AMARGA BRITANNIA
PJ Harvey/Seamus Murphy - Let England Shake/12 Short Films by Seamus Murphy (DVD)
No tempo em que a trintona decadente a que, por caridade e respeito pelos seus anos de juventude, continuamos a chamar MTV começou a passar videoclips (lembram-se de quando a MTV exibia videoclips?), estalou uma polémica – felizmente, de curta duração – em torno da questão de saber se esse (praticamente) novo género audiovisual não iria cometer o supremo atentado de nos desapossar do filme interior, pessoal e intransmissível, que, ao escutarmos uma canção, instantaneamente, realizamos. Música e palavras transportavam já o seu próprio kit de imagens prontas a usar e, desse modo, implantavam, irremediavelmente, na nossa máquina de efabulação mental uma versão única do que, antes, era, potencialmente, múltiplo. Em síntese: a imaginação – isto é, a capacidade de produzir imagens – seria bloqueada pelas narrativas instantâneas que a indústria satânica nos injectava, em simultâneo com a publicação de cada disco. O grande irmão poderá nunca desistir de tentar controlar-nos o pensamento mas – apesar de ter chegado a existir um fugaz período de glória do “vídeo-album” –, 30 anos depois, parece razoavelmente consensual afirmar que o engenho cerebral permanece suficientemente ágil para que cada um de nós oiça e veja a mesma música de forma diferente.
E, contudo, se sobreviveram sementes de tão maligna invenção, uma potentíssima estirpe delas aloja-se, hoje, nesta colecção de 12 clips realizados pelo fotógrafo irlandês, Seamus Murphy, para o igual número de canções de PJ Harvey que constituía o alinhamento do mui excelente Let England Shake. Espécie de "travelogue" visual captado em deambulação errática pelo território – rural e urbano – britânico, sendo cada episódio montado “não em função dos textos mas da melodia e do ritmo”, exige de nós uma opção: ou abdicamos dele e fabricamos a nossa amarga Britannia privada; ou o vemos e as canções de PJ Harvey serão, para sempre, estas imagens.
(2012)
1 comment:
O meu sonho é que o presidente Báráque edite um disco, os jornalistas ficaram tão entusiasmos com os seus cantares na White House, ele é que salvaria a música booooring, que não edita um disco que valha a pena comprar desde o Closer.
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