AS MINHAS ENTRADAS PARA A LISTA DAS "25 MELHORES BANDAS SONORAS ORIGINAIS" DO ACTUAL/EXPRESSO DE 1 DE MARÇO DE 2008
Psycho (1960) – música de Bernard Herrmann/realização de Alfred Hitchcock
Violinos em glissandi ascendentes curtos e rápidos, gravados muito próximo do microfone, golpes sonoros perfurantes, estridentes e fisicamente dolorosos, sobrepostos às imagens do apunhalamento no chuveiro e aos gritos aterrorizados da Marion Crane/Janet Leigh.
(sem)
Mil vezes citada, a música de Herrmann (que se iniciou na “film music” com O Mundo A Seus Pés, de Welles) para o clássico de Hitchcock não se resume apenas a isto: desde o genérico inicial – quando, após uma vista panorâmica sobre Phoenix, a câmara penetra na janela aberta do quarto onde Marion e o namorado estão juntos, na cama, e uma morosa sequência orquestral de acordes agudos anuncia já algo que, então, ainda não podemos adivinhar –, à partitura ritmada pelo movimento dos limpa para-brisas que acompanha a viagem de automóvel debaixo do temporal para o Bates Motel (confrontar com a abertura de Sangue Por Sangue, dos Coen) ou aquela outra que faz contraponto ao diálogo friamente arrepiante com Norman/Anthony Perkins acerca da sua obsessão por pássaros, a música de Bernard Herrmann é o verdadeiro sistema (tremendamente) nervoso de Psycho.
(com)
Para o arquivo da “petite histoire” do cinema deverá, entretanto, seguir a anotação de que a intenção original de um teimosíssimo Hitchcock era filmar a “cena do chuveiro” sem qualquer música, só se deixando convencer quando o resultado não o satisfez e a opinião de Herrmann acabou por prevalecer.
Ascenseur Pour L’Échafaud (1958) – música de Miles Davis/realização de Louis Malle
Quando Elmer Bernstein se dispôs a escrever a magnífica banda sonora para The Man With The Golden Arm, de Preminger (1959), o seu raciocínio foi linear: “No argumento havia uma rua mal frequentada de Chicago, heroína, histeria, desespero, melancolia e frustração, algo de muito contemporâneo e americano. Precisava de um elemento que situasse todas essas emoções no nosso país, se possível, numa grande cidade. Ergo, jazz!”.
Um ano antes, na sua estreia como realizador, Louis Malle tinha pensado de forma idêntica para o estabelecimento do “mood” desta declinação europeia do “film-noir” que consagraria Jeanne Moreau. E fê-lo em grande: Miles Davis à frente de um combo europeu, improvisando (em tempo real sobre a projecção do filme) fragmentos melódicos de trompete em surdina à beira do silêncio, “walking-bass” ágil, sinuoso e minimal, bateria transparentemente metronómica. Raras vezes o próprio “noir” americano tinha encontrado um contraponto musical tão sublimemente exacto para o seu universo noturno, acossado e a um passo do abismo.
Once Upon a Time in The West (1968) – música de Ennio Morricone/realização de Sergio Leone
Exemplo singularíssimo de filme cuja banda sonora não apenas foi escrita antes do início da rodagem como serviu também de pano de fundo presente no “set” das filmagens, em Once Upon a Time in The West, Morricone tanto abdicou da música, recorrendo à estética cageana do silêncio como atractor da sonoridade “ambiente”, (toda a sequência inicial da espera na estação de comboios) como compôs operática e exuberantemente (o tema de Jill/Claudia Cardinale), utilizou guitarras eléctricas distorcidas (no épico tema principal) ou optou por procedimentos da vanguarda europeia da época (a exploração tímbrica de percussões durante o tiroteio em Flagstone). A cada personagem e cada situação é, desde a sua primeira aparição, associado um “leitmotiv” e, durante todo o filme, a narrativa é tão visual quanto (senão mais) musical: em pleno coração do “plot”, o detonador de toda a acção é uma harmónica. O que começou por ser depreciativamente designado como “western spaghetti” transformou-se em ícone do “western” autêntico.
Laura (1944) – música de David Raksin/realização de Otto Preminger
Tal como acontecia em The Third Man (de Carol Reed, com música de Anton Karas), durante cerca de metade do filme, a supostamente morta Laura/Gene Tierney (no filme de Reed, Harry Lime/Orson Welles) é quase só a assombração de uma melodia (banda sonora deliberadamente monotemática) obsessivamente repetida. Quando as imagens se apagam no ecrã, Laura permanece-nos no ouvido.
Blade Runner (1982) – música de Vangelis/realização de Ridley Scott
Se, em Playtime, de Jacques Tati, o mundo “moderno” era uma fonte permanente de surpresas sonoras, o mundo pós-apocalítico e vertiginosamente multicultural de Blade Runner é o imenso eco de um pesadelo. A meio caminho entre a estética musical do “noir” e da “sci-fi”, Vangelis inventou a atmosfera de um futuro sufocante.
A Clockwork Orange (1971) – música de Walter/Wendy Carlos/realização de Stanley Kubrick
Beethoven, Elgar e Rossini, traduzidos para um universo distópico de “ultraviolência”, num dos primeiros modelos de sintetizador desenvolvidos por Carlos em colaboração com o pioneiro Robert Moog. Se o velho Ludwig Van se tivesse escutado em tal contexto, teria tido poucos motivos para compor odes à alegria.
