31 March 2007

OS MUNDOS INVERTIDOS DE BRIAN WILSON



Enlouquecer é terrível. Enlouquecer por engano só pode ser uma tragédia inexplicável. Mas deverá ter sido isso exactamente o que aconteceu a Brian Wilson em 1966. O seu precário equilíbrio mental — consequência dos maus tratos e brutalidade do pai durante a infância — agravara-se consideravelmente depois das experiências com LSD. Quase unanimemente considerado como o único génio da pop capaz de rivalizar com os Beatles após a publicação de Pet Sounds (nem os louvores de Leonard Bernstein lhe faltaram), o cérebro de Brian começava a falhar.



Poderiam ser apenas excentricidades mandar construir uma "sandbox" com o piano colocado ao centro, no interior da sua casa, para simular o ambiente de uma praia ou erguer também aí uma tenda onde, como estímulo criativo, era obrigatório fumar erva. Gravar canções no fundo da piscina também não seria propriamente canónico. Mas algo, de certeza, não ia bem quando, durante o registo de uma nova canção para o que deveria o próximo álbum dos Beach Boys, Wilson ateou um fogo no estúdio e obrigou os músicos da orquestra a usar capacetes de bombeiro. Mais alarmante ainda, ter-se-à convencido de que fora essa a verdadeira causa de, por coincidência, ao mesmo tempo, um incêndio ter deflagrado naquela zona de Los Angeles.



Brian Wilson não estava realmente bem. Mas a gota final que, aos 24 anos, o mergulhou, até hoje, na mais profunda perturbação mental foi a publicação de Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band. Se, de acordo com a lenda apócrifa, Pet Sounds fora a resposta dos Beach Boys a Rubber Soul, dos Beatles, e Revolver procurara ir mais longe que Pet Sounds, agora Wilson não conseguia viver com a ideia de que nunca iria ser capaz de suplantar Sgt. Pepper's.



Dificilmente o seu equívoco poderia ter sido maior: não só o passar dos anos iria progressivamente desvalorizar a importância de Sgt. Pepper's — a favor de outros álbuns dos Beatles como, por exemplo, Revolver ou do próprio... Pet Sounds —, como o disco que, bloqueado por essa obsessão, iria deixar inacabado se transformaria num dos maiores mitos pop (talvez "o" maior mito) na categoria "great lost albuns". Deveria ter-se chamado Smile e, só agora, trinta e oito anos mais tarde, foi finalmente concluído.



Escrito em parceria com Van Dyke Parks (outro génio razoavelmente ignorado, autor entre outros, do magnífico Song Cycle e colaborador de Randy Newman, Tim Buckley ou Phil Ochs), fora concebido como uma colecção de "teenage symphonies to God", um imenso painel quase cinematográfico, fragmentado e caleidoscópico, onde deveria ser projectada toda a história e a música da América, de Disney aos "westerns", de Gershwin e Phil Spector ao dixieland, aos musicais, ao gospel ou ao Grande Incêndio de Chicago. Dele pouco mais tinha sobrevivido do que o tema de abertura e o final — "Heroes And Villains" e "Good Vibrations" — e tudo o que até hoje havia não era muito mais do que apenas esboços, rascunhos, farrapos de melodias e textos, gravações dispersas e desorganizadamente catalogadas.



Nunca seria fácil persuadir e mobilizar um Brian Wilson pouco coerente (que interrompe entrevistas dois minutos depois de se terem iniciado, adormece a meio delas ou confessa continuar a "ouvir vozes") para voltar a pegar nesses "bits and pieces" da sua capela imperfeita e, a partir deles, reconstituir o projecto inicial. Uma história pessoal de envolvimento com psiquiatras e "psicoterapeutas" de duvidosa reputação também não ajudou muito. Mas a persistência do fã e músico Darian Sahanaja, membro dos Wondermints (já agora, autores do muito bom Bali, de 1998) que, nos últimos anos, actuaram como banda de palco de Wilson, acabou por conseguir o aparentemente impossível.



Como é, então, Smile agora que o odor de fruto proíbido se desvaneceu? Um pequeno portento de arquitectura psicadélica. Não obedecendo à estrutura convencional da escrita de canções mas antes procedendo pela agregação de sucessivos módulos, cada tema é um bazar de intermináveis invenções melódicas, harmónicas, orquestrais e corais que vão descobrindo "raccords" improváveis, abrindo os portões de mundos invertidos e criando algo como a tradução para o universo da canção pop da linguagem musical dos "cartoons" imaginada por Carl Stalling. Se a escrita dos textos de Van Dyke Parks se equilibra entre o arcaico e o surreal, a música, essa, dilata desmedidamente para um ecrã de 70mm aquilo a que se poderia chamar uma estética controlada da "free association": em nenhum instante o que se seguirá é sequer vagamente previsível, todo o álbum é uma montanha russa de surpresas e sobressaltos que, uma vez concluído, deixa aquela muito rara sensação de termos sido testemunhas de alguma coisa pela primeira vez. Quase quarenta anos é muito tempo? Não, aconteceu agora mesmo. (2004)

30 March 2007

Magazine - (Where The Power Is) e Maybe It's Right To Be Nervous Now

O punk ainda não tinha esgotado o primeiro stock de munições e os Clash nem sequer haviam publicado o primeiro disco. Mas, em Fevereiro de 1977, para Howard Devoto, a insurreição já tinha perdido todo o interesse. Declarando publicamente "a causa" como pouco mais do que "a clean old hat", abandonou os Buzzcocks que fundara com Pete Shelley e iniciou um novo percurso a bordo dos Magazine. Reescutada, hoje, a obra do grupo nestas duas reedições (um "best of" simples e um precioso triplo CD de raridades, lados B e gravações de rádio), percebe-se facilmente porquê: o primarismo da atitude musical punk (que teve nos Sex Pistols o departamento de agit-prop, nos Gang Of Four o comité de produção ideológica e nos Clash o destacamento de guerrilha), embora tacticamente eficaz, situava-se muito aquém do dramatismo e da teatralidade sonora que Devoto, narcisicamente, ambicionava protagonizar e que só uma banda com as características dos Magazine poderia levar a cabo.

