15 April 2017

HAVERÁ NOTÍCIAS BOAS?


Quando, a 13 de Outubro passado, a Academia Sueca atribuiu a Bob Dylan o Nobel da literatura, foi necessário esperar quinze dias até que ele emitisse sinais de que tinha tido conhecimento da distinção e que, sim, estava disposto a aceitá-la (“Na verdade, algumas das minhas canções – 'Blind Willie McTell,' 'The Ballad of Hollis Brown,' 'Joey,' 'A Hard Rain,' 'Hurricane' e mais algumas – possuem, definitivamente, um valor Homérico”). E, se não lhe fosse muito incómodo, passaria por Estocolmo, a 10 de Dezembro, para o receber. Aconteceu, no entanto, que, por isto e por aquilo, acabou por não lhe dar jeito e, em seu lugar, enviou emissárias: Patti Smith (que meteu os pés pelas mãos em "A Hard Rain’s A-Gonna Fall") e Azita Raji, embaixadora dos EUA na Suécia, encarregada de ler o discurso de aceitação no qual, declarando-se “presente em espírito”, primeiro, confessava nunca ter sonhado que tal prémio poderia alguma vez ser-lhe entregue e, depois, estabelecia a comparação com Shakespeare que, como ele, em nenhum momento terá parado para se perguntar “se o que fazia era literatura”



Por essa altura, o poeta planetariamente homenageado (e vilipendiado) tinha acabado de publicar, sucessivamente, dois álbuns sem uma única sílaba sua mas integralmente dedicados à interpretação de clássicos do Great American Songbook: Shadows In The Night (2015) e Fallen Angels (2016). Poderia (ingenuamente) supor-se que, pós-Nobel, o supremo Zimmerman contemplaria a hipótese de legitimar os galões académicos, oferecendo ao mundo nova e indiscutível prova da sua excelência literária. Afinal, aquilo que nos caiu no regaço, na véspera do dia das mentiras – altura em que, por fim, aproveitando a circunstância de o concerto agendado para o Stockholm Waterfront Congress Centre lhe ficar em caminho, deu um pulinho a uma cerimónia privada, com a presença de doze membros da Academia, em que lhe foram entregues medalha e diploma (o cheque de 891 000 dólares só o recebe depois de dar uma palestra até Junho) – foi Triplicate, terceiro, quarto e quinto volumes da série iniciada com Shadows In The Night.



Bastava pensar um pouco: alguém imaginaria seriamente que Robert Allen Zimmerman - aliás, Bob Dylan, Elston Gunn, Tedham Porterhouse, Blind Boy Grunt, Robert Milkwood Thomas, Lucky Wilbury, Boo Wilbury, Sergei Petrov, Jack Frost e (em Pat Garrett & Billy the Kid)... Alias - aos 75 anos, deixaria de fazer exactamente aquilo que lhe apetecesse, quando lhe apetecesse e como lhe apetecesse? Tinha, além de mais, um óptimo pretexto: de modo muito semelhante ao que sucedera com o seu Self Portrait (1969) – quase unanimemente esquartejado pela crítica –, em 1980, Frank Sinatra (intérprete da maioria das canções de Shadows In The Night, Fallen Angels e Triplicate) publicara Trilogy: Past Present Future, que seria alvo de reivindicações de “retirada imediata do mercado” por parte de fãs desiludidos. Prestar-lhe-ia, pois, uma homenagem implícita: dividido em três painéis (´Till The Sun Goes Down”, “Devil Dolls” e “Comin’ Home Late”), Triplicate – explica Dylan, no seu site, em extensa entrevista a Bill Flanagan – “encena uma trajectória de vida que vai do tolamente absurdo ao profundamente sério, passando pelo ridículo e o grosseiro, e, chegando ao limite, interroga-se se não há notícias boas. Não deveria haver notícias boas?...”



Actuando como um prisma através do qual faz desfilar e ilumina o panteão do cancioneiro norte-americano, o mesmo Dylan que, em Love And Theft (publicado a 11 de Setembro de 2001), cantava “The future, for me, is already a thing of the past”, reestabelece elos quebrados (“Embora não parecesse, o rock’n’roll era uma extensão da música das big bands de swing que eu ouvia antes de descobrir Elvis Presley. Mas o rock era de alta energia, surgido das trevas, uma arma cromada perigosa que explodia à velocidade da luz”) e termina, pela mão de Kern e Hammerstein, perplexo: “What is the good of me by myself? Why was I born? Why am I living? What do I get? What am I giving? Why do I want a thing I daren't hope for? What can I hope for? I wish I knew”.

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