UMA PRODIGIOSA SUCESSÃO DE ACONTECIMENTOS CONDUZIU-ME A RESSUSCITAR UMA MÃO-CHEIA DE "OFF-THE RECORDS", DE NOVO (plus ça change...), DESGRAÇADAMENTE PERTINENTES (I)
SÃO BENTO E OS ANJOS
1) Portugal é, finalmente, um país moderno. Isto é, vulgar e ordinário. Aquilo que gerações de "revolucionários" procuraram sem êxito — a mítica "ligação às massas" que haveriam de transformar o mundo — foi, por fim, encontrada. Como diria Chuck Berry, "Roll over Marx, Lenin and Mao", a verdadeira Democracia Popular triunfou definitivamente. E, agora, nas palavras de um dos seus mais destacados teórico-práticos, Emídio Rangel, "quando o público gosta, não há nada a fazer". É preciso respeitar a soberana vontade do povo ("não somos nós que determinamos o mercado") e, embora a baixa cultura Endemol cuscuvilheira de sopeiras, contínuas e porteiras que não conhece outra transcendência que não seja espreitar pelo buraco da fechadura da desgraçada vida alheia não fosse a sua "cup of tea", há que obedecer ao gosto da plebe.
2) Segue-se que a razão reside nos injustiçados "ortodoxos" do PCP que, se tiverem olhinhos na cara, vão a correr recuperar a "ditadura do proletariado". Pois, se o socialismo científico é aquela forma de governo em que "até uma cozinheira pode dirigir o aparelho de Estado", pensem bem, não chegámos já lá? Mas não é só a SIC que disputa com a TVI o exclusivo do "Big Brother", dos "Acorrentados" mais as outras formas de invasão democrática da ignomínia privada. Pode-se, claro, dizer sempre que o televisor é apenas um aparelho tendencialmente desligado que as pessoas de bem escondem na mobília. Mas o Estado, que se acoita à sombra de Fundações semi-privadas que dissimulam a sua atávica impotência para realizar o que quer que seja eficazmente, existe mesmo ou tem de ir atrás?
3) Quero eu dizer — e não será esse o "facto político-cultural" de 2000? —, deveriam os infelizes Anjos ter-se apresentado em "concerto" na Assembleia da República durante o Natal e legitimar oficialmente a nova ordem "pimba" da Pátria? Deviam. É lamentavelmente triste, mas deviam. Porque os pais dos filhos para que eles cantaram são tão "pimba" como eles, gostam do mesmo, obedecem. Votam no Benfica e nos outros, vociferam contra (ou a favor) da co-incineração, acham que o Euro-2004 é um imperativo nacional, comem (ou não comem) queijo limiano, emocionam-se com os pobres, aos gritos, nos telejornais e, por aí, determinam o sentido de voto "útil" na Assembleia. A seguir, virá aquele universo onde, Alberto João será Presidente e João Baião ministro da Cultura. A Nação identificou-se com o Povo e o Povo tomou conta da Pátria. Quem quiser que o ature. Mas a revolução popular, ninguém duvide, triunfou. (2000)
2) Segue-se que a razão reside nos injustiçados "ortodoxos" do PCP que, se tiverem olhinhos na cara, vão a correr recuperar a "ditadura do proletariado". Pois, se o socialismo científico é aquela forma de governo em que "até uma cozinheira pode dirigir o aparelho de Estado", pensem bem, não chegámos já lá? Mas não é só a SIC que disputa com a TVI o exclusivo do "Big Brother", dos "Acorrentados" mais as outras formas de invasão democrática da ignomínia privada. Pode-se, claro, dizer sempre que o televisor é apenas um aparelho tendencialmente desligado que as pessoas de bem escondem na mobília. Mas o Estado, que se acoita à sombra de Fundações semi-privadas que dissimulam a sua atávica impotência para realizar o que quer que seja eficazmente, existe mesmo ou tem de ir atrás?
3) Quero eu dizer — e não será esse o "facto político-cultural" de 2000? —, deveriam os infelizes Anjos ter-se apresentado em "concerto" na Assembleia da República durante o Natal e legitimar oficialmente a nova ordem "pimba" da Pátria? Deviam. É lamentavelmente triste, mas deviam. Porque os pais dos filhos para que eles cantaram são tão "pimba" como eles, gostam do mesmo, obedecem. Votam no Benfica e nos outros, vociferam contra (ou a favor) da co-incineração, acham que o Euro-2004 é um imperativo nacional, comem (ou não comem) queijo limiano, emocionam-se com os pobres, aos gritos, nos telejornais e, por aí, determinam o sentido de voto "útil" na Assembleia. A seguir, virá aquele universo onde, Alberto João será Presidente e João Baião ministro da Cultura. A Nação identificou-se com o Povo e o Povo tomou conta da Pátria. Quem quiser que o ature. Mas a revolução popular, ninguém duvide, triunfou. (2000)
3 comments:
Há já muito tempo que nesta latrina o ar se tornou irrespirável.
Exacto.
Parece que vou ter de acrescentar ainda outro post aos previstos...
por falar em latrina c'est l'air du temps (e porra - por falar em povo - espero que desta vez isto esteja bem escrito)
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