Por outras palavras, Howard Devoto, estudante de filosofia, amante de Camus e Dostoievsky, criador de gélidos instantâneos musicais de recorte absurdamente kafkiano e genuino antecedente da claustrofobia existencial que, anos depois, os Joy Division conduziriam às suas últimas consequências, era muito menos um punk "at heart" (e, actualmente, é fácil entender não só como punks "at heart" houve realmente muito poucos mas também quão fácil e rápida seria a recuperação comercial do punk...) do que um individualista radical que apenas aceitou partilhar o comboio do punk durante os breves instantes em que isso coincidiu com a sua trajectória pessoal de arrasamento do fétido panorama musical da época. E, quando anunciou "Detesto a maioria da música da 'new wave'. Não gosto de música. Não gosto de movimentos. Apesar disso, há coisas que têm de ser ditas. Mas não acredito na intenção dos Buzzcocks de abandonar o território árido da 'new waveness' por troca com outro lugar onde essas coisas possam ser ditas. O que já foi fresco, agora está velho e decrépito", ficava claro que o que viria a seguir seria, acima de tudo, um teatro de purga individual de demónios e obsessões e nunca uma acção revolucionária colectivamente concertada.



Entre 1978 e 1981, em quatro álbuns de estúdio — Real Life, Secondhand Daylight, The Correct Use Of Soap e Magic, Murder And The Weather —, Devoto concretizaria a sua visão de uma música que vibrava de acordo com a pulsação do "rhythm of cruelty", ironicamente reflectia alguma da iridescência do período "glam" e, como se lê nas "liner notes" de Michael Bracewell para (Where The Power Is), "permanece uma das grandes anatomias da ansiedade".



Com um núcleo constituido por Devoto, Dave Formula, John McGeoch, John Doyle e Barry Adamson (a quem se deverão as qualidades de tensão teatral e cinemática que os teclados de Dave Formula e a guitarra de John McGeoch perfeitamente materializavam), a música dos Magazine era nevrótica, simultaneamente clássica e extremista, e criadora daquele tipo de cenários-limite onde os textos (de que "Permafrost" — "As the day stops dead at the place where we're lost, I will drug you and fuck you on the permafrost" — constitui o melhor exemplo) ecoavam como maldições, premonições de atrocidades e, de um modo geral, ameaçadoras atracções perversas de um circo de entropia emocional onde, como recordava Linder Sterling (responsável pela capa de Real Life e pelas destas duas compilações), em "The Light Pours Out Of Me", Devoto cometia "o último grande acto radical da arte do século XX: proclamar a própria divindade". (2000)
Glenn Branca - The Ascension



"A cidade em que esta música foi feita já não existe à face da terra", explica, logo na primeira frase das "liner notes", Lee Ranaldo. E, de facto, a Nova Iorque que teve o privilégio de testemunhar em primeira mão esta esmagadora erupção de lava sonora em 1980, nunca existira antes nem voltaria a existir depois. Foi, como afirma Ranaldo, "substituida por algo mais antiséptico". O caldo de cultura era constituido, refere ainda ele, por Beatles, Varèse, Velvets, Stooges, Cage, Stockhausen, Godard, Cassavettes, Varda, Sirk, Brakhage, Fassbinder, Merce Cunningham, Kerouac, Ginsberg, Rimbaud, Artaud, Plath, Schiele, De Kooning e Pollock. Os protagonistas não eram elementos socialmente desclassificados mas jovens de classe média educada, maoritariamente universitários, com um desmedido apetite pela vida e pela arte. Tão desmedido como a música em que (emergindo da fervilhante retorta da new/no-wave), Glenn Branca, primeiro com The Static e Theoretical Girls e, depois, com diversos colectivos de terroristas sónicos, haveria de tropeçar e que, daí em diante, não deixaria pedra sobre pedra no panorama do rock e tudo à volta.



The Ascension é um sismo de grau não registado até hoje em nenhuma escala conhecida: quatro guitarras eléctricas (Ned Sublette, David Rosenbloom, Lee Ranaldo, Glenn Branca) afinadas de forma pouco convencional, baixo (Jeffrey Glenn) e bateria (Stephan Wischerth), em carga massiva e ferreamente (des)controlada pela estratosfera da série harmónica, revisitando sucessivos espasmos electro-acústicos, uma cavalgada "à bout de souffle" sobre uma cordilheira sonora sempre tendencial e infinitamente ascendente, uma maratona de clímaxes nunca suficientemente extáticos, uma explosiva iluminação zen sob o efeito de "speed", metal em fusão derramado sobre carne viva, o paroxismo absoluto do volume como via de acesso a um outro plano de realidade de onde, após o massacre, se sai definitivamente incapaz de articular palavra.



Nada, rigorosamente nada, depois de The Ascension (e a descendência foi e continua a ser inúmera) se aproximaria sequer de tão aterradora intensidade. Reedição do ano com a magnífica capa original de Robert Longo. (2003)

29 March 2007

LAVORES FEMININOS


Quando o presidente Bill Clinton, interrogado pela Comissão de Inquérito, alegou que a natureza do convívio que tinha mantido com Monica Lewinsky não deveria ser enquadrada naquilo que habitualmente se considera como "relação sexual", terá havido quem pensasse que ele se estaria a referir a um ponto de vista muito particular do seu Arkansas de origem. Mas a verdade é que, se os seus conselheiros e advogados tivessem feito os trabalhos de casa com maior empenho e se tivessem dedicado a investigar profundamente a história da sexologia ocidental, poderiam tê-lo defendido de forma bastante mais convincente. Essa é, pelo menos, uma das conclusões que se pode retirar de The Technology Of Orgasm - Hysteria, The Vibrator And Women's Sexual Satisfaction (ed. The Johns Hopkins University Press/Baltimore & London), o livro que a académica norte-americana Rachel P. Maines publicou este ano e que (como o subtítulo indica) constitui uma exploração pioneira das formas ancestrais de tratamento da histeria e da relação entre isso e o aparecimento do electrodoméstico conhecido pelo nome de "vibrador".


