15 March 2007

ELECTRIC GUITAR MUSIC



Tom Verlaine - Songs And Other Things e Around





Sonic Youth - Rather Ripped



Tom Verlaine foi capa da "Wire" de Abril e os Sonic Youth da de Junho. E, embora a revista que, desde 1994, ostenta como lema "adventures in modern music" já desde há algum tempo tenha desistido de explicitar que "modern music" significa "electronica, post-rock, drum'n'bass, new jazz & classical and global" — demonstrando, assim, como alguma "modern music" rapidamente deixa de ser moderna e, simultaneamente, abrindo-se a outros géneros e estilos —, a verdade é que, tanto um como os outros, nunca deixaram de ser, por natureza e definição, o exacto tipo de músicos/artistas que a redacção da "Wire" tem no coração. Com muito boas razões para isso: sem nunca abdicar daquilo que só se pode designar como "sensibilidade e instinto pop", Verlaine e os Youth possuem um apetite voraz pela experimentação sonora (e não só) que sempre tornou difícil enquadrá-los rigorosamente numa determinada área musical (voltemos à "Wire": alguma das sub-categorias das páginas de crítica — "avant rock", "critical beats", "dub", "electronica", "global", "hiphop", "jazz & improv", "outer limits" —, à excepção, com alguma boa vontade, de "avant rock", serviria para os definir integralmente?) não deixando de fora uma significativa parcela da sua actividade.



O caso dos SY, então, é absolutamente esclarecedor: só nos anos mais recentes, Thurston Moore colaborou com figuras da música improvisada e áreas limítrofes como Leslie Kefner, John Moloney e Paul Labrecque (dos Sunburned Hand Of The Man), Prurient e Vampire Belt, integrou os Diskaholics Anonymous Trio, Dream Aktion Unit, Northampton Wools e College Girls Gone Wild e funcionou como motor das editoras independentes Ecstatic Yod e Ecstatic Peace (para além da SYR dedicada aos projectos "off" da banda); Kim Gordon, juntamente com a artista Jutta Koether, participou, na South London Gallery, na performance musical "Reverse Karaoke", com DJ Olive, Jim O'Rourke, Ikue Mori e Tim Barnes interpretou ao vivo, no Barbican, a música do filme de Tony Oursler e Phil Morrison, Perfect Partner (para o qual também escreveu o argumento) e reactivou o duo Mirror/Dash com Thurston Moore;



Lee Ranaldo publicou um livro de poesia (Lengths and Breaths), reeditou o anterior, Road Movies, acrescentando-lhe um CD com a música para Drift (uma peça multimedia realizada com a mulher, Leah Singer), gravou um álbum de canções que deverá sair no final deste ano pela Ecstatic Peace, envolveu-se com músicos da comunidade "improv/noise" como David Watson, Tony Buck e Campbell Neale e manteve em acção, com Alan Licht, o núcleo de "film/live performance" Text Of Light; Steve Shelley (que também integrou os Text Of Light), enfim, tem vivido soterrado sob toneladas de velhas gravações dos Sonic Youth, trabalhando nas reedições da banda, mas anuncia para breve (na sua "indie" Smells Like Records) um disco dos Two Dollar Guitar, isto é, ele e o guitarrista Tim Foljahn.



Não sendo, propriamente, aquilo a que, habitualmente, se chama "workaholic" (o seu último álbum a solo, Warm And Cool, data de 1992...), Tom Verlaine, após a reunião e álbum homónimo dos Television no início da década de 90 (e esporádicas digressões avulsas que já passaram duas vezes por Portugal), escreveu música para o filme de CM Talkington, Love And A.45, com Jimmy Ripp, dedicou-se a musicar ao vivo uma colecção de filmes mudos da Rohauher Collection (Fall Of The House Of Usher, de James Sibley Watson, The Life And Death Of 9413 - A Hollywood Extra, de Robert Florey e SlavkoVorkapich, Emak Bakia e L'Étoile De Mer, de Man Ray, Brumes D'Automne, de Dimitri Kirsanoff, Ballet Mécanique, de Fernand Leger e De Naede Fergen, de Carl Theodor Dreyer — experiência apresentada no festival de "curtas" de Vila do Conde de 2004) e, "on and off", foi actuando nas bissextas aparições em palco de Patti Smith.



Sublinhe-se ainda no currículo de Verlaine e SY o facto de, entre eles, se contarem três dos executantes cruciais da guitarra eléctrica pós-60 (Thurston, Ranaldo e, naturalmente, Verlaine) e de, na matriz das suas origens — o proto-punk/no-wave/noise da segunda metade de 70/início de 80 —, todos terem actuado como figuras fundadoras mas algo marginais aos paradigmas estéticos da época. Só um exemplo: a rigorosa proibição do "solo" e da "jam" de geometria livre nunca foi por eles realmente levada a sério.
Daí que, mesmo que outros motivos não houvesse para isso, encontrar Tom Verlaine e SY, quase sucessivamente, na capa da "Wire", não fosse razão para espanto. Acontece que há: Songs And Other Things e Around assinalam a interrupção de uma pausa discográfica de 14 anos quebrada pela edição simultânea de dois álbuns e Rather Ripped é o último álbum do contrato dos Youth com a Geffen — iniciado em 1990 com Goo — e o primeiro após o abandono de Jim O'Rourke (que se desfez de practicamente todos os instrumentos e material de gravação e, num impulso, emigrou para Tóquio!). Além desses, o motivo essencial: no espaço do rock'n'roll (que, nestes dois casos, se deixaria definir muito melhor por algo como "electric guitar music"), em plena vertigem de recuperação revivalista, o terreno mais fértil e criativamente fresco situa-se ainda por estes lados onde a multiplicidade de experimentações paralelas, inevitavelmente, enriquece o filão central.


Tom Verlaine+ Jimmy Ripp

Em Songs And Other Things, Tom Verlaine pratica aquela sua peculiar visão da canção pop/rock que encara a guitarra como produtora de texto poético (do riff em lâmina de aço ao remoínho de notas fluorescentes ou à reverberação em aurora boreal) e a letra enquanto melodia impressionista, inventa 14 luminosas esculturas de gelo em processo de liquefacção — uma por cada ano de ausência — e, em Around, entrega-se ao puro devaneio dos pequenos "sketches" instrumentais tão influenciados pelo "highlife" africano como pelas estruturas modais da música oriental ou a "film music" incidental. Como se 1992 tivesse sido ontem. Rather Ripped, esse, apresenta-nos os SY na condição de lugar de síntese para onde todas as actividades extra-curriculares dos membros do grupo são carreadas e filtradas: o espírito descomprometidamente pop convive sem atritos com as explosões de dissonância e as frentes de incêndio eléctricas, o espartilho da arquitectura não exclui as possibilidades de abalo sísmico formal e, muito na descendência da trajectória iniciada em Goo e claramente estabelecida em Dirty, toda a matéria sonora é purificada de quaisquer corpos estranhos ou desnecessários. Aquilo a que se costuma chamar "clássico". (2006)

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