ADIVINHAR O PREFÁCIO
Foi um início de conversa atribulado. De facto, falar com alguém acerca de um álbum do qual, nesse momento, ainda não se escutou nem uma semifusa não é a coisa mais simples deste mundo. E, especialmente, se o autor – Tricky, no caso – quando informado da peculiaridade da circunstância, insiste, no mais puro “ebonics”, que “you gotta listen to the album!”. Só resta, assim, a estratégia de circum-navegação do tópico central – a publicação de Knowle West Boy, cinco anos depois de Vulnerable - esperando que, nesse périplo, se consiga, aqui e ali, avistar terra. Começando por aí mesmo, pelo interregno de cinco anos: “Foram coisas de contratos e advogados. Eles gostam muito de prolongar os processos, é uma técnica para ganharem mais dinheiro. Depois, estive a realizar um filme, Brown Punk (uma espécie de documentário que baralha os traços de separação entre realidade e ficção) que também tive de adiar”. Mas, ainda assim, poderá saber-se alguma coisa sobre o disco?... “Tenho a sorte de todos os meus álbuns serem diferentes, este é mais um episódio numa outra linha temporal. É como o prefácio para um segundo capítulo. Grande parte dele concentra-se no comentário social, o resto é mais pessoal”.
Insistência diplomaticamente oblíqua: terá Tricky esgotado neste CD tudo o que compôs durante a prolongada ausência? “Tenho na gaveta material para, pelo menos, dois ou três álbuns. Muitas vezes, gravo coisas e, depois, esqueço-me que as registei. E, quando estou a trabalhar noutro álbum, de repente, recordo-me do que tinha guardado e é exactamente aquilo de que precisava. Se, por exemplo, estou a fazer uma remix, posso pegar numa canção antiga e sobrepor-lhe a letra do que estou a remisturar. Ou ofereço esse material que não uso a outros cantores, como aconteceu com três faixas, no álbum da Martina Topley-Bird. Gosto muito de trabalhar em estúdio mas não sinto grande falta se estiver sem entrar lá durante seis meses. Sou capaz de passar imenso tempo em que a única coisa que me apetece fazer é escrever textos para as canções. O que me empurra para o estúdio é ouvir a música dos outros, o espírito de competição. Quando alguém me diz ‘ouve isto, é uma cena nova’, eu respondo ‘Ai isso é que é novo?...’ e salto imediatamente para o estúdio!"
Mudança de agulha para lhe recordar um seu memorável concerto, em 1997, no Coliseu de Lisboa – negrume sufocantemente claustrofóbico, clima sonoro mórbido e cavo, um baile dormente de espectros – e inquirir se esse mesmo ambiente de palco se mantém. Aparentemente, adensou-se: “A atmosfera que procuro em concerto tem muito pouco a ver com o lado visual. O essencial é conseguir entrar no espírito da música. É como um mantra, como um exercício de meditação. Tenho de me transportar para outro lugar. É muito mais um ritual de vudu do que um concerto. Reviro os olhos, não vejo nada, não oiço nada. Digo aos meus músicos para usarem em palco exactamente a mesma roupa que vestiram de manhã, quando se levantaram. Se não despiram o pijama, toquem de pijama. Não gosto de falsas representações em palco, prefiro manter a sensação de perigo”. Última paragem: década e meia após aquela sucessão de anos que, sob o duplo guarda-chuva da “Bristol scene” e do trip-hop, lançou ao mundo os Massive Attack, Portishead e o seu Maxinquaye, como vê Tricky a ondulação que isso provocou no grande charco pop? “É uma sensação estranha quando me falam da importância dos meus álbuns. Para mim, Maxinquaye foi apenas um álbum. Mas é verdade que oiço muitas coisas minhas nos Neptunes ou no Timbaland. Mesmo que eles não façam ideia de quem eu sou. Uma vez, no Japão, um tipo disse-me que a minha música soava muito à do Timbaland. Tive de lhe dizer que era melhor que ele fizesse os trabalhos de casa...”.
(2008)
22 July 2008
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2 comments:
Assombroso concerto esse de 97. Do meu top 5.
gostava de poder ter partilhado o assombro. não pude. aos 20 anos, fiquei de castigo em casa. juro pela minha saúdinha.
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