07 December 2008

NADA PARA PÔR LÁ DENTRO


F. J. Viegas

"Há cerca de 20 anos eu dava aulas numa universidade. Um dia lembrei-me de falar de A Cidade e as Serras - em 30 alunos, só dois tinham lido o clássico. Como era uma turma de 4º ano (e dedicada à 'formação de professores'), achei que deviam ler o livro. A reacção foi de choque e pavor. Percebi depois a natureza dessa sensação quando uma aluna me explicou que tinham aulas de Psicopedagogia, Pedagogia, Didáctica, História da Educação, Administração Escolar, Legislação Escolar - e até uma para lhes ensinar a usar projector de slides ou retroprojector. Portanto, miseravelmente, não tinham tempo para ler. Ou seja: sabiam como ensinar e manusear toda aquela geringonça - mas não tinham nada para ensinar. Para pôr lá dentro - dentro dos relatórios, dos diapositivos, dos diaporamas, dos arquivos de power-point. Vinte anos depois, a sensação repete-se num cenário semelhante; todos reconhecem que vai por aí uma grande festança com 'o Magalhães', o computador que salvará Portugal e gerará alunos ilustrados e trabalhadores, eliminando a iliteracia e - de passagem - a necessidade de caligrafia, essa escrescência de séculos marcados pela ignorância e pela infâmia. Ora, eu duvido que saibam o que pôr lá dentro, para lá de losangos desenhados a rigor e de consultas à Internet. Não me refiro sequer ao folclore que rodeia a apresentação e a publicidade aos 'Magalhães'. Mas lamento que o cenário e o enredo se repitam. Pobre escola". (Francisco José Viegas, na revista "Ler", de Dezembro)

(2008)

2 comments:

gorgulho said...

estava mesmo lá escrito "escrecência"?

gorgulho said...

"escrescência",digo