O PENSAMENTO FILOSÓFICO PORTUGUÊS (X)

Revista Plenitude

A desatenção aos grandes valores emergentes do pensamento filosófico português deverá ser, sem dúvida, uma das causas da debilidade - mais aparente do que real - da cultura lusa e da sua indispensável e urgente projecção internacional. Embora já vá no nº 68, a revista "Plenitude" (só agora, em boa hora, distribuída gratuitamente com o "Público") é um significativo exemplo desse reprovável descuido perante o melhor da nossa produção jornalística e intelectual.

Como tema de capa, Pedro Passos Coelho, "no auge dos seus 44 anos, de visão eclética esbanjando seriedade". Pretexto para reflexão política tão fecunda quanto a fulgurante coluna do cronista Feliciano Barreiras Duarte (professor universitário) que nos desafia para a recuperação dos grandes temas humanistas em "2009 - O ano das Pessoas": "Eis-nos em 2009. A fazer fé em múltiplos vaticínios - não só políticos mas sobretudo económicos e sociais - será um ano tipo 'Besta Negra', que infelizmente trará muitas dificuldades, frustrações e problemas a quase toda a gente. Gente que no seu conjunto engloba sobretudo as pessoas e as empresas. (...) Por tudo isto, também, 2009 deverá ser o ano das pessoas. As pessoas primeiro que tudo o resto. Impõe-se, assim, uma prioridade humanista e responsável (...) O Estado deve, enquanto instrumento disciplinador e regulador das relações com os cidadãos e as empresas, zelar para que as pessoas estejam no centro das suas preocupações. Numa atitude e lógica da valorização do seu papel complementar e derivado de fazer cumprir alguns direitos, liberdades e garantias".

Outro colunista, o gestor financeiro José Branco, desmonta, bravamente, mitos e falácias comuns: "Nesta sociedade ingrata, se analisarmos as várias evidências, com a devida independência e sem facciosismos de alguma espécie, podemos dizer com toda a propriedade que somos e estaremos sempre reféns de algo, por muito insignificante que seja. (...) Uma guerra, uma catástrofe, uma falência, um escândalo ou uma crise internacional pode ser o bastante para que tudo mude, tudo se transforme, tudo seja posto em causa. (...) De facto, o nosso dia a dia é baseado e sustentado numa pirâmide altamente explosiva e de contornos imprevisíveis. Tudo parece erguer-se como um castelo de cartas, que à primeira 'tempestade', ao primeiro 'ciclone', se desmorona. (...) Pergunto: não será toda esta grave crise financeira uma imensa e desgraçada especulação? Será que aconteceu realmente algo de tão extraordinário neste Planeta, que explique que de um momento para o outro tudo tenha sido colocado em causa, tendo a ordem das coisas ficado literalmente de pantanas? (...) Não, não acredito".

Edir Macedo

Num plano espiritual de superior elevação, "Boas Escolhas", de Edir Macedo - fundador da Igreja Universal do Reino de Deus que, curiosamente, edita uma revista homónima e anuncia esta no seu site -, numa bem-vinda ponte reflexiva luso-brasileira, interpela-nos de modo sereno mas agudo acerca das temáticas essenciais: "Tudo na vida assenta numa ordem. Por exemplo, a lei da gravidade atrai os corpos para o centro da terra e na lei da relatividade a massa de qualquer objecto é directamente proporcional à sua energia. Todas as leis físicas permitem que haja o necessário ordenamento de todas as forças e elementos. No plano ético sucede o mesmo, mas aqui abre-se o espaço necessário para o maior dos instrumentos capaz de promover a necessidade salutar do ordenamento das relações interpessoais: a consciência porque ela é inerente à própria condição humana".

Embora o perfil editorial seja de análise séria e empenhada nos grandes debates contemporâneos, o espaço para os momentos de lazer mais descontraídos está também presente. E é de saudar o estilo gramaticalmente leve e descomprometido da evocação dos 80 anos do Tintin e de Popeye: "Hergé procurou inserir a personagem numa história a preto e branco no País dos Sovietes, demonstrando uma certa ridicularização ao regime comunista. (...) A sua imagem é retratada em relógios, selos, canecas, calendários, moedas e material escolar, sendo assumido desde logo um ícone. (...) Popeye é hoje reconhecido mundialmente pela sua dependência em espinafres".

Seedsband

De destacar, enfim, na página de crítica musical, a descoberta da Seedsband, uma banda do Cartaxo que pretende espalhar "sementes de vida" - em palco (onde "revela o seu código genético"), é capaz de arrebatar multidões, como relata o vocalista José Valbom: "Recentemente, pusemos a gritar, em uníssono, umas duas mil pessoas, durante uns trinta segundos!" -, explorando na sua música "vivências, valores e realidades patenteadas numa relação íntima com o Deus criador do Universo".

Mais uma dívida de gratidão com que ficamos perante o "Público" que - como já aconteceu com a saudosa "Xis", de Laurinda Alves - continua a oferecer-nos o que de mais estimulantemente positivo o universo intelectual português produz.

(2009)