04 March 2012

A COISA É TÃO ÓBVIA QUE OFUSCA


(clicar na imagem para ampliar ou ler a transcrição em baixo - capturado aqui)

"Prova provada e infalível de que o Acordo Ortográfico não conseguirá harmonizar a língua portuguesa, contra o que mais temem os seus críticos e porventura mais desejam os seus defensores, descobri-a eu anteontem numa notícia banal do 'Jornal de Negócios'.

Em nota meramente factual contava-se que o ministro da Economia, o nosso Álvaro, fora inspeccionar uma lucrativa empresa em Aveiro que exporta autoclismos para todos os continentes. No título dizia-se: 'Ministro da Economia visita maior produtor europeu de autoclismos'.

O país precisa de lavamento, pelo que podemos compreender o empenho do ministro na visita. Mas veio-me à memória uma história que li, já não sei onde, pelo punho do jornalista e escritor Ruy Castro. (Entretanto, dizem no Brasil que ele está doente; esperamos que recupere bem e depressa). Pois em 1973 Ruy Castro chegou a Lisboa para trabalhar numa revista brasileira cá editada. No primeiro dia de trabalho houve um problema na casa de banho e ele pediu à secretária: 'Isabel, chame o bombeiro para consertar a descarga da privada'.

Isabel apenas percebeu o nome próprio e o 'por favor'. Mas um colega do lado, brasileiro-português, já acostumado aos labirintos da língua entre Portugal e Brasil, traduziu o pedido: 'Isabel, chame o canalizador para reparar o autoclismo da retrete'. E então sim, Isabel percebeu.

Tudo isto conta Ruy Castro. Como foi que surgiram entre nós os vocábulos ‘autoclismo’ e ‘retrete’, enquanto os brasileiros escolheram os termos ‘bombeiro’ e ‘privada’? Eu sei que a troika não trata destas coisas. Etimologicamente, aprendo no Houaiss, 'autós' significa em grego 'por si mesmo' e 'klusmós', 'acção de lavar'. Privada entrou mais tarde e sem este amparo clássico. É produto duma outra civilização.

Nunca alinhei especialmente nas brigadas pró ou contra a unificação da ortografia. Por falta de competência não iria acrescentar nada ao debate. O que posso dizer é que nenhum acordo de escrita entre Brasil, Portugal e a África lusófona irá erradicar estas diferenças de vocabulário. E muitas outras existem, como toda a gente sabe.

Um brasileiro ficaria apatetado com a notícia do 'Jornal de Negócios'. Quando o bloguista anonimamente conhecido de 'O Meu Pipi' publicou as suas reflexões no Brasil, foi preciso uma edição especial que tornasse aquele vernáculo acessível aos brasileiros. Desde lado passa-se o mesmo. O Acordo Ortográfico tem sido muito atacado por fazer da língua falada métrica e padrão da língua escrita. Mas não existe acordo que resolva este eterno desacordo". (Pedro Lomba no "Público" de 01.03.2012)

(2012)

5 comments:

Táxi Pluvioso said...

O objetivo é harmonizar a grafia da língua portuguesa e não harmonizar a língua portuguesa, o que seria um disparate, e que nem pegaria nos bairros da cidade, que têm "falares" diferentes (os tais substratos de Deleuze para os mais intelectuais).

Bom, mas perderei tempo a ler este janota que escreve em jornais (embora eu seja mais de passar por cima dos empregados e ir diretamente aos patrões, os angolanos, creio que são eles que dominam os média portugueses, logo eles é que deveriam liderar o Acordo, o que eles quiserem that's ok). good sunday

João Lisboa said...

"O objetivo é harmonizar a grafia da língua portuguesa e não harmonizar a língua portuguesa"

O que haverá de servir para alguma coisa, não é? Ou é só porque sim?...

E, como através deste texto - e de muitos outros - se demonstra, o único problema de inteligibilidade que existe entre as diversas variantes do português não tem rigorosamente nada nada a ver com a ortografia.

Táxi Pluvioso said...

Serve sim. Tem um valor económico (sei que falar nisto num povo rico é uma heresia, o dinheiro para nós é o que se queira, às paletes). Um valor económico no ensino da língua. Sobretudo para quem a ensina no estrangeiro. (Se a quiserem tornar numa língua de trabalho, claro, se for para ter um dialeto falado no Martinho da Arcada ou no Nicola, então deixe-se tudo como está).

O que fez o culto Viegas, diz que sim, vamos mudar, vamos ajustar, etc. é de uma alarvidade do tamanho de um prior dominicano. Então, o acordo entra em vigor, perderam-se anos de água, luz, viagens, almoços, etc. etc. Os professores ensinam nas escolas, os livreiros gastam dinheiro na alteração dos manuais, e vem um governante dizer, deite-se o dinheiro fora, que vamos aos mercados pedir mais para vivermos de papo para o ar. Fantástico! Se em 2012 os governantes ainda não perceberam s que se passou nestes 40 anos, ou culpam o Sócrates – o que tem uma certa lógica pois vivem de camisola partidária vestida – então terão uma surpresa com a saída do euro lá por 2014 ou 2015. (Ou faz-se a receita de Krugman, como ele bem disse aos ávidos de oráculo, e talvez se dure mais uns anos).

Da mesma forma o que fez a moura encantada da fraga cultural de Belém. Num governo normal seria demitido na hora, um comissário político que atira dinheiro ao lixo, que não percebeu que o dinheiro barato acabou, e ainda se conserva ativo, então o destino do país está traçado.

João Lisboa said...

Claro que o aprova/desaprova/aprova é um disparate. Não deveria era sequer ter chegado a existir. Por inútil, desnecessário e idiota.

Táxi Pluvioso said...

Ai, ai, como o adjetivo é algo tão nosso. O adjetivo é meio caminho andado.