30 September 2024

"Pink Smoke"

(sequência daqui) Nem num nem no outro caso, se trata de colagem oportunistamente identitária, apenas aproveitar um bom pretexto para o devido reconhecimento de factos históricos demasiadas vezes esquecidos. E que, no caso dos Quivers - Bella Quinlan (voz e baixo), Sam Nicholson (voz, guitarrra, teclados), Michael Panton (voz, guitarra, "tape loops"), e Holly Thomas (voz e bateria) -, funciona como elemento adicional para a caracterização da banda australiana, originária da Tasmânia. Pelo menos tão importante como saber que, em 2020, se entregaram à realização de um álbum exclusivamente dedicado a versões da totalidade das canções de Out Of Time (1991), dos. R.E.M., o que ajuda a descobrir as pegadas que os conduziram ao inesgotável filão dos Go-Betweens, Rolling Blackouts C.F., Apartments e outros tantos do riquíssimo baú dos antípodas.
Taberneiro com o trapo de 
limpar o balcão enrolado na coxa

27 September 2024

2024 - Prémio "Elixir da Juventude"
 

(Dos comentários: "Professores criados pela IA. A professora da esquerda está muito bem conservada, apenas lhe falta uma perna...")

O BAÚ DOS ANTÍPODAS

Há um ano, nas "liner notes" do seu terceiro e óptimo álbum, Every Acre, H.C. McEntire alinhava uma lista de povos nativos norte-americanos - Lumbee, Occaneechi, Shakori, Eno, Saponi, Tuscarora, Catawba, Sissipahaw, Tutelo, Adshusheer, Cheraw - sublinhando ter sido nos seus territórios ancestrais que as gravações haviam decorrido. E, em "Turpentine", cantava "We can tend the land for a little while, bones of those beneath the boundary lines, east in sets first, then clockwise, every acre that you ever owned, hissed and split like a radiator hose”. Agora, Oyster Cuts (quarto longa duração dos Quivers e primeiro para a já clássica "indie" Merge Records, da Carolina do Norte - que, por coincidência, também publicara o de H.C. McEntire) faz questão de declarar que "termos gravado em Melbourne, na Austrália, significa que andámos pelas terras tradicionais do povo Wurundjeri da Nação Kulin e manifestamos o nosso respeito a todos os seus representantes passados e presentes que nunca abdicaram da sua soberania". (daqui; segue para aqui)

"Apparition"
Partidos "irmãos" no sentido 

23 September 2024

 
(sequência daqui) No novo Amelia, a personagem que Laurie Anderson encarna é Amelia Earhart, pioneira feminina da aviação, na última e trágica etapa da sua vida quando, em 1937, morreu, durante a tentativa de circumnavegação aérea do planeta. Inspirada pelos seus diários de bordo, pelos telegramas que enviava ao marido ("Ela foi a blogger original!", garante Laurie) e "por aquilo que imagino que uma mulher voando à volta do mundo pensaria", a peça já passou por três encarnações: a primeira no Carnegie Hall, em 2000 ("Uma cacofonia, provavelmente o pior que já ouvi de uma orquestra", desabafaria ela ao "Guardian"); em 2003, com a Stuttgart Chamber Orchestra com direcção de Dennis Russell Davies; e, agora, com a checa Filharmonie Brno e superlativas orquestração e direcção de novo de Russell Davies e, igualmente, a participação de Gabriel Cabezas, Rob Moose, Ryan Kelly, Anohni, Martha Mooke, Marc Ribot, Tony Scherr, Nadia Sirota, e Kenny Wolleson. Pelo seu riquíssimo e intincado labirinto, circulam as memórias de quem, muito jovem, "era apaixonada pela beleza e liberdade do céu... de braços abertos, como as asas de um avião, fechava os olhos e corria!" e que, agora, diria à "Rolling Stone", se entrega à criação de uma música, "a que chamam 'multimedia', 'art music' ou, a que gosto menos, 'experimental'. Parece que estou num laboratório a lidar com produtos explosivos!..." Se, do passado, se pode inferir algo em relação ao futuro, o de Laurie Anderson permanece insondável: "Em S. Francisco leram-me as mãos. Aparentemente, nas vidas anteriores, fui uma linha infindável de centenas e centenas de rabis. Segundo parece, na minha primeira vida, fui uma vaca. Depois, um pássaro e, a seguir, um chapéu. Provavelmente, o chapéu foi feito com as penas do pássaro. Um chapéu conta como meia vida".

