28 November 2014

A ARCA TEM FUNDO


Em Revolution In The Air/Still On The Road (2009/2010) – mais de mil páginas que inventariam todas as canções de Bob Dylan publicadas, inéditas ou hipotéticas –, Clinton Heylin afirma que “1967 foi, qualitativamente e talvez até numericamente, o ano mais produtivo de Dylan como 'songwriter', ultrapassando até 1965”. Por isso, divide esse ano em dois capítulos, nos quais inclui um total de sessenta canções de que a maioria tem origem nas famosas Basement Tapes, desde há dias, enfim disponíveis na íntegra e oficialmente, no Volume 11 das Bootleg Series. A tentação de crer que Bob Dylan mantém uma espécie de arca pessoana sem fundo onde é sempre possível ir desencantar mais umas pepitas de que ele, generosamente, abdica para distribuir pelos meros humanos musicalmente famintos, é grande mas, nem no caso-Basement Tapes, era absolutamente verdade: um dos objectivos do retiro em Woodstock, com a Band, consistia em criar reportório que a sua companhia de "publishing" – Dwarf Music –, actuando como Tin Pan Alley alternativa, procuraria (como aconteceu) colocar junto de outros músicos. 




Quase 50 anos depois, a história repete-se, com Dylan e os "publishers" actuais urdindo outra manobra de sedução em torno de T Bone Burnett: uma caixa de textos de Dylan que nunca teriam conhecido carnalmente melodias fora descoberta e ofereciam-se a quem estivesse disposto a roubar-lhes a inocência. Eram também do precioso ano de 67, pelo que a equipa de ávidos amantes-arqueólogos reunida por Burnett – Elvis Costello, Marcus Mumford, Jim James, Taylor Goldsmith e Rhiannon Giddens –, naturalmente, adoptou a designação de The New Basement Tapes, embora, Heylin, convocado a autenticar as relíquias pela “Uncut”, as situe nos seis meses após o lendário acidente de moto mas antes do exílio em Big Pink. Não é esse, porém, o maior problema. Os fragmentos dos textos, por vezes, apenas duas ou três linhas, não são os manuscritos do Mar Morto e, nem o mais inspirado vate – desgraçadamente, aqui, nenhum está na sua "finest hour" – poderia soprar o bafo da vida sobre coisas como “when I get my hands on you, gonna make you carry me, when I get my hands on you, gonna make you marry me”. Lost On The River teriam ficado bem melhor.

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