a personagem misantropica que, em palco, me habita” e que sempre canalizara para a música. “Escrevi música triste e deprimente durante tanto tempo que, quando ela chocou comigo, quando me apanhou, já não queria escrever mais naquele registo. Não era capaz de me orientar pelo meio do nevoeiro. Não queria pô-lo em palavras. Tudo me parecia feio e grosseiro e todos os pensamentos na minha cabeça eram pequenos, amargos e assustadores”. Foi o momento no qual todos os elementos da banda se concentraram numa espécie de terapia colectiva (“Em vez de nos zangarmos, apoiámo-nos uns aos outros e ao trabalho que íamos realizando em torno das canções, como se estivéssemos a cuidar da nossa família. Conseguimos recuperar os laços que nos têm unido e ver as coisas sob um outro ângulo. É como se tivéssemos entrado numa nova era”, diz Bryce) à qual Matt – de modo arriscadamente pouco científico – atribui todos os méritos da reabillitação: “Conseguir voltar a escrever uma canção foi o medicamento que me curou. Os antidepressivos comigo não resultam”. (segue para aqui)

15 May 2023

 
A REGRA DO JOGO
 
Adivinham-se tempos difíceis: 
a obsessão apoderou-se das tribos; 
uma vírgula pode ser um crime, 
a ameaça esconde-se numa frase incompleta. 
Os jornais encheram-se de notícias peregrinas, 
os editoriais ponderam. Murmura-se 
nas fileiras, a especulação prospera. 
Com um salário que é como mau tecido, 
depois da primeira lavagem, o funcionário público 
poupa na fruta, no tabaco, no queijo. Amanhã, 
de comboio, a História enfrentará o seu destino,
 ou, pelo menos, uma cópia, que levará tempo 
(medido em lustros) a rasurar.  
 
(in Tentativa e Erro, 2011, Ed. Assírio & Alvim)
 

13 May 2023

"Your Mind Is Not Your Friend" (feat. Phoebe Bridgers)

(sequência daqui) Na realidade, porém, não foi tudo assim tão fácil. Agora que (quatro anos após I Am Easy To Find), First Two Pages Of Frankenstein, o novo álbum da banda, é publicado, Matt confessa que, mais do que em qualquer outro momento anterior, o fim dos National esteve prestes a acontecer: “Mesmo que, sempre que estamos a trabalhar num álbum haja discussões e muita ansiedade, esta foi a primeira vez que sentimos que as coisas poderiam ter chegado irremediavelmente ao fim. Estava num buraco muito negro, não era capaz de escrever uma letra nem de criar uma melodia. Foi assim durante um ano”. E, à “Uncut”, em modo cirurgia de coração aberto, contaria tudo sobre aquele momento “em que o comboio descarrilou”: "Habitualmente, quando atravesso períodos conturbados, consigo lidar com isso, escrevo uma canção sobre o que me perturba o que contribui muito para resolver o problema. Mas, desta vez, eu não queria fazê-lo. Tinha perdido o interesse pela minha própria dor e pelos meus problemas. Sentia-me até, se calhar, envergonhado por causa deles. E quanto mais tempo passava sem exercitar aquela parte de mim responsável pela escrita, mais difícil se tornava reestabelecer a ligação com ela”. (segue para aqui)

12 May 2023

 Historietas ingénuas para aligeirar o fardo dos peregrinos (IV)

Four Catholic women are drinking coffee and discussing how important their children are. 

“My son is a priest”, the first one tells her pals. "Everyone calls him 'Father' when he walks into a room".

“Oh, my son is a Bishop”, says the second Catholic woman. "'Your Grace', people say whenever he walks into a room". 

“Oh, not to put you down, but my son is a cardinal”, the third Catholic woman remarks smugly. "People greet him with 'Your Eminence' whenever he enters a room". 

The fourth Catholic lady drinks her coffee quietly. The first three women ask her, “Well...?” She replies, 

“My son is a charismatic, 6’2”, hard-bodied male stripper. Whenever he walks into a room, people say, 'My God!...'”.

O que cai na Internet fica na Internet

(clicar na imagem para ampliar; ver mais aqui)

11 May 2023

 Historietas ingénuas para aligeirar o fardo dos peregrinos (III)

A lawyer, a priest and a scout leader with his troupe are on a plane. The pilot dies of a heart attack and the plane begins to go down. 