Na realidade, Rachel P. Maines, no início, nem sonhava onde iria chegar. Concluida a licenciatura, em 1971, em culturas clássicas — com especialização em ciências e tecnologias antigas —, a sua veia feminista conduziu-a a um interesse pelas artes texteis femininas de que nunca ninguém, até aí, se ocupara a sério. Mas o que acabou por lhe chamar a atenção ao folhear as respeitáveis revistas americanas femininas do final do século passado e início deste — "Modern Priscilla", "Modern Women", "Home Needlework Journal" ou "Woman's Own Companion" — foram os inesperados anúncios publicitários de vibradores, bastante semelhantes aos que hoje, em publicações razoavelmente mais privadas, são oferecidos às senhoras como adereços masturbatórios.


Na altura, eram apresentados como "auxiliares de descontracção benéficos para a saúde" capazes de "fazer regressar o brilho aos olhos e a cor às faces mais pálidas" que podiam ser accionados electricamente, por meio de pedais ou de água. Como seria de prever, Rachel Maines desistiu rapidamente da sua investigação em torno dos "lavores femininos" e dedicou-se por inteiro a esse surpreendente tema que a levaria a descobrir muito mais do que, então, suspeitava. Nomeadamente que, desde a mais remota antiguidade, o tratamento cientificamente aprovado da "histeria" consistia em, por meio de massagens e outros tipos de manipulações, conduzir as mulheres ao "paroxismo histérico". Isto é, aquilo que muito simplesmente hoje todos conhecemos pelo nome de "orgasmo".


Era neste ponto que os conselheiros de Bill Clinton deveriam ter reparado: uma vez que (na perspectiva feminista de Rachel Maines), o ponto de vista masculino, "androcêntrico", só reconhece como "relação sexual" aquela em que existe penetração, desde a Grécia antiga ao puritano século XIX, nunca ninguém colocou qualquer objecção moral ao facto de médicos ou parteiras se entregarem a esse tipo de "massagens terapêuticas". A lista de argumentos e referências históricas é quase interminável. Se, já em 2000 a.C., no Egipto e, posteriormente, Hipócrates, Platão, Celsus, Soranus, Aretaeus Cappodox e Caelius Aurelianus descreviam explicitamente o quadro de sintomas da histeria e o seu "tratamento", seria, porém, Galeno (129-200 d.C.)— durante séculos "o médico dos médicos" — a estabelecer que "após o calor proporcionado pelos medicamentos e pelo toque dos orgãos genitais que o tratamento requer, seguir-se-ão contracções acompanhadas ao mesmo tempo por sensações de dor e prazer, depois das quais a mulher produzirá abundante esperma. Daí em diante, ela ficará livre do mal que a afligia". Avicena (980-1037), pelo seu lado, era ainda mais claro: "A cura apenas será eficaz se as sensações do coito forem experimentadas".



As pacientes mais atreitas à histeria eram, previsivelmente, as viúvas, as virgens mais fisicamente "vigorosas", as mulheres casadas sexualmente insatisfeitas e... as freiras. Para todas elas, "afectadas pela sufocação do útero através da retenção do esperma devido à ausência do companheiro masculino", já no século XV, Giovanni Matteo Ferrari da Gradi recomendava que "as parteiras sejam instruidas a untar os dedos com óleos aromáticos que deverão aplicar em movimentos circulares no interior da vulva", exactamente o mesmo tratamento defendido cem anos mais tarde por Lazare Rivière para a "Fúria Uterina, uma espécie de loucura com origem num veemente e descontrolado desejo de Abraço Carnal que perturba as Faculdades Racionais ao ponto de a paciente articular um discurso obsceno e lascivo" ou pelo médico judeu português Abraão Zacuto preocupado com os achaques das "fêmeas mais lúbricas e inclinadas para as paixões venéreas que não podem ser aliviadas senão pelos seus pais a quem se aconselha que lhes descubram um marido vigoroso". Um casamento bem consumado era, evidentemente, a melhor terapêutica mas, na impossibilidade de isso acontecer, embora "os médicos tementes a Deus" pudessem manifestar alguma relutância na execução do tratamento, deveriam considerá-lo aceitável no caso de mulheres em risco de vida por causa da histeria que, segundo Thomas Sydenham (1624-89), era responsável por "um sexto de todas as doenças humanas".



Os tratados médicos — com títulos tão saborosos como De Passione Hysterica Et Affectione Hypocondriaca, Onania, Traité Des Affections Vaporeuses Du Sexe ou Porneiopathology — dedicados ao que alguns também designavam como "histeria libidinosa" multiplicaram-se e, nos séculos XVII e XIX, com o aparecimento das técnicas de "magnetismo" e "hipnose" inventadas por Mesmer (1733-1815), a terapêutica assumiu outros contornos ligeiramente diferentes que, em 1841, Charles MacKay descrevia, um tanto intrigado: "As mulheres sentavam-se, em círculo, à volta de um recipiente de água magnetizada, de mãos dadas e com os joelhos que se tocavam. Os assistentes de magnetização, geralmente rapazes jovens, fortes e bonitos, abraçavam as pacientes pelos joelhos e massajavam-lhes os seios e o tronco enquanto as encaravam, olhos nos olhos. Algumas notas dispersas de harmónica ou de piano ou a voz melodiosa de uma cantora de ópera oculta eram os únicos sons presentes para além da respiração ofegante das magnetizadas. As mulheres começavam visivelmente a enrubescer até que, uma após outra, se lançavam em ataques convulsivos. Umas soluçavam e puxavam os cabelos, outras riam até as lágrimas lhes correrem pela cara, outras ainda gritavam, guinchavam e uivavam até perderem a consciência. Depois da crise, o próprio Mesmer entrava e acariciava-lhes o rosto, a espinha, os seios e o abdomen até que elas voltavam a si".



