"A cidade em que esta música foi feita já não existe à face da terra", explica, logo na primeira frase das "liner notes", Lee Ranaldo. E, de facto, a Nova Iorque que teve o privilégio de testemunhar em primeira mão esta esmagadora erupção de lava sonora em 1980, nunca existira antes nem voltaria a existir depois. Foi, como afirma Ranaldo, "substituida por algo mais antiséptico". O caldo de cultura era constituido, refere ainda ele, por Beatles, Varèse, Velvets, Stooges, Cage, Stockhausen, Godard, Cassavettes, Varda, Sirk, Brakhage, Fassbinder, Merce Cunningham, Kerouac, Ginsberg, Rimbaud, Artaud, Plath, Schiele, De Kooning e Pollock. Os protagonistas não eram elementos socialmente desclassificados mas jovens de classe média educada, maoritariamente universitários, com um desmedido apetite pela vida e pela arte. Tão desmedido como a música em que (emergindo da fervilhante retorta da new/no-wave), Glenn Branca, primeiro com The Static e Theoretical Girls e, depois, com diversos colectivos de terroristas sónicos, haveria de tropeçar e que, daí em diante, não deixaria pedra sobre pedra no panorama do rock e tudo à volta.
The Ascension é um sismo de grau não registado até hoje em nenhuma escala conhecida: quatro guitarras eléctricas (Ned Sublette, David Rosenbloom, Lee Ranaldo, Glenn Branca) afinadas de forma pouco convencional, baixo (Jeffrey Glenn) e bateria (Stephan Wischerth), em carga massiva e ferreamente (des)controlada pela estratosfera da série harmónica, revisitando sucessivos espasmos electro-acústicos, uma cavalgada "à bout de souffle" sobre uma cordilheira sonora sempre tendencial e infinitamente ascendente, uma maratona de clímaxes nunca suficientemente extáticos, uma explosiva iluminação zen sob o efeito de "speed", metal em fusão derramado sobre carne viva, o paroxismo absoluto do volume como via de acesso a um outro plano de realidade de onde, após o massacre, se sai definitivamente incapaz de articular palavra.
Nada, rigorosamente nada, depois de The Ascension (e a descendência foi e continua a ser inúmera) se aproximaria sequer de tão aterradora intensidade. Reedição do ano com a magnífica capa original de Robert Longo. (2003)
No comments:
Post a Comment