08 March 2007

O PRINCÍPIO E O FIM


Danny Elfman — o alter-ego musical dos filmes de Tim Burton — não costuma medir as palavras em relação ao apreço que tem pela partitura de Max Steiner para o King Kong original de 1933, de Ernest B. Schoedsack e Merian C. Cooper: "King Kong foi a primeira banda sonora a sério. Todo o conceito de um filme completo com música sincronizada foi realmente definido em King Kong.



Quando Steiner começou a compor para ele, não havia quaisquer referências. Estava praticamente a escrever numa página em branco, a atravessar território virgem. Muitas das coisas que Steiner realizou juntamente com Franz Waxman, Erich Wolfgang Korngold e outros pioneiros incrivelmente dotados, tomamo-las, hoje, como adquiridas, quando essa linguagem está já definida. Steiner é, realmente, o avô, o padrinho desta arte louca e maravilhosa de que muitos de nós, actualmente, somos fãs".
 

Na verdade, a música de King Kong — a banda sonora que inaugurou o segundo período na música para cinema, seis anos depois do início do "sonoro" — por pouco não existiu. No início dos anos 30, nos estúdios em crise da RKO, a maioria dos responsáveis pela música tinha sido despedida e Max Steiner havia sido convidado para assumir a direcção do departamento com um orçamento em que, a cada filme, era atribuída uma única sessão de gravação de três horas com um máximo de dez músicos, em condições técnicas bastante rudimentares. Quando, após as rodagens, o filme estava pronto para a música, a decisão do estúdio comunicada a Steiner foi a que, à época, era habitual: "Usem algumas das gravações que já possuimos!".


Steiner (que havia escrito a música de quase todos os recentes filmes da RKO e sabia que neles não abundavam os gorilas gigantes...), porém, conseguiu convencer Merian C. Cooper a desembolsar 50 000 dólares — na altura, uma quantia extravagante para gastar em música — com uma banda sonora concebida por medida para o filme. Como sublinha Christopher Palmer, em The Composer In Hollywood, "King Kong foi o que Steiner descreveu como 'um filme feito para a música, um daqueles que nos permitia fazer toda e qualquer coisa'. (...) Pela primeira vez na era dos 'talkies', demonstrava que a música tinha o poder de adicionar uma dimensão de realidade a uma situação basicamente não realista. A partitura é construída de acordo com o princípio wagneriano do 'leitmotiv', com temas especiais para as personagens e conceitos principais e outros aspectos do argumento que se prestem a esta forma de identificação. (...) À música, exige-se, talvez pela primeira vez no cinema americano, que explique ao público o que realmente se passa no ecrã. (...) King Kong, ao demonstrar o poder básico da música para aterrorizar e humanizar, tornou-se um marco na história do cinema".



Na versão de 1976 de King Kong, John Barry — que fez questão de não reescutar a música de Steiner — optaria por um "score" onde era enfatizada a dimensão romântica da alegoria de "the beauty and the beast" e, nesta de Peter Jackson (em que, no meio do passado mês de Outubro — aparentemente já com toda a música gravada... —, Howard Shore foi substituído por James Newton Howard), teremos de nos contentar com o que inevitavelmente resulta de uma BSO composta, de emergência, em duas ou três semanas. O que, afinal, nem é nada de novo em Hollywood... (2005)

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