Tratava-se de "ciência", de "medicina", "tecnicamente" não havia coito (olá Bill Clinton), portanto, por mais duvidoso que parecesse, era socialmente aceite. Mas, apesar do que se poderia imaginar, os médicos não demonstravam um especial interesse em desempenhar esse tipo de missão. Os "tratamentos" eram morosos e excessivamente prolongados (muitas pacientes levavam demasiado tempo a ser "aliviadas") e os "clínicos" ansiavam por um "método terapêutico" mais rentável que lhes permitisse atender um maior número de doentes no menor tempo possível.


Daí que, quando as primeiras "electroterapêuticas" (inicialmente associadas aos "duches estimulantes" que, nas termas, conheceram também a maior popularidade entre as senhoras) dedicadas ao tratamento da "deficiência nervosa feminina" ou da "neurastenia" surgiram, tivessem sido acolhidas por todos — médicos e pacientes — de braços abertos. Indicado para "doenças uterinas" e destinado a executar "massagens na parte inferior do abdomen durante 10 a 15 minutos", a Butler Electro Massage Machine de 1888 foi um dos primeiros vibradores vocacionados para a utilização de "três quartos da população feminina" e outros como o Excitador Vulvo Uterino, o Mortimer Granville, o Chattanooga Vibrator, o Eléctrodo Vaginal ou o Vibrador Carpenter rapidamente se lhe juntaram e passaram a ser usados tanto por médicos como, em privado, pelas próprias mulheres, ou mesmo nos salões de beleza do início deste século onde eram especialmente apreciados devido "às sensações muito agradáveis e aos resultados quase instantâneos que produzem".



Quando o "National Home Journal" de 1908 publicitava o Bebout Vibrator através das palavras "suave, agradável, revigorante e refrescante, inventado por uma mulher que sabe aquilo de que as mulheres precisam" ninguém tinha dúvidas sobre o assunto a que ele se referia. Segundo Rachel Maines (que, acrecente-se, em virtude da publicação do seu primeiro trabalho sobre o tema em 1986, foi despedida da Clarckson University), foi, porém, nos anos 60 e 70 que, ao reaparecer totalmente desprovido dos seus disfarces "médicos" e abertamente comercializado, "a eficácia do vibrador na produção do orgasmo feminino se tornou o mais forte trunfo de vendas. O movimento feminista completou o que tinha começado com a introdução do vibrador electromecânico no lar: colocou nas mãos das mulheres a tarefa que mais ninguém queria". (2002)

28 March 2007

CIRCUITO INTERNO


Vanessa & The O's - "Charlie, Charlie"


Lucky Soul - "Lips Are Unhappy"

26 March 2007

Off The Records:

A COR DA MÚSICA



A história tem o carimbo vincadamente idiota do "politicamente correcto" norte-americano. Mas que, nem por isso, deixa de ser incomodativo e, pior, perigoso: Stephin Merritt, o óptimo autor de canções dos Magnetic Fields, teria tido a ousadia de declarar que não gosta de hip-hop, detesta os OutKast e Beyoncé e — ultrage supremo — pensa que "Zip-A-Dee-Doo-Dah" (um tema do musical Song Of The South, de Disney, de 1946, comummente considerado como racista) é uma excelente canção.



Será ou não. Mas a verdade é que pouco importou que ele tivesse acrescentado que essa é a única coisa aproveitável do musical, adiantando que "todo o resto é terrível". Imediatamente os críticos Sasha Frere-Jones, do "New Yorker", e Jessica Hopper, do "Chicago Reader", trataram de atiçar as brasinhas inquisitoriais, denunciando Merritt perante o universo enquanto vil exemplo de peçonhento racista. Outras provas adicionais de culpa seriam o facto de, em Maio de 2004, quando convidado pelo "New York Times" para escrever sobre alguns discos recentemente publicados, Merrit só se ter pronunciado sobre artistas brancos e de, numa lista solicitada pela "Time Out/New York" (um disco por cada ano do século XX), apenas 11% serem de músicos negros.

Curiosamente (apesar de me circular no sangue uma significativa percentagem de genes africanos para lá lançados há quatro gerações), eu, como muita gente de todas as etnias, também não morro de amores pelo hip-hop — que nem é já exclusivamente negro —, nem tenho especial apreço por Beyoncé ou pelos OutKast. Servirá como atenuante gostar de Coltrane e de Miles Davis? E achar que o cinema de Leni Riefenstahl ou de Einsenstein são dois cumes da arte do século XX, converte-me, instantaneamente, em nazi ou comunista?

Por outro lado, Frere-Jones e Hopper sentirão a música árabe tão instintivamente natural e próxima como eu, inexplicavelmente, sinto? E se, ao escutarem ópera clássica chinesa, se aperceberem da existência de um universo cultural no qual, dificilmente, alguma vez penetrarão, deverão fustigar-se violentamente em expiação de um terrível pecado "pc"?

Conduzamos o raciocínio ao limite: caso Stephin Merritt fosse, de facto, racista (o que só muito improvavelmente será verdade), isso desvalorizaria, de um momento para o outro, todo o seu magnífico "songbook"? Deixem-me só com mais uma angustiante interrogação: terei eu amado como ela realmente merece a música de Burt Bacharach, Marc Bolan e Serge Gainsbourg até ao momento em que John Zorn (na colecção "Great Jewish Music") teve a caridade de me fazer descobrir — assunto em que nunca me detivera um segundo a pensar — que eles eram judeus? (2006)
PESADELOS DE EMBALAR *



The Gothic Archies - The Tragic Treasury/Songs From A Series Of Unfortunate Events

Não se pode dizer que Stephin Merritt corresponda exactamente à totalidade dos Magnetic Fields. Ou dos 6ths. Ou dos Future Bible Heroes. Ficar-se-à, para aí, apenas por noventa e tal por cento de cada uma dessas bandas. Os Gothic Archies — uma auto-proclamada "gothic-rock-bubblegum-pop-band" —, porém, contam-no como único membro embora ele admita que lhe daria jeito recrutar mais uns quantos. Não é exactamente um pseudónimo, nem um heterónimo, nem sequer um "nom de plume" mas aquilo a que o próprio Merritt chama o seu "nom de ukulele". O que, quando nos recordamos que o ukulele não é senão o nosso bem amado cavaquinho — que, a bordo do veleiro Ravenscrag (sim, tudo isto, como raramente acontece, tem nomes e moradas), a 23 de Agosto de 1879, aportou a Honolulu pela mão do madeirense João Fernandes e, a partir daí, viajou pelo mundo —, é mais do que suficiente para o acolher de imediato nos nossos pequenos e sensíveis corações.