16 September 2024

 
(sequência daqui) Mas ela não nos dá descanso. Em "Dark Time In The Revolution" (de Homeland, 2010) - pela mesma altura na qual (a propósito da tentativa de ataque bombista da Al Qaeda, na véspera de Natal, num voo para Detroit), Osama Bin Laden quase a citaria: "Se as nossas mensagens pudessem ser transmitidas por palavras não as enviaríamos por avião" - as trevas desceriam um pouco mais: “You thought there were things that had disappeared forever, things from the Middle Ages, beheadings and hangings and people in cages, and suddenly they’re alright, welcome to the American night”. E, durante as nove horas da sua fantástica video-participação nas Norton Leectures - Spending The War Without You: Virtual Backgrounds, 2020), pudemos voltar a arrepiar-nos seriamente com a aproximação do perigo: “Nos meus piores pesadelos que podem ser muito gráficos, a iCloud desfaz-se e toda a informação precipita-se sobre nós. Nas noites mais difíceis, vejo Trump, os filhos e todos os seus amigos como Noé e a família, prestes a embarcar na nova Arca, um imenso navio de cruzeiros chamado Princess Ivanka. No último minuto, aparece Mark Zuckerberg na sua prancha de surf eléctrica, mesmo a tempo de iniciar o novo emprego dirigindo, organizando e personalizando todas as experiências no caminho para nenhures”. (segue para aqui)

09 September 2024

É para rir ou para chorar?

 
(sequência daqui) Voltaria igualmente à superfície a polémica citação de Don De Lillo que, em "The Cultural Ambassador" (de The Ugly One With The Jewels, 1995), ela usara, defendendo que "os terroristas são os derradeiros artistas que restam pois são os únicos capazes de verdadeiramente nos surpreender". Afinal, apenas uma versão menos entusiástica do que a de Karlheinz Stockhausen que, no calor dos acontcimentos, qualificaria o 11 de Setembro como “a maior obra de arte de todos os tempos, o sonho de qualquer músico: trabalhar durante dez anos para a realização de uma obra e morrer durante a consumação dela". Stockhausen nunca se retrataria mas, anos mais tarde, Laurie procuraria explicar-se: “A questão, quando se escreve sobre estética e política, é que a política e a arte estão sempre a mudar. Há um tempo e um lugar certos para abordarmos determinadas ideias que não são sempre necessariamente verdadeiras”. (segue para aqui)

07 September 2024

Apostava que, aproveitando o fim-de-semana, foram esconder-se nas instalações do MAI
Banksy - Escaping convict on Reading Gaol (2021)

Edit (19:06) - Sólidos CV. Respect!

06 September 2024

INTRINCADO LABIRINTO 

Tenham medo. Tenham muito medo. Laurie Anderson é exactamente o tipo de pessoa que, involuntariamente, quase sem se aperceber disso, actua como veículo de antecipação do futuro. Aquilo que, antigamente, se designava como profeta. Em 1981, no primeiro álbum Big Science, incluia 'O Superman', inviamente inspirada na ópera "Le Cid", de Jules Massenet, na qual, em gélido registo vocal, mecanicamente entoava: “Well, you don't know me, but I know you, and I've got a message to give to you: here come the planes, they're American planes, made in America (…) And the voice said: neither snow nor rain nor gloom of night shall stay these couriers from the swift completion of their appointed rounds”. Dez anos depois, uma semana e um dia após o atentado da Al Qaeda ao World Trade Center, Laurie Anderson actuaria no Town Hall de Nova Iorque. Durante a interpretação de peças como "Strange Angels" (“Big changes are coming, here they come, here they come”), "Let X=X" ("I feel like I am in a burning building... I gotta go"), e, sobretudo, "O Superman'", na própria gravação (Live At Town Hall, New York City, September 19-20, 2001) era palpável a tensa atmosfera glacial que se instalara. (daqui; segue para aqui)

01 September 2024


(com a colaboração do correspondente do PdC em Pequim)
 
(sequência daqui) O mais intrigante é que, aparentemente, David Lynch tinha perfeita consciência do que estava em jogo: "Sem uma ideia, nunca conseguiremos ir a lado nenhum. As ideias são oferendas lindíssimas. Digo sempre que desejar uma ideia é como colocar um isco no anzol. Se apanhamos uma ideia de que gostamos, é um belo, belo dia". E, a despeito de as primeiras evidências não revelarem sinais do borbulhar de qualquer ideia, preferiu insistir: "Como sucede com qualquer coisa nova, precisamos de algum tempo para nos habituarmos a ela. A primeira vez que ouvimos, soou-nos terrível", diz Lynch. "Depois, ficámos na dúvida", confessa Chrystabell. "Ouvimos outra vez. Tratava-se só de sintonizar bem o cérebro. Era fantástico!" Receio bem que a primeira opinião fosse a mais certa. A propósito, qual era, afinal, o segredo?