08 December 2008

INFLEXIBILIDADE NEURAL



The Fireman - Electric Arguments

“Inflexibilidade neural”. É através deste poético eufemismo científico que Steven Mithen, em The Singing Neanderthals (onde discute e investiga as origens da linguagem e da música), explica a incapacidade de gorilas e chimpanzés, no estado selvagem, ampliarem o seu reportório de gritos e chamamentos. Subindo um pouco na escala evolutiva, consideremos, então, que também à inflexibilidade neural se deve o facto de, apenas tarde e a más horas, uma multidão de críticos e hermeneutas da obra dos Beatles se ter apercebido que, de entre os “fab four”, Paul McCartney era o elemento musicalmente mais aventureiro e dado à experimentação, lugar que, até aí, fora sempre indevidamente ocupado por John Lennon. Afinal, Sir Paul não era só o cantaroleiro dos “Obladis” mas sim aquele que pusera os outros a escutar Stockhausen e fora responsável pelos momentos esteticamente “transgressivos” de peças como “A Day In The Life” ou “Tomorrow Never Knows”. Acrescente-se, agora, a má consciência à inflexibilidade neural e desvendaremos o mistério de, na esmagadora maioria das recensões de Electric Arguments, a repetição da frase “de entre os 'fab four', Paul McCartney era o elemento musicalmente mais aventureiro e dado à experimentação” surgir como um mantra doentiamente obsessivo. Azar! Porque, mais uma vez, é tarde e a más horas. O aparentemente ressuscitado McCartney “cool” cessou a actividade com a dissolução dos Beatles e – dos Wings aos pastelões sinfónicos de ambição “erudita”, passando pelas ignoráveis investidas na “electrónica ambiental” de Strawberries Oceans Ships Forest (1993) e Rushes (1998) com Youth (ex-Killing Joke), sob o pseudónimo The Fireman, até a este novo opus da dupla que falha rotundamente a pretendida síntese entre o vocabulário pop e outra qualquer coisa que não se entende muito bem o que será – não voltou a retomá-la.

(2008)

1 comment:

Paulo said...

Injusto. É um disco excelente. Cada vez me parece mais que não é a música, o que está em causa.