Não que isso fosse ainda absolutamente necessário: portentosas colecções de "songwriting" erudito, comovente, irónico e minimal como 69 Love Songs (1999), i (2004) — ambas com os Magnetic Fields — ou Hyacinths And Thistles (2000, dos 6ths) já aí o haviam introduzido para toda uma muito considerável eternidade e, de caminho, demonstrado também como o trabalho de um autor que admira, em simultâneo, Irving Berlin e os ABBA só pode conduzir aos melhores resultados.



Qualquer um dos álbuns acima referidos era, à sua maneira, conceptual: um, triplo, incluia três discos de 23 canções (de amor) cada; outro, obrigava-se a títulos começados pela letra "i"; e, o dos 6ths, distribuía por um sortido fino de diversos intérpretes os temas do Woody Allen da pop norte-americana. Merritt diverte-se com esses jogos e muito mais se terá divertido com a escrita, peça a peça, das quinze faixas de The Tragic Treasury, concebidas para os treze volumes de A Series Of Unfortunate Events, de Lemony Snicket (aliás, Daniel Handler, o teclista e acordeonista dos Magnetic Fields), um conjunto de "histórias de terror para crianças" (tal e qual!) sob a forma de "audiobooks", que alcançou um êxito considerável e chegou mesmo ao cinema em 2004, com realização de Brad Silberling e a participação de Jim Carrey, Jude Law e Meryl Streep. Mas sem as canções de Merritt. O que deixa razoável espaço para imaginar como poderiam ter sido os infortúnios dos orfãos Baudelaire, do conde Olaf e da tia Josephine com a banda sonora que, agora — sob a encadernação dos Gothic Archies —, podemos escutar na íntegra.



Provavelmente, um clássico do género. Porque, se títulos como "In The Reptile Room", "The World Is A Very Scary Place", "Smile! No One Cares How You Feel" ou "Walking My Gargoyle" são já consideravelmente explícitos, ninguém deverá estar muito preparado para ouvir canções de embalar onde o barítono profundo de Merritt, sobre requintadas melodias falsamente ingénuas ou francamente fúnebres, nos esclarece acerca do infinito número de formas de morrer que o mundo põe à nossa disposição, pinta cenários dignos dos Pássaros, de Hitchcock (em mais aterrador), oferece aconselhamento moral não muito ortodoxo ("Be vicious, vain and vile, everything's yours to steal if you'll just smile"), anima episódios crespusculares de envenenamento por ingestão de cogumelos e, por fim, remata tudo com a única canção que, mais seguramente do que "The End Of The Rainbow" (de Richard Thompson), será capaz de induzir ao suicídio colectivo num berçário: "Things are not what they appear, starting with a mother's love, when a helping hand comes near, it becomes an empty glove". Será, se calhar, só uma coincidência que os orfãos da história dêem pelo nome de Baudelaire. Mas do que nunca deveremos duvidar é que, com o máximo desvelo e dedicação, Stephin Merritt cultivou um frondoso jardim de flores do mal. Para ele, a nossa desmedida gratidão. (2006)

* regressando a Stephin Merritt que tão rudemente interrompido havia sido

24 March 2007

BOND MUSIC



Durante uma conferência perante um público de estudantes universitários, foram tocadas as primeiras duas notas do "tema de James Bond". Apenas um simples e banal intervalo melódico de segunda menor. Porém, 85% dos estudantes reconheceram-no instantaneamente como o logotipo sonoro da série cinematográfica do mais famoso agente secreto "ao serviço de Sua Magestade". Na história da relação entre música e imagens — desde os primeiros tempos do cinema sonoro à era actual da televisão, dos videoclips e da publicidade —, esse é o tipo de associação privilegiada que só alguns conseguiram estabelecer. E que, no caso dos filmes de James Bond, contemporâneos do emergir da cultura pop, documentam e reflectem, passo a passo — com a inclusão obrigatória das várias "canções-tema" —, as múltiplas inflexões da música popular, as suas intersecções com o universo "mainstream" das diversas épocas, uma ou outra iconoclastia e várias piscadelas de olho ao passado, todas indelevelmente marcadas, directa ou indirectamente, pelo génio de John Barry.

Dr. No (1962)



Nascimento do "tema de James Bond" de Monty Norman/John Barry. Autor de canções de sucesso para comédias musicais nos anos 50, Monty Norman, a convite dos produtores Broccoli e Saltzman criou o famoso tema (que, originalmente, possuia a letra "I was born with this unlucky sneeze and, what is worse, I came into the world with no name"), orquestrado por Burt Rhodes e dirigido por Eric Rogers. Porém, os produtores, insatisfeitos com o resultado, contratam o leader do combo de jazz, The John Barry Seven, que rearranjou o tema com o famoso solo de guitarra executado por Vic Flick. Alegadamente, "Underneath The Mango Tree" (uma das várias canções que Norman escrevera na Jamaica inspirado pela música local e que integrariam a banda sonora), esteve prevista para ser utilizada na totalidade da série.




From Russia With Love (1963)



Compositor e orquestrador, John Barry. Primeira canção-tema, "From Russia With Love" (Lionel Bart), interpretada por Matt Munro. John Barry que passa a "compositor-Bond" oficial, cria, então, um "tema-Bond" secundário que voltará a utlizar em "Thunderball", "You Only Live Twice", "Diamonds Are Forever" e "Moonraker". É a primeira vez que, no genérico, se usa o "tema-Bond". É reutilizada, na sequência da explosão dos barcos da SPECTRE, a música "Death Of Dr. No", do filme anterior.




