SAÍDA BLOQUEADA
Evangelista - Hello, Voyager
No folheto interior do CD, como se nada fosse, Carla Bozulich descreve os doze minutos do último tema – a faixa-título do álbum – como “a live improv” que foi “really fun” e identifica os potenciais destinatários: “if you like Armaggedon, women and song”. Antes de ir mais longe, é imprescindível tornar público que Bozulich também admite facilmente que sempre preferiu “o tipo de música que só soa bem se for tão intensa que o corpo nos doa”. É possível, no entanto, que este alerta não seja suficiente para que, quem se disponha a escutar Hello, Voyager fique suficientemente preparado para o que o aguarda: nem Nick Cave, nos tempos mais desabridamente apocalípticos dos Birthday Party, nem Diamanda Galás uivando sobre cenários de peste, nem, talvez, Scott Walker, despenhando-se sobre os abismos de trevas de Tilt e The Drift, terão concebido algo de tão desmedidamente avassalador como esta homilia alucinada declamada por entre os escombros de um templo da derradeira barbárie, esta arenga esquizóide de electrochoques na laringe, erguida sobre uma paisagem na qual “there isn’t any prison, no church no super mercado no fucking white house outta reach no taj mahal it’s all dust all ashes all over. It’s all over. It doesn’t matter if you had any coin or syphillis or diplomatic immunity. None of us will survive this gaseous sky for more than nie on a day. To the rats! All the machines gone dead, infected with the truth of splattered red. Come to us”.
Noventa e cinco linhas de texto em página de dimensão superior a A4 para o Howl que Allen Ginsberg teria escrito se nunca tivesse recebido alta do hospital psiquiátrico de Rockland, recitado por uma Patti Smith possessa, no segundo imediatamente anterior ao instante em que um aneurisma lhe explode no cérebro. Carla Bozulich inventa actos de contrição (“The world was hurting every second but I was busy masturbating”), reincide nas falhas (“This is me turning my head as nazis coaxed nations to kill innocence forever and this is me flipping the remote between that and the simpson’s sonic youth episode”), um destacamento electroacusticamente armado de músicos dos A Silver Mt. Zion, GY!BE e Secret Chiefs 3, reforçado por uma brigada de demolição de percussões (a saber, o colectivo designado como Evangelista), incinera toda a vida à volta e, pelo meio dos restos mortais dos blues tal como Captain Beefheart os abandonou sobre a mesa de autópsia, vislumbra-se uma, só uma, hipótese de redenção: “This is your chance to shed the moral rash that coats your body in asphyxiating hope”. Nas restantes oito faixas do álbum, escutamos as “lullabies” que, do outro lado, adormeceriam Alice após ter ficado com os estilhaços do espelho cravados na carne, secções de cordas são maliciosamente conduzidas para fantasmagorias onde, habitualmente, receiam aventurar-se e, uma por uma, cumprem-se, até ao aterrador final, todas os passos desta liturgia de “gospel noise”. A saída de emergência encontra-se bloqueada. (2008)
1 comment:
«sempre preferiu “o tipo de música que só soa bem se for tão intensa que o corpo nos doa”»
Se fosse só o corpo a doer... A moça, a produzir obras-primas assim, arranca-me o corpo e destrói-me a alma, cavalgando em direcção ao abismo. E depois, claro, já sei o resultado: Horas e horas gastas na psiquiatria. Bozulich, por amor de Deus (isto dito por um ateu até tem a sua piada), evita criar discos assim tão dilacerantes. Se queres, vai sozinha p´ró inferno!
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