19 March 2009

ALMA HERÉTICA



Cristina Branco - Kronos

A interrogação coloca-se desde o início e só é importante na medida em que permita compreender com maior clareza a música que Cristina Branco canta. E não deixa de ser curioso reparar que se trata da música que ela “apenas” canta mas não assina – a marca de autor(a) está na voz. A vexata quaestio, então: é fado ou não é fado? Objectivando um pouco (embora não exaustivamente), a propósito do primeiro álbum “oficial”, Murmúrios (1999), Cristina dizia que ele tinha provocado “um burburinho incrível porque, não cantando fado tradicional, fui buscar coisas do Sérgio Godinho, do José Afonso”. Sobre O descobridor: Cristina Branco canta Slauerhoff (2000), ela confessava que “não seriam exactamente fados mas temas muito tristes que acabam por estar muito próximos do espírito original do fado, umas vezes são fado, outras não, temos essa tendência para procurar coisas que não se conformem demasiado com as regras”. Em Ulisses (2005), o reportório abarcava petas e compositores como José Afonso, Fausto, Vitorino, Joni Mitchell, Vasco Graça Moura, Júlio Pomar, David Mourão-Ferreira ou Paul Éluard.



E, agora, após, o Live (2006) dedicado a Amália e Abril (2007) sobre José Afonso, Kronos é – como já eram Sensus (2003) ou Ulisses – um arco conceptual de melodias e textos de José Mário Branco, Sérgio Godinho, Amélia Muge, Hélia Correia, Vitorino, Janita Salomé, Victorino d’Almeida, Mário Laginha, Carlos Bica, João Paulo Esteves da Silva, Ricardo Dias ou Manuel Alegre. E... é fado? A ortodoxia decretará que só vagamente isso acontece. O resto do universo ficará eternamente grato a Cristina, não se cansará de lhe suplicar que continue a emprestar a transparência da voz a canções como “Bomba Relógio” (Sérgio Godinho), “O Meu Calendário”, “Histórias do Tempo” (Amélia Muge), “Bichinhos Distraídos” (Mário Branco) ou “Fado do Mal Passado” (Pomar/Vitorino d’Almeida) e, fado, tango, blues ou bossa-nova, em pas-de-deux com a guitarra de José Manuel Neto – como ela diria: “pronto, é fado!” – ou o piano de Ricardo Dias, não se arrependa nunca de possuir uma alma musical tão admiravelmente herética.

(2009)

2 comments:

fallorca said...

Sério que não vou dizer nada, embora vontade não me falta

menina alice said...

Confesso-me já rendida também à bomba relógio. Sou tão fácil...