Goldfinger (1964)

Compositor e orquestrador, John Barry. Canção-tema, "Goldfinger" (Leslie Bricusse/Anthony Newley/Barry), inspirada em "Mack The Knife", de Weill/Brecht, e interpretada por Shirley Bassey. John Barry estabelece definitivamente o "estilo orquestral-Bond": "o estilo Bond nasceu dos meus estudos com Bob Caruso, o arranjador de Stan Kenton. O som dos metais era puro Stan Kenton, Gerry Mulligan e Chico Hamilton, todo o jazz da West Coast. Ir até lá e escutá-los em primeira mão era algo que os discos nunca poderiam oferecer. O som era completamente físico, nunca tinha ouvido nada assim. Havia boas orquestras em Inglaterra mas nada como aquilo. Tinham uma abordagem inteiramente diferente. E os músicos de Stan Kenton eram incrivelmente sofisticados: imagine só que liam Proust nos camarins!".




Thunderball (1965)



Compositor e orquestrador, John Barry. Canção-tema, "Thunderball" (Don Black/Barry), interpretada por Tom Jones. Inclui também (só no disco da banda sonora, não no filme) a canção "Mr. Kiss Kiss Bang Bang" (L. Bricusse/Barry) que foi gravada por Dionne Warwick e Shirley Bassey. O tema de "Dr. No" volta a ser utlizado no genérico final.




You Only Live Twice (1967)



Compositor e orquestrador, John Barry. Canção-tema, "You Only Live Twice" (Leslie Bricusse/Barry), interpretada por Nancy Sinatra. Foi, inicialmente, gravada uma maqueta que viria a ser descartada onde a intérprete era Julie Rogers, cunhada de Don Black, autor de outras letras de canções-Bond. É a versão de 62 do "tema-Bond" que passa durante o genérico final.




Casino Royale (1967)



Compositor e orquestrador, Burt Bacharach. Neste episódio-pirata e lunático, paródia inteiramente não-oficial da série, não há vestígios do "tema-Bond", o tema-título é interpretado por Herb Alpert & His Tijuana Brass e Dusty Springfield canta "The Look Of Love" (David/Bacharach). Duas outras canções são incluidas, "Dream On James, You're Winning" e uma versão vocal do tema-título, possivelmente interpretadas por Scott Walker (o intérprete não é identificado), assim como uma citação do tema de "Born Free" com que John Barry ganhara um Óscar no ano anterior.




On Her Majesty's Secret Service (1969)



Compositor e orquestrador, John Barry. Canção-tema, "We Have All The Time In The World" (Hal David/Barry), interpretada por Louis Armstrong, a última canção que este gravou.



Inclui também a canção "Do You Know How Christmas Trees Are Grown?" (David/Barry), interpretada por Nina. Pela primeira vez, é utlizado um sintetizador numa banda sonora de James Bond. A versão de 62 do "tema-Bond" ouve-se pela última vez na série e são reutilizados fragmentos de "Underneath The Mango Tree", "From Russia With Love" e "Thunderball".




Diamonds Are Forever (1971)



Compositor e orquestrador, John Barry. Canção-tema, "Diamonds Are Forever" (Don Black/Barry), interpretada por Shirley Bassey. Paul McCartney foi considerado como alternativa a Barry.




Live And Let Die (1973)



Compositor e orquestrador, George Martin. Canção-tema, "Live And Let Die" (Paul & Linda McCartney), interpretada por Paul e Linda McCartney & Wings embora o produtor Saltzman tivesse sugerido Aretha Franklin. Inclui o tradicional "Just A Closer Walk With Thee" arranjado por Milton Batiste e a canção-tema é interpretada a meio do filme pelo cantor negro B.J. Arnau.




The Man With The Golden Gun (1974)



Compositor e orquestrador, John Barry. Canção-tema, "The Man With The Golden Gun" (Don Black/Barry), interpretada por Lulu. A canção "The Man With The Golden Gun" que aparece no álbum de Alice Cooper, Muscle Of Love, foi considerada como primeira hipótese. Considerada a banda sonora-Bond mais fraca de toda a série.




The Spy Who Loved Me (1977)



Compositor e orquestrador, Marvin Hamlish. Canção-tema, "Nobody Does It Better" (Carole Bayer Sager/Hamlish), interpretada por Carly Simon. A banda sonora e a canção foram nomeadas para Óscares. Inclui ainda excertos do "Concerto para piano nº 21 em Dó Maior" de Mozart, da "Ária" de Bach da "Suite em Ré", de "Lawrence da Arábia" e do "Tema de Lara" (de "Dr. Jivago"). Primeira BSO-Bond sem John Barry.




Moonraker (1979)



Compositor e orquestrador, John Barry. Canção-tema, "Moonraker" (Hal David/Barry), interpretada por Shirley Bassey em versões lenta e "disco" (no genérico final). Também foram consideradas as hipóteses de Kate Bush e Frank Sinatra. Inclui excertos do "Prelúdio em Ré bemol Maior" de Chopin, da "Tritsch Tratsch Polka" de Johan Strauss, da "Abertura de Romeu e Julieta" de Tchaikovsky, de "Encontros Imediatos do 3º Grau" e dos "Sete Magníficos".




For Your Eyes Only (1981)



Compositor e orquestrador, Bill Conti, recomendado pelo próprio John Barry. Canção-tema, "For Your Eyes Only" (Michael Leeson/Conti), interpretada por Sheena Easton e nomeada para um Óscar. Inclui ainda a canção "Make It Last All Night" interpretada por Rage.




Octopussy (1983)



Compositor e orquestrador, John Barry. Canção-tema, "All Time High" (Tim Rice/Barry), interpretada por Rita Coolidge. Pela última vez, Barry utliza "colorido local" na música deste filme cujo enredo se desenrola na Alemanha e Índia.




Never Say Never Again (1983)



Compositor e orquestrador, Michel Legrand recomendado por Sean Connery (James Horner e John Barry também foram considerados) no seu regresso à personagem de James Bond neste episódio "não oficial" da série. Canção-tema, "Never Say Never Again" (Marilyn e Alan Bergman/Legrand), interpretada por Lani Hall e repetida no genérico final com um solo de trompete de Herb Alpert, marido de Lani. O "tema-Bond" nunca é usado. Inclui ainda a única canção em francês de todos os filmes-Bond, "Une Chanson D'Amour" (Sophie Della/Jean Drejac), interpretada por Sophie Della.




