27 November 2018

AFOGADOS EM HISTÓRIAS


“Some say our empire is passing like all empires do. How do we begin again?” É a primeira frase que surge projectada no ecrã, por trás de Laurie Anderson, no palco do Nimas. Como que escrita a giz sobre ardósia, da mesma forma que acontecia nas imagens de Landfall e em Chalkroom, a instalação de Realidade Virtual que, há um ano, inaugurou no Massachusetts Museum of Contemporary Art. Nessa altura, o objectivo consistia em “investigar como seria viajar pelo interior da arquitectura das histórias, explorar um universo de letras, frases e palavras desenhadas com giz, nas paredes, flutuar através de rampas e corredores que desembocam em torres gigantescas, criar sons tridimensionais”. Agora, a duas dimensões, a frase retirada de "Another Day In America" (de Homeland, 2010), enquadra a totalidade do concerto/performance “Going Places With Laurie’s Stories”, integrado na programação do LEFFEST’18. E, desdobrada na voz do alter-ego digital, Fenway Bergamot, tão microscopicamente quanto há oito anos, observa e descreve: “Ah, America. And yes that will be America, a whole new place just waiting to happen, broken up parking lots, rotten dumps, speed balls, accidents and hesitations, things left behind, styrofoam, computer chips (…) And ah, these days. Oh, these days, what are days for? To wake us up, to put between the endless nights (…) Ah, America. We saw it. We tipped it over, and then, we sold it”



A América de Jack Kennedy que, quando a adolescente Laurie se candidatou à associação de estudantes, a aconselhou a saber tudo o que os estudantes desejavam e, a seguir, prometer-lhes isso mesmo. E que, após ela ter ganhado, lhe enviou um bouquet de rosas vermelhas. A América daquela cinzenta manhã de Novembro de 2016, iniciada com os 19 segundos do grito estridente de Yoko Ono, no Twitter, em reacção à eleição de Donald Trump. “Afogamo-nos em histórias e acabamos a votar na história de que gostamos mais”. Se as palavras bastam para substituir as coisas, a realidade tende a tornar-se cada vez mais abstracta e a memória – como o giz na ardósia –, uma vez filtrada e apagada, deixa apenas vestígios. Sozinha em palco, com um teclado, um violino, um cadeirão, e uma inesgotável colecção de fábulas e alegorias – actualíssimo Aristófanes e o conselho aos pássaros para erguerem um muro entre a terra e o céu – Laurie Anderson partilha uma convicção (“I think that the resistance will be in the language, and I think that it will be artists that do it) e, contra tudo, um programa: “We’re here to have a really, really, really good time”.

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