12 August 2008

TOM WAITS: AUTOBIOGRAFIA EM PEQUENAS PRESTAÇÕES, DITOS DE ESPÍRITO E SABEDORIA (XXXVIII)



“Eu não era mais estranho do que os outros putos. Simplesmente, cresci sem vigilância. Aos nove anos, fumava dois maços de cigarros por dia. Aos dezassete já me tinha casado e divorciado duas vezes. Agora que tenho filhos, pergunto-me como puderam deixar-me fazer tais coisas, como é que a América me autorizou a ser assim? Mas nasci dela, como dizia o Bukowski. Estamos todos encurralados na nossa própria vida... é impossível sair. Andava à procura do meu lugar. Era o caracol a tentar atravessar a estrada.

(...)

"A verdade é que a maioria das coisas que as pessoas sabem acerca de mim é tudo invenção. A minha vida pessoal decorre nos bastidores. Por isso, aquilo que se ‘sabe’ sobre mim foi aquilo que eu permiti que se soubesse. É como um número de ventríloquo. E é também uma forma de mantermos a nossa vida pessoal em segurança. O que é saudável e essencial. Não sou daquelas pessoas que os tablóides perseguem. É preciso apagar esse cheiro – é como sangue na água para os tubarões. E eles sabem-no e apercebem-se de que estamos de acordo com isso. Não sou desses. Invento cenas. Não há nada que se possa dizer que volte a ter o mesmo significado quando é repetido. Antes de existirem gravações, tudo era submetido à folclorização. Fazíamos todos parte da composição, da evolução e da migração das canções. Esquecíamo-nos de um verso, mudávamos o género ou, se estávamos a cantar para miúdos, eliminávamos um verso menos apropriado... acontece o mesmo com as anedotas – como é que elas chegam até nós? Inverter o percurso e descobrir-lhes a origem, isso é que seria fascinante.

(...)

2006

(2008)

6 comments:

menina alice said...

"É preciso apagar esse cheiro – é como sangue na água para os tubarões. E eles sabem-no e apercebem-se de que estamos de acordo com isso."

E isto é mesmo a base de tudo. Nestas férias, pararam-me nas mãos, no espaço de uma semana, umas cinco revistas dessas "de sociedade" e é arrepiante o que mostram, mas sobretudo como mostram, assumem e sentenciam sobre a vida que as pessoas levam e exibem (ou não).

João Lisboa said...

Pois é, mas parece-me que as revistas são realmente a água - imunda, insalubre - que transporta o "cheiro a sangue". Os tubarões são quem as consome.

Anonymous said...

Belo naco de prosa. Onde foi sacado, João?

menina alice said...

"Os tubarões são quem as consome."

Em parelha com os artistas que as alimentam e renegam alternadamente. Ou, melhor dizendo, em regime de alterne.

João Lisboa said...

"Belo naco de prosa. Onde foi sacado, João?"

Nesta altura, já não sei dizer. Ou melhor, sei que fiz copy+paste de uma série de entrevistas dele que ainda não tinha, a partir da Tom Waits Library (que está aí ao lado, na lista dos limks). Esta era uma em francês...

João Lisboa said...

links