14 March 2007

PUNK/NEW-WAVE? EU?!!!...



Ele faz e toca. Não analisa nem tem queda para se perder em introspecções e reconstituições históricas. O CBGBs foi apenas um episódio que só acessoriamente viria a constituir-se como "cena" musical autónoma e, já agora, os Television chegaram lá primeiro. Sim, Tom Verlaine, guitarrista e compositor de uma das bandas-farol do punk/new-wave novaiorquino da segunda metade da década de 70 (e não, os Television não eram punk/new-wave), recusa-se a cooperar com os biógrafos — eles que façam o trabalho de casa — e, agora que o grupo optou por se reunir esporadicamente apenas para concertos, faz gala de uma conveniente amnésia que só retém a música que criou e fez "delete" para todo o resto. Ah!, mas conhece Carlos Paredes e Amália e gosta muito de ambos.


Television - "Little Johnny Jewel"

Acerca dos concertos que os Television, desde há algum tempo, têm vindo a dar, pode-se falar de uma reunião do grupo?
Não. Há cerca de sete anos que estamos a fazer concertos, na Europa, no Japão, nos Estados Unidos. Mas não se trata realmente de uma reunião, não temos nenhum disco novo. Temos trabalhado algumas canções novas mas muito lentamente.

Talvez hoje mais do que nunca seja importante falar do papel que os Television desempenharam em meados dos anos 70 no desencadear da cena criada à volta do CBGBs, no punk/new wave novaiorquino? Tem a noção da importância que a banda e toda essa era tiveram?
Nunca penso nesses tempos. Deixo esse trabalho para os jornalistas.



Mas tem alguma memória dessa época?
Um pouco. Não muito. Parece-me difícil dizer quanto é que alguém é capaz de se recordar de coisas que aconteceram há vinte e cinco ou trinta anos. Quando começámos a tocar no CBGBs era apenas um bar que descobrimos onde nos deixavam tocar. Só depois é que as outras bandas começaram a chegar e a tocar também. Cerca de dois anos mais tarde, já havia bandas de fora da cidade que se apresentavam lá. Não era exactamente aquilo a que poderíamos chamar uma "cena". Só algum tempo depois é que se veio a transformar nisso.


Television - "1880 Or So"

Os Television eram uma banda fora de qualquer sentido de grupo ou movimento ou sentiam alguma afinidade com outros grupos e músicos?
Não sei. Dizíamos sempre "olá" uns aos outros (risos)... As bandas eram tão diferentes umas das outras.

Mas, quando começaram, havia bandas ou guitarristas que admirassem?
Não. Foi exactamente por isso que fizemos a banda. Porque não gostávamos de ninguém. Ouvíamos alguma música de guitarras dos anos 50 e 60 mas não tínhamos paciência para o que se fazia nos anos 70.



Curiosamente, no entanto, os Television eram encarados um pouco como a "jam band" da altura, uma espécie de Grateful Dead do punk/new wave. Faziam solos, improvisavam, tocavam temas longos...
É natural que esse tipo de relações se possa estabelecer. Mas parece-me que isso é uma questão para os historiadores da época resolverem. Não penso que esse seja o meu papel como músico. Eu limito-me a escrever as canções, a trabalhá-las, a decidir se algumas admitem espaço para improvisação ou se outras nos obrigam a conter-nos mais. Punk não era porque no punk não se improvisa. Nós usávamos quatro ou cinco acordes e o punk só usava três. Essa era uma diferença crucial! (risos)


Television - "Marquee Moon"

Já ouviu bandas como os Strokes ou Yeah Yeah Yeahs que se dedicam ao revivalismo da música desses anos?
Nada. Mas não me surpreende que sejam populares porque, há cinco anos, não havia em Nova Iorque nada que se lhes assemelhasse. E não, não me sinto como santo padroeiro deles (risos).

O ponto de vista musical dos Television dessa época e actualmente é o mesmo?
Não sei... talvez se possa apenas dizer que tocamos com equipamento melhor (risos) É verdade que já tocamos há muito tempo mas não sei se isso será suficiente para se poder falar em evolução.



Li algures que, embora os maiores elogios fossem sempre dirigidos para a sua forma de tocar guitarra, na verdade, dedicava bastante mais atenção aos textos das canções do que propriamente à música. É verdade?
É verdade, é. As pessoas prestam pouca atenção a isso, ligam muito mais ao que eu faço com a guitarra. Especialmente na Europa onde, de qualquer forma, também não entenderão muito bem os textos.

Quando os dois únicos álbuns originais dos Television (excluindo agora o da reunião de 92) saíram, não ficaram muito satisfeitos com a qualidade da gravação. Agora que foram reeditados, parecem-lhes melhor?
Da primeira vez, não ficaram grande coisa, não. Teve tudo a ver com as técnicas de gravação e problemas sonoros muito específicos muito mais do que com a nossa performance. As reedições não estão mal, não tenho, de facto, muitas razões de queixa. Mas ficam sempre aquém de como, no fundo, desejaríamos.


Television - "Foxhole"

Vê a sua posterior discografia a solo como algo de claramente diferente do que era a banda ou como uma sua continuação dela?
Não sei. Gosto do formato de duas guitarras, baixo e bateria e têm isso em comum. Também têm em comum o facto de ser eu a escrever as canções. Mais uma vez, não acho que seja uma coisa para que eu esteja terrivelmente habilitado para analisar.

Soube que tem estado também envolvido na execução ao vivo de música para filmes...
É verdade. Tenho trabalhado com o meu guitarrista favorito Jimmy Ripp. Conheço-o desde 82. É muito intuitivo. Tocamos ao vivo durante a projecção de seis ou sete filmes mudos (de Man Ray, Fernand Léger, Dreyer e outros de realizadores americanos dos anos 20) desde há quatro anos o que iremos fazer também em Portugal, em Julho. É uma combinação de música escrita e improvisada para duas guitarras. Reagimos às imagens, já as vimos dezenas de vezes, por isso existe já algo de estabelecido no que diz respeito a sequências de acordes, não é uma improvisação "free-form". Já agora, diga-me uma coisa: o Carlos Paredes ainda é vivo?

Sim. Mas conhece os seus discos?
Conheço. Por volta de 1999, uma amiga de Lisboa enviou-me quatro álbuns dele. Impressionaram-me imenso. É um músico único. Tenho também para aí uma dúzia de discos de Amália. E conheço algumas coisas de fado mas nada por aí além. (2004)

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