A MORTE PELO ASSOMBRO
A história começa em Março de 1971, no lugar de La Chorrera, uma aldeia índia da Colômbia, no Alto Amazonas. Terence McKenna e o irmão Dennis (na altura, respectivamente, com 25 e 21 anos), descendentes directos da revolução psicadélica iniciada nos anos 60 por Timothy Leary, haviam viajado até aí com o objectivo de descobrir a pedra filosofal da alquimia espiritual. Como? Através do contacto com os xâmanes indígenas e pela ingestão das doses adequadas de cogumelos da psilocibina e da beberagem "ayahuasca", vias de acesso, segundo a tradição local, ao mesmo Verbo/Logos de que falam o evangelho cristão de João, as múltiplas correntes gnósticas, os Vedas, os sufis islâmicos, William Blake e todos os místicos das mais diferentes persuasões.
A experiência que eles, então, viveram (relatada no livro True Hallucinations/Alucinações Reais, em tradução brasileira Ed. Record/Nova Era) conduziria Terence a transformar-se no mais destacado porta-voz actual da cultura das substâncias psicadélicas e da sua relevância enquanto factor decisivo na evolução passada e futura da civilização humana.
Jefferson Airplane - White Rabbit (Woodstock 1969)
que em quatro livros (o já citado True Hallucinations bem como Caos, Criatividade e o Retorno ao Sagrado escrito com Ralph Abraham e Rupert Sheldrake, ed.Cultrix/Pensamento, O Retorno à Cultura Arcaica, ed. Record/Nova Era e O Pão dos Deuses, publicado em Portugal pela Via Optima), dezenas de cassetes audio e video, centenas de conferências e palestras e outros tantos "sites" na Internet, Terence McKenna essencialmente defende é o papel que o consumo dos cogumelos psicoactivos terá desempenhado para os nossos