Rumble Fish (1983) – música de Stewart Copeland/ realização de Francis Ford Coppola
A imagem em cima, os diálogos no meio e a música por baixo, registados por Stewart Copeland (baterista dos Police) no, então inovador, Musync. Coppola pretendia uma banda sonora predominantemente percussiva, Copeland ofereceu-lhe outra onde combinava percussões com sons de rua, de Tulsa.
Alexandre Nevski (1938) – música de Sergei Prokofiev/realização de Sergei Eisenstein
Objectivo de Eisenstein: “Encontrar a completa correspondência entre o movimento da música e o movimento do olho sobre as linhas da composição plástica” de modo a concretizar uma “partitura audiovisual” perfeita. Prokofiev, compasso a compasso, concretizou esse electrocardiograma de Alexandre Nevski.
King Kong (1933) – música de Max Steiner/realização de Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack
A banda sonora que inaugurou o segundo período na música para cinema, seis anos depois do início do "sonoro”, em 1927. Em vez de reutilizar música previamente existente, Max Steiner convenceu a RKO a deixá-lo compôr uma partitura original e, a partir dela, definiu o conceito moderno de um filme completo com música sincronizada.
(votei ainda em Forbidden Planet, West Side Story, Touch Of Evil e 2001 - A Space Odissey que figuraram nas 25 e em The Third Man, Magnolia, The Man With The Movie Camera/Cinematic Orchestra, The Day The Earth Stood Still, Fantastic Voyage, The House Of Usher, The Proposition, Crash, Playtime, The Birds, Rizzo Amaro, Blood Simple, Punch-Drunk Love, The Man With The Golden Arm, Enter The Dragon, Eternal Sunshine Of The Spotless Mind e Kill Bill (vol. I e II) que ficaram de fora)
(2008)
18 comments:
Grandes escolhas! Eu punha em primeiro lugar a banda sonora do The Ghost and Mrs. Muir mas percebo perfeitamente a tua escolha.
Numa onda completamente diferente também escolhia o Edward Artemiev.
Não. Punha em primeiro lugar o Miles no filme do Louis Malle. Comecei a ouvir jazz por causa dessa porra. E o Shadows do Cassavetes com banda sonora do Mingus também era de pensar.
Ou então escolhia as bandas sonoras do Russ Meyer.
A do Vangelis não gosto porque me lembra o Oceano Pacífico do João Chaves, que transformou aquilo em banda sonora de quecas no banco traseiro do carro junto à praia.
Opá, é a cena do costume... 30 segundos depois de teres fechado uma lista, já te apetece fazer outra diferente dessa. E outra.
Que é que tens contra quecas no banco traseiro do carro junto à praia?
Não tenho nada contra ó! Não tenho é carro...
"Não tenho é carro"
Ena! já somos três.
Perdoo-te o albatroz. :-)
A BSO do «Magnolia» (com excepção dos Supertramp) e a do «Twin Peaks» (embora esta seja de uma série televisiva e teria que se fazer um pouco de batota...) também poderiam entrar?
já eu, admito ter gostado de Vangelis (embora não tenha a certeza, numalembra) quando ainda não tinha carro; contudo, depois disso (nem me atrevo a dizer que após ter carro) devo ter desenvolvido uma psicose qualquer contra Vangelis.
concordo com todas as outras e acabei por me lembrar (ou perceber) do gosto da do Rumble Fish.
""Não tenho é carro"
Ena! já somos três."
Não basta: para entrar no clube, é necessário declarar, sob palavra de honra, "não tenho carta".
"para entrar no clube, é necessário declarar, sob palavra de honra, "não tenho carta"
Certíssimo. Se calhar, levado pela esperança, precipitei-me. É que um clube só com dois sócios é um abuso de elitismo. Como é, Manuel?
Não tenho carta. Fui a umas aulas de código e não percebi patavina. Ainda fiz uns testes em casa mas errava sempre para cima de 10 perguntas.
"Não tenho carta. Fui a umas aulas de código e não percebi patavina. Ainda fiz uns testes em casa mas errava sempre para cima de 10 perguntas".
Ok. Proponho, então, que sejas admitido embora submetido a um período probatório devido a essa vacilação inicial das aulas e dos testes em casa que podem indiciar - acredito que não, deve ter sido coisa de juventude, mas toda a cautela é pouca - uma ou outra falha de carácter.
Uma ou outra? A lista é infinita!Deus quando me fez disse "Este saiu com falhas". Só lá para a 1000000 tentativa é que começaram a sair seres perfeitos e sem falhas como o Lou Reed. Aceito a quarentena.
Bem vindo, manuel!
Não ligues ao Presidente do Clube, que é um bocado fundamentalista.
Eu, p.ex, cheguei até ao exame de condução (não por vontade minha, é certo, mas por ter sido sujeito a coação e a sevícias indescritíveis).
Contudo, não deixei de entrar no clube de forma menos honrosa: o resultado do dito exame foi, e passo a citar: "Colisão com veículo estacionado".
ediot: "de forma não menos honrosa"
E saber o código é bom: por vezes temos de o ensinar aos taxistas.
"Colisão com veículo estacionado"
Digamos que, nesse caso, a vacilação inicial foi mais do que compensada pelo desfecho final. Não será a perfeição mas já é bastante bom.
Estou a ver que isto, por aqui, é tudo pessoal que se daria às mil maravilhas se tivesse vivido no século XIX ou anterior...
ahahaha!
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