30 April 2019

CORES A EXPLODIR NO CÉU


Houve um riquíssimo – e injustamente menosprezado – filão da música do século XX redescoberto à beira do novo milénio que, embora, à época, tenha produzido descendência apreciável, não chegou a ser exaustivamente garimpado. Os Stereolab, Broadcast, Saint Etienne, High Llamas, Pizzicato Five, Tipsy, Combustible Edison, Pram ou Oranj Symphonette, quais intelectuais renascentistas, poderão ter arregalado os ouvidos perante as três dezenas de volumes recheados de tesouros da série Ultra Lounge (e as muitas outras reedições que recolocaram no mapa Les Baxter, Martin Denny, Ray Coniff, Yma Sumac, Arthur Lyman, e Juan Garcia Esquível enquanto legítimos herdeiros de Bach, Telemann, Debussy ou Satie e antecedentes directos de Cage, Chet Baker e Brian Eno) mas, no vastíssimo universo easy listening/lounge/muzak/exotica/elevator music, muito ficaria ainda por explorar. Acrescente-se ainda a recuperação das obras dos pais fundadores da electrónica – Raymond Scott, Robert Moog, Louis e Bebe Barron –, o encontro com as excentricidades sonoras de Gravikords, Whirlies & Pyrophones (1998), a reavaliação de inúmeras bandas sonoras para "gialli" e eternos residentes nos rodapés da história do cinema – a magnífica recolha Crime & Dissonance, de Morricone, mas também Fabio Frizzi, Krzysztof Komeda, Gene Moore – e o poço sem fundo da "library music", e ficar-se-á com uma razoável ideia da inesgotável matéria-prima pronta para centrifugação laboratorial. 



Foi justamente por aí que Le SuperHomard, banda francesa de Avignon (ou, mais exactamente, Christophe Vaillant, compositor, Julie Big, voz, e acólitos), se orientou, criando uma descendência contemporânea para tão glorioso passado. Situando-se algures no ponto em que uma reinvenção dos ABBA às mãos de membros avulsos dos Saint Etienne e Stereolab se cruzaria com a suave troca de genes entre uns Black Box Recorder menos perversos e um Syd Barrett um segundo antes de se evadir para os anéis de Saturno (eles chamam-lhe “pop retro-futurista” e confessam-se também em dívida relativamente a Morricone. François de Roubaix, Love), Meadow Lane Park é um garboso exercício de "space age bachelor pad music" angélica, um luminoso modernismo sonoro imaginado sob o signo de Vasarely. "Paper Girl" diz tudo: “Take a page, draw a happy face inside a heart, picture you, picture me, picture everyone, draw the lines of fireworks exploding in the sky, red and blue, pink and green, cover all the white”.

1 comment:

Táxi Pluvioso said...

Há poucas cores além do preto e branco:

https://www.youtube.com/watch?v=DgtkTUwegVQ