26 May 2021

OCEANOS E LAVA

Isn't Anything
 
 Loveless
 

 m b v
 
Kevin Shields tinha 11 anos quando pegou em dois gravadores e se entreteve a registar uma montagem de todos os sons que ia encontrando em casa: o aspirador, os utensílios da cozinha, brinquedos, pratos, talheres, risos. Na altura, ignorava que àquilo se chamava "musique concrète". Cinco anos mais tarde, também não sabia sequer afinar a guitarra elétrica que os pais lhe haviam oferecido pelo aniversário, mas isso não o impediria de, perante o convite para fazer parte de uma banda, ter respondido com um enfático “Sim!” Muito menos seria capaz de imaginar que, nas próximas décadas — e, em especial, entre 1988 e 2013 —, iria ser o guitarrista e visionário sonoro de um grupo (com Colm Ó Cíosóig, Bilinda Butcher e Debbie Googe), My Bloody Valentine , que, em apenas três álbuns, ampliaria radicalmente o espectro cromático do rock e, de caminho, involuntária e relutantemente, criaria um subgénero, o "shoegaze". Quando, agora — a propósito da reedição em "streaming" da trilogia de oiro Isn’t Anything (1988), Loveless (1991) e m b v (2013) —, lhe falo para algures na "countryside" irlandesa e lhe pergunto sobre o que pensa acerca dessa sua descendência (Ride, Slowdive, Moose, Lush, Chapterhous...), responde-me: “O que é irónico é que todo o conceito que enformava a nossa música ficou estabelecido muito antes do aparecimento de todas essas bandas. Nós vivíamos no nosso mundo próprio. Apercebia-me das semelhanças mas também era capaz de reparar que eles tinham muitas outras influências. No início, não nos arrumavam na gaveta shoegaze, isso só aconteceu depois. Mas nós mantivemo-nos sempre à distância, parecia-nos que, na verdade, tinham muito mais coisas em comum entre eles do que connosco”.
 
  (Loveless na íntegra aqui) 
 
Recordo-lhe a forma como, em 1990, em Blissed Out, de Simon Reynolds, associava a música da banda a determinadas paisagens urbanas — “Já, alguma vez, passearam pela cidade, num domingo, na zona do East End, e tiveram aquela sensação de para-onde-é-que-foi-toda-a-gente? Não se vê ninguém, há todos aqueles inúmeros edifícios, mas não se enxerga uma alma. Aquela sensação de lugar deserto. Não é assustador, não nos sentimos desconfortáveis. Mas também não nos sentimos confortáveis” — e interrogo-o se essa, não será, hoje, a banda sonora perfeita para os tempos de "lockdown": “É bem possível que sim, é verdade. Nessa altura, falava da zona de East London, há 30 anos, quando ainda não se tinha tornado popular. Andávamos bastante por aí porque eram lá os estúdios que usávamos. Mas a nossa música é muito mais complicada do que isso, esse é apenas um dos aspetos. No que diz respeito à relação que temos connosco mesmos e com o mundo exterior, num momento em que nos vemos forçados à pequena crise que consiste em passarmos muito tempo em isolamento... isso leva-nos a interrogarmo-nos sobre imensas coisas. Sob esse ponto de vista, pode dizer-se, sim, que a música não está dessincronizada com os tempos. Mas há também a sensação de que as coisas, tal como eram, já desapareceram e, ao mesmo tempo, uma corrente muito intensa de esperança e força, e de caminhar em frente. Não é unidimensional nem bidimensional, na verdade, é multidimensional". (daqui; segue para aqui)

1 comment:

Anonymous said...

https://www.theguardian.com/music/2021/may/27/my-bloody-valentine-kevin-shields-band-killing-songs