A View To A Kill (1985)



Compositor e orquestrador, John Barry. Canção-tema, "A View To A Kill" (Duran Duran/Barry), interpretada pelos Duran Duran e um dos maiores êxitos de vendas das canções-Bond. Inclui excertos das "Quatro Estações" de Vivaldi, da "Bela Adormecida" de Tchaikovsky e de "California Girls" dos Beach Boys.



The Living Daylights (1987)



Compositor e orquestrador, John Barry. Canção-tema, "The Living Daylights" (A-Ha), interpretada pelos noruegueses A-Ha. Inclui ainda "Where Has Everybody Gone" e "If There Was A Man" pelos Pretenders (com letras de Chrissie Hynde) e excertos da "Sinfonia nº 40 em Sol menor" de Mozart, do "Quarteto de Cordas em Ré" de Borodin, do "Concerto para Violoncelo em Si menor" de Dvorak e das "Variações sobre um Tema Rococó" de Tchaikovsky. Última banda sonora de John Barry para a série e consensualmente considerada como uma das melhores.




Licence To Kill (1989)



Compositor e orquestrador, Michael Kamen. Canção-tema, "Licence To Kill" (Kamen/Narada Michael Walden/Jeffrey Cohen/Walter Afanasieff), interpretada por Gladys Knight. Kamen trabalhou também com Eric Clapton numa nova versão do "tema-Bond" que nunca foi publicada. Inclui as canções "Wedding Party" (Jimmy Duncan/Philip Brennan) interpretada por Ivory, "Dirty Love" (Steve Dubin/Jeff Pescetto) por Tim Feehan e "If You Asked Me To" (Diane Warren) por Patti LaBelle.




Goldeneye (1995)



Compositor Eric Serra, orquestrador John Altman. Canção-tema, "Goldeneye" (Bono/The Edge), interpretada por Tina Turner. Inclui ainda a canção "The Experience Of Love" (Rupert Hine/Serra) no genérico final interpretada por Eric Serra. A quase totalidade da banda sonora é realizada sem orquestra e com instrumentação electrónica.




Tomorrow Never Dies (1997)



Compositor David Arnold, orquestrador Nicholas Dodd. Canção-tema, "Tomorrow Never Dies" (Sheryl Crow/Mitchell Froom/Arnold), interpretada por Sheryl Crow. Inclui a canção "Surrender" (Don Black/Arnold) interpretada por k.d. lang, uma remix do "tema-Bond" por Moby e um excerto do "Concerto para Piano nº 5" de Beethoven. Os Pulp escreveram a canção "Tomorrow Never Lies" mas não foi integrada no filme. David Arnold — anteriormente vencedor de um Grammy para a banda sonora de "Independence Day", responsável pela colaboração com Björk em "Play Dead" e pela assinatura na "film music" de "Star Gate", "Last Of The Dogmen" ou "A Life Less Ordinary" —, acede ao estatuto de sucessor oficial de John Barry (aparentemente aprovado por este) como compositor-Bond de serviço.




The World Is Not Enough (1999)



Compositor e orquestrador, David Arnold. Canção-tema, "The World Is Not Enough" (Don Black/Arnold), interpretada pelos Garbage. Na banda sonora (não no filme) figura ainda a canção "Only Myself To Blame" (Black/Arnold) interpretada por Scott Walker.




Die Another Day (2002)



Compositor e orquestrador, David Arnold. Canção-tema, "Die Another Day" (Madonna), interpretada por Madonna, produzida por Mirwais e orquestrada por Michel Colombier. Entre outras hipóteses, chegou a ser considerada a possibilidade de ser Robbie Williams o intérprete escolhido. A banda sonora contém ainda uma remix de Paul Oakenfold.




Casino Royale (2006)



Compositor e orquestrador, David Arnold. Canção-tema, "You Know My Name", interpretada por Chris Cornell mas que não figura no álbum com a BSO do filme.



(2002, actualizado com Casino Royale de 2006)

23 March 2007

NERVOS MODERNOS



Algures pelo meio de Brava Dança, pareceu-me que teria sido inteiramente apropriado que os realizadores Jorge Pires e José Pinheiro se tivessem lembrado de inserir no corpo do filme esta citação de Fernando Pessoa: “Ser coerente é uma doença, um atavismo, talvez; data de antepassados animais em cujo estádio de evolução tal desgraça seria natural. A coerência, a convicção, a certeza, são, além disso, demonstrações evidentes – quantas vezes escusadas – de falta de educação. É uma falta de cortesia com os outros ser sempre o mesmo à vista deles; é maçá-los, apoquentá-los com a nossa falta de variedade. Uma criatura de nervos modernos, de inteligência sem cortinas, de sensibilidade acordada, tem a obrigação cerebral de mudar de opinião e de certezas várias no mesmo dia”.



É que, não só a matriz ideológica da aventura dos Heróis do Mar se desejou entranhadamente quinto-imperial e pessoana, como, se há coisa de que a trajectória do núcleo de músicos que viajou dos Faíscas aos Madredeus, passando pelo Corpo Diplomático e Heróis, não pode ser acusada é do pecado da coerência: num percurso iniciado como devotos do prog-rock, do dia para noite, converteram-se ao punk, escorregaram, a seguir, agilmente, para a new-wave, envergaram o uniforme “new-romantic” (os Heróis do Mar propriamente ditos, com retoques de cosmética “folclórica”), aderiram à pop dançável facção-New Order e, finalmente, desaguaram na cançoneta acústica de salão, solenemente “lusitana”.



De permanente, terá apenas existido uma obstinação na busca da fórmula ideal capaz de fazer disparar a circulação dos discos – enfim encontrada, de forma consistente, com os Madredeus – e uma certa “trademark” de nacionalismo, mais ou menos “integralista” (Heróis-primeira fase) ou exportável e turisticamente “light” (Madredeus).