Scout leader: "There aren't enough parachutes, we must give them to the children!" 

Lawyer: "Fuck the children!" 

Priest: "Do you think there's time?"

Quando a desvairada alcateia ávida de sangue consegue gerar simpatia pela tudo menos simpática presa

10 May 2023

 Historietas ingénuas para aligeirar o fardo dos peregrinos (II)
 
"Religion has convinced people that there's an invisible man ... living in the sky. Who watches everything you do every minute of every day. And the invisible man has a list of ten specific things he doesn't want you to do. And if you do any of these things, he will send you to a special place, of burning and fire and smoke and torture and anguish for you to live forever, and suffer, and suffer, and burn, and scream, until the end of time. But he loves you. He loves you. He loves you and he needs money" (George Carlin)

QUANDO O COMBOIO DESCARRILOU 

Há dois anos e meio, ninguém o adivinharia. Falando a partir da Califórnia por ocasião do lançamento do seu álbum a solo, Serpentine Prison, Matt Berninger referia-se à paralização geral a que o confinamento resultante da emergência pandémica obrigara (“Toda a gente tem de repensar a forma como lida com a vida. Foi tudo virado de pernas para o ar. Não parou apenas a indústria musical, parou praticamente tudo. Tem sido uma situação dramática. Não é possível planear coisa nenhuma”), expelia fel sobre a tenebrosa era-Trump (“Custa a acreditar como uma nação se deixou dominar por um criminoso patético e transparentemente maligno e dói ver a aceitação de tal brutalidade. Teremos de reconstruir a América praticamente a partir de zero mas acredito que o ideal americano mantém a força suficiente para, optando por Biden e Kamala Harris, reinventar o país”), mas, quando lhe perguntei qual o critério para distinguir o que viria a ser uma canção dos National de outra para o seu reportório pessoal, respondeu: “Tenho escrito bastante. Estou sempre a escrever, nunca paro. Há muitos músicos e autores de canções amigos que me enviam esboços de ideias. Quando o Aaron, o Bryce, o Brian ou o Scott me enviam alguma coisa, será uma canção dos National”. (daqui; segue)

"The Alcott" (feat. Taylor Swift)

09 May 2023

Historietas ingénuas para aligeirar o fardo dos peregrinos (I)
 
 
A preacher was taking a walk one day and happened upon a young girl who was playing with something in a cardboard box. When he got closer he could see that the box held a litter of new-born kittens. 
 
"What kind of kittens are those?", asked the preacher. 
 
"They're Christian kittens", replied the little girl. 
 
The preacher walked on, pleased to see that the little girl had Jesus foremost in her thoughts. A few days later the preacher saw the little girl again. 
 
"And how are your little Christian kittens doing today?", he asked. 
 
"Oh, they aren't Christian kittens, they're atheist kittens", replied the girl. 
 
"But... I thought you said they were Christian kittens?", responded the preacher, concerned over the sudden change. 
 
"Oh, they were. But now their eyes are open."

07 May 2023

LIMPAR O PÓ AOS ARQUIVOS (LXXXV)
 
(com a indispensável colaboração do R & R)

(clicar na imagem para ampliar)
"Just Good Friends" (álbum integral aqui)
 
 
"Shipbuilding" (E. Costello; álbum integral aqui)
Heinali - "Beatrice"
(do álbum Madrigals, na íntegra aqui)
 
"It was my deep love of Late Medieval and Renaissance polyphony that inspired this album. It is based on generative counterpoint — several independent self-playing melodies performed at the same time on a modular synth. I've been working on the patch since late 2017. After I had enough of recorded improvisations I contacted musicians who specialize in Early Music to look if we could combine period instruments with electronic polyphony on a modular system. On Beatrice, you can hear a brilliant violist Igor Zavgorodnii, from Kyiv, improvising on a baroque viola. Initially, I thought it to be the easiest piece to record but it proved to be much more difficult. At some point, I even considered discarding the piece altogether and changing the material. What helped, I think, was the mythology that gradually and miraculously emerged during several years I spent working on the patch. Generative voices turned into bird-like creatures inhabiting electric gardens of polyphony. One is tiny and full of vigour. It loves to sing high during the day but at night it dives deep under the water, where it hums her deep whale song. Another bird is a shadow. It flew into the garden straight from Elizabethan England, bringing melancholy, a fashionable malady, in its beak. Igor's task was to imagine himself as a different kind of bird in this unfamiliar garden, a caged one. His song dissents, he plays an old, period instrument, a baroque viola, but the microtonal technique he is applying comes straight from the 20th century. It is something that he improvised on the spot during the rehearsals and we just decided to go with it during our recording session".

