29 September 2007

UMA PRODIGIOSA SUCESSÃO DE ACONTECIMENTOS CONDUZIU-ME A RESSUSCITAR UMA MÃO-CHEIA DE "OFF-THE RECORDS", DE NOVO (plus ça change...), DESGRAÇADAMENTE PERTINENTES (I)



SÃO BENTO E OS ANJOS

1) Portugal é, finalmente, um país moderno. Isto é, vulgar e ordinário. Aquilo que gerações de "revolucionários" procuraram sem êxito — a mítica "ligação às massas" que haveriam de transformar o mundo — foi, por fim, encontrada. Como diria Chuck Berry, "Roll over Marx, Lenin and Mao", a verdadeira Democracia Popular triunfou definitivamente. E, agora, nas palavras de um dos seus mais destacados teórico-práticos, Emídio Rangel, "quando o público gosta, não há nada a fazer". É preciso respeitar a soberana vontade do povo ("não somos nós que determinamos o mercado") e, embora a baixa cultura Endemol cuscuvilheira de sopeiras, contínuas e porteiras que não conhece outra transcendência que não seja espreitar pelo buraco da fechadura da desgraçada vida alheia não fosse a sua "cup of tea", há que obedecer ao gosto da plebe.

2) Segue-se que a razão reside nos injustiçados "ortodoxos" do PCP que, se tiverem olhinhos na cara, vão a correr recuperar a "ditadura do proletariado". Pois, se o socialismo científico é aquela forma de governo em que "até uma cozinheira pode dirigir o aparelho de Estado", pensem bem, não chegámos já lá? Mas não é só a SIC que disputa com a TVI o exclusivo do "Big Brother", dos "Acorrentados" mais as outras formas de invasão democrática da ignomínia privada. Pode-se, claro, dizer sempre que o televisor é apenas um aparelho tendencialmente desligado que as pessoas de bem escondem na mobília. Mas o Estado, que se acoita à sombra de Fundações semi-privadas que dissimulam a sua atávica impotência para realizar o que quer que seja eficazmente, existe mesmo ou tem de ir atrás?

3) Quero eu dizer — e não será esse o "facto político-cultural" de 2000? —, deveriam os infelizes Anjos ter-se apresentado em "concerto" na Assembleia da República durante o Natal e legitimar oficialmente a nova ordem "pimba" da Pátria? Deviam. É lamentavelmente triste, mas deviam. Porque os pais dos filhos para que eles cantaram são tão "pimba" como eles, gostam do mesmo, obedecem. Votam no Benfica e nos outros, vociferam contra (ou a favor) da co-incineração, acham que o Euro-2004 é um imperativo nacional, comem (ou não comem) queijo limiano, emocionam-se com os pobres, aos gritos, nos telejornais e, por aí, determinam o sentido de voto "útil" na Assembleia. A seguir, virá aquele universo onde, Alberto João será Presidente e João Baião ministro da Cultura. A Nação identificou-se com o Povo e o Povo tomou conta da Pátria. Quem quiser que o ature. Mas a revolução popular, ninguém duvide, triunfou. (2000)

3 comments:

Anonymous said...

Há já muito tempo que nesta latrina o ar se tornou irrespirável.

João Lisboa said...

Exacto.

Parece que vou ter de acrescentar ainda outro post aos previstos...

Ana Cristina Leonardo said...

por falar em latrina c'est l'air du temps (e porra - por falar em povo - espero que desta vez isto esteja bem escrito)