SUPERMELODRAMA
Devotchka - A Mad And Faithful Telling
Tudo começou há vinte e tal anos com as experiências de fusão entre pop e “world music” de Paul Simon, David Byrne, Peter Gabriel ou Hector Zazou. Em rigor, terá começado, talvez, bastante antes disso, por impulso do Tropicalismo brasileiro – mas, como os ingredientes “world”, no caso, decorriam da natureza dos próprios músicos de quem partira a iniciativa da experiência, nem sempre é contabilizada como tal. Se insistirmos mesmo em colocar-lhe uma data fundadora, então, terá, inevitavelmente, de ser a de 29 de Junho de 1987 quando, no pub do norte de Londres, "Empress Of Russia", três dezenas de “media operators” cunharam a designação “world music".
Mas, no entanto, em todos os inúmeros exemplos que, desde aí, ocorreram, nas mais desvairadas declinações – dos Transglobal Underground e Loop Guru às “jams” de Lee Ranaldo com os Master Musicians Of Jajouka, aos Saqqara Dogs, Hedningarna ou Gaiteiros de Lisboa –, persistia um excesso de “desejo de autenticidade” e ausência de descaramento genuinamente “fake” que lhes impedia (quer o desejassem ou não) o acesso claro e indiscutível ao universo pop. Foi, justamente, isso que, provavelmente, começou a mudar nos últimos tempos com o aparecimento de diversas bandas que, não sentindo a menor necessidade de exibir “pedigree” na coisa folk/world, se apropriaram, sem cerimónias, do que imaginam – com “autenticidade” infinitamente variável – serem as diversas tonalidades das músicas do mundo e, como tal, as incorporaram naquilo que vão engendrando. Enumerem-se, pois, Vampire Weekend, A Hawk And A Hacksaw, Balkan Beat Box, Gogol Bordello, Beirut, Black Ox Orkestar, Golem, The World Inferno Friendship Society e, agora, os Devotchka. Por algum motivo, com excepção dos Vampire Weekend, todos garimpam na mesma mina eslava/balcânica/cigana e, a partir daí, em modo estético-do-it-yourself, inventam regiões demarcadas pop alternativas que dão por nomes como “gypsy punk”, “world culture clash” ou, segundo os Devotchka, “supermelodrama”.
A quem, por ínvios caminhos, o selo de garantia pop nunca poderá ser negado: originários de Denver, no Colorado, incluem um cantor-compositor de ascendência siciliana e cigana, um baterista-trompetista de raíz punk, devoto de mariachi e educado a escutar polcas lituanas, uma baixista/sopradora de sousafone com currículo em bandas revivalistas da Guerra Civil e um violinista de formação clássica. No muito promissor início de carreira, acompanharam os espectáculos de strip-tease “burlesque” da ex-Mrs Marilyn Manson, Dita Von Teese, num inesperado salto quântico, encarregaram-se da mui louvada banda sonora do oscarizado Little Miss Sunshine (2006) e, agora, com A Mad And Faithful Telling (título inspirado em Edgar Allan Poe), a banda portadora de um nome surripiado à Laranja Mecânica de Kubrick propõe-nos mais um soberbo pitéu de “post-millenial multiculturalism” que seria insensato recusar. Um dia, o filão de leste também há-de esgotar-se mas, por enquanto, o empreendimento até nem está a correr nada mal. (2008)
1 comment:
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