05 May 2023

... mas parece que o que importa são os humores do Marselfie...
  

(sequência daqui) Aí, em conjunto com outros músicos, organizaria uma série de "live streams" musicais com o duplo objectivo de angariação de fundos e de elevar o ânimo da resistência. “Mas, à medida que os alarmes de ataques aéreos se tornaram mais frequentes, tivemos de cancelá-los até decidirmos que o próximo seria realizado a partir de um abrigo anti-aéreo próximo”. Tomaria como ponto de partida uma das peças que trabalhava para um álbum que a guerra interrompera – “Organa”, uma reconfiguração das polifonias da École de Notre Dame de Paris, dos séculos XII e XIII, em sintetizador modular. “Sem dúvida, uma justaposição bizarra dadas as circunstâncias. Mas, assim que comecei a tocar, senti que, pela primeira vez desde a invasão, redescobrira a ligação com uma parte de mim que julgava desaparecida para sempre. Naquela noite, regressei a casa e ouvi as notícias. Era o massacre de Bucha. Aquilo que pensava ter reencontrado dissipou-se ao aperceber-me que cada uma daquelas pessoas era eu. E elas eram todos nós”. (Live From A Bomb Shelter in Ukraine publicado em simultâneo com Kyiv Eternal - ver também aqui)
Como se não bastasse ter sido uma vítima designada da Covid, agora, uma conspiração internacional encrava-lhe o arraial neo-facho com que tanto sonhava!

04 May 2023

E assim se prova como, tendo nascido no Funchal, em Vladivostok ou em Timbuktu (e trabalhado em Manchester, Madrid, Turim e Riad), pode sempre ser-se um "grande lisboeta"!
O deprimente estado das coisas: o Marselfie a comer um gelado do Santini enquanto cita o incontornável pensador Abrunhosa gera um surto de hermenêutica política

03 May 2023

O eduquês cada vez mais moderno, cada dia mais científico
 
"Todos os dias cada aluno da Escola Básica Integrada Dr Anastácio Gonçalves, em Alcanena, passa pelo termómetro da felicidade ao entrar na sala de aula. Num processo de autorregulação avalia os seus pensamentos, sentimentos e comportamentos, e define as emoções que está a sentir. (...) Este projecto que coloca a felicidade no centro da aprendizagem dos 240 alunos desta escola (...), além de contar com a colaboração de todos os professores e encarregados de educação envolve inteligência artificial que monitoriza, através de sensores, as emoções dos alunos. Desta forma os professores conseguem perceber em que alturas do dia, por norma, os alunos estão mais ou menos agitados para poderem ajustar a forma de leccionar a matéria" (daqui, via OMQ)

02 May 2023

E ELAS ERAM TODOS NÓS
Lviv foi, desde os anos 70 do século passado, a capital hippie do império soviético. Qual São Francisco da Europa de Leste, a ela acorreram pereginações de hirsuta juventude que, apesar de múltiplas tentativas do KGB para as afugentar, deixaram marcas, até hoje, na maior cidade do Ocidente da Ucrânia. Que tanto podem assumir a forma do “Cat Cafe”, da rua General Grigorenko (duas dezenas de divindades felinas prontas a conviver com a clientela), ao cuidado de Alik Olisevich – o mais velho hippie local e responsável pelo arquivo do movimento na cidade – , como no modo pelo qual, após a selvática invasão russa do ano passado, se converteu em “capital cultural” ucraniana ao acolher um imenso número de artistas e intelectuais em fuga. Um deles era Oleh Shpudeiko ("nom de plume", Heinali), compositor e “sound artist” que, após atravessar as fronteiras da Polónia e da Hungria para deixar a mãe e a mãe da namorada a salvo em Budapeste, de regresso à Ucrânia, deter-se-ia em Lviv. (daqui; segue para aqui)