E não é possível, sem uma razoável dose de ironia, ver e escutar Pedro Ayres de Magalhães confessar hoje, com a maior candura, quão grande foi a surpresa dos Heróis (que até estiveram para se chamar Raça…) ao defrontarem-se, meia dúzia de anos após o 25 de Abril, com suspeitas de “fascismo” e outros reaccionários pecados, eles que tão aplicadamente reanimaram o catálogo quase completo da iconografia e dos estereótipos “patrióticos” e militaristas do Estado Novo como estratégia de “marketing” deliberadamente ambígua e provocatória. A“pátria”, porém, não estava, então, ainda madura para acomodar tais frescuras e, antes de – de acerto em ajuste – se ter chegado à diluição exacta do princípio activo em Os Dias da Madredeus, os disparos mais certeiros acabaram por ser as frivolidades dançantes de “Amor” e “Paixão”.



Significativamente (com ou sem cruz de Cristo e bélica foto de capa residuais), a compilação que acompanha a estreia do filme chama-se… Amor. Afinal, nas doces praias da Lusitânia, por mais hinos, lanças e estandartes que agitem, os bravos heróis, navegantes e guerreiros nunca deixam de sonhar com o repouso e com os “fringe benefits” das sereias locais. E isso, reconheça-se, é que é coerente e bom. (2007)

22 March 2007

O CAÇADOR DE CLICHÉS


Stephin Merritt, o micro-Cole Porter dos Magnetic Fields (e dos 6ths e dos Future Bible Heroes e dos Gothic Archies), adora os clichés como matéria-prima para canções. Stephin Merritt, o mini-Noel Coward que baptizou a sua banda com o nome de uma obra fundadora do surrealismo (Les Champs Magnétiques, de André Breton e Philippe Soupault), até é um cavalheiro discreto e atinado. Stephin Merritt, o songwriter que venera Irving Berlin e os ABBA, acabou de colaborar em duas óperas chinesas. Mas não é disso que agora fala — lacónica e telegraficamente — esta reservada personagem que duvida seriamente que a rádio vá para o ar...

Tanto 69 Love Songs como, agora, i (em que todas as canções começam por esta letra), são, de certo modo, álbuns conceptuais. Parece-lhe essa a forma ideal de articular as suas canções?
Para mim, um álbum conceptual é algo como Ziggy Stardust em que aparece uma personagem que atravessa várias canções. 69 Love Songs é aquilo a que chamaria um álbum temático — como Songs For Swinging Lovers, de Frank Sinatra — onde todas as canções se arrumam numa categoria determinada. O mesmo acontece com i. O que acaba por ser uma paródia de 69 Love Songs: organizar as canções de acordo com um tema totalmente arbitrário.


Uma paródia em que sentido?
Na medida em que pego na mesma ideia original e a exagero para além de tudo o que seria razoável. Em 69 Love Songs existia um exagero através da dimensão de álbum triplo. Em i é a própria arbitrariedade do tema que é conduzida ao exagero. Se se escutasse o álbum sem reparar nos textos ou nos títulos das canções nunca se poderia adivinhar qual é o tema dele.

É engraçado porque o próprio desenho gráfico do "i" minúsculo poderia ser associado à sua figura física...
Quer dizer, sem braços nem pernas?... (risos) É, de certa maneira, uma figura de "cartoon" que poderá ter a ver ou não com a minha própria personalidade. O que não tem a menor importância.

Mas esse "i", mesmo não sendo sempre o pronome pessoal "I", tem, ainda que vagamente, algum lado autobiográfico?
Não. São canções curtas em que não faz qualquer diferença saber se são autobiográficas ou não. Elas não lhe dizem nada acerca disso. Têm a duração suficiente para descrever uma determinada situação e, eu tê-la vivido ou não, é completamente irrelevante. "I Looked All Over Town" é acerca de um palhaço que se evade do circo e isso não é literalmente acerca de mim mas sobre o que essa personagem sente e com o qual toda a gente (bem... quase toda a gente) é capaz de se relacionar. Não posso dizer que seja uma canção autobiográfica mesmo que seja "não não-autobiográfica". O que é uma questão que se pode sempre colocar acerca de uma coisa tão curta e não-literal como é uma canção.

Há uma característica muito acentuada nas suas canções que tem a ver com o seu gosto de jogar com clichés e virá-los do avesso. Concorda?
Absolutamente. Os clichés são uma coisa óptima. Uma espécie de estenografia. Consegue-se dizer muito mais se formos capazes de incorporar os clichés na escrita. É como no cinema: basta um plano de Monument Valley e não resta a menor dúvida de que se trata de um "western". Não é preciso dizer que horas são, onde estamos, que personagens são aquelas...



E isso funciona exactamente da mesma forma com as canções? Utiliza-os como peças de Lego para estabelecer os cenários?
Na escrita de canções não é preciso ir à procura dos clichés. Eles nunca andam longe. Basta procurar uma rima. A rima é que é melhor que não seja um cliché.

O facto de ter sido "copy editor" da revista "Spin" ensinou-lhe alguma coisa acerca de como funciona a crítica musical?
Fui apenas durante alguns meses, muito informalmente, poucas horas por semana. Em rigor, era revisor de provas. Já tinha trabalhado antes também como jornalista na "Time Out", em Nova Iorque. Mas sei muito bem como funcionam os jornalistas. Aliás, sei mesmo até como se faz um jornal inteiro... O que me intriga é a rádio. Não consigo entender como se consegue fazer aquilo, como aquilo funciona. Nunca trabalhei na rádio embora, habitualmente para ser entrevistado, já tenha estado em centenas de rádios. Mas como é que eles sabem que estão no ar? Como podem ter a certeza? Podem estar a falar sozinhos....só pode ser uma questão de fé... (risos)

Ficámos com óptimas memórias do último concerto dos Magnetic Fields em Lisboa...
Eu não... estava bastante doente, não consegui passear em Lisboa sequer cinco minutos. Ainda por cima, tinha um artigo para escrever que já estava atrasado. Tudo o que fiz foi sair do hotel, subir ao palco, voltar para o hotel e apanhar o avião. Espero que, desta vez, seja diferente. (2004)