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“Eu não era mais estranho do que os outros putos. Simplesmente, cresci sem vigilância. Aos nove anos, fumava dois maços de cigarros por dia. Aos dezassete já me tinha casado e divorciado duas vezes. Agora que tenho filhos, pergunto-me como puderam deixar-me fazer tais coisas, como é que a América me autorizou a ser assim? Mas nasci dela, como dizia o Bukowski. Estamos todos encurralados na nossa própria vida... é impossível sair. Andava à procura do meu lugar. Era o caracol a tentar atravessar a estrada.
(...)
"A verdade é que a maioria das coisas que as pessoas sabem acerca de mim é tudo invenção. A minha vida pessoal decorre nos bastidores. Por isso, aquilo que se ‘sabe’ sobre mim foi aquilo que eu permiti que se soubesse. É como um número de ventríloquo. E é também uma forma de mantermos a nossa vida pessoal em segurança. O que é saudável e essencial. Não sou daquelas pessoas que os tablóides perseguem. É preciso apagar esse cheiro – é como sangue na água para os tubarões. E eles sabem-no e apercebem-se de que estamos de acordo com isso. Não sou desses. Invento cenas. Não há nada que se possa dizer que volte a ter o mesmo significado quando é repetido. Antes de existirem gravações, tudo era submetido à folclorização. Fazíamos todos parte da composição, da evolução e da migração das canções. Esquecíamo-nos de um verso, mudávamos o género ou, se estávamos a cantar para miúdos, eliminávamos um verso menos apropriado... acontece o mesmo com as anedotas – como é que elas chegam até nós? Inverter o percurso e descobrir-lhes a origem, isso é que seria fascinante.
(...)
2006
(2008)
6 comments:
"É preciso apagar esse cheiro – é como sangue na água para os tubarões. E eles sabem-no e apercebem-se de que estamos de acordo com isso."
E isto é mesmo a base de tudo. Nestas férias, pararam-me nas mãos, no espaço de uma semana, umas cinco revistas dessas "de sociedade" e é arrepiante o que mostram, mas sobretudo como mostram, assumem e sentenciam sobre a vida que as pessoas levam e exibem (ou não).
Pois é, mas parece-me que as revistas são realmente a água - imunda, insalubre - que transporta o "cheiro a sangue". Os tubarões são quem as consome.
Belo naco de prosa. Onde foi sacado, João?
"Os tubarões são quem as consome."
Em parelha com os artistas que as alimentam e renegam alternadamente. Ou, melhor dizendo, em regime de alterne.
"Belo naco de prosa. Onde foi sacado, João?"
Nesta altura, já não sei dizer. Ou melhor, sei que fiz copy+paste de uma série de entrevistas dele que ainda não tinha, a partir da Tom Waits Library (que está aí ao lado, na lista dos limks). Esta era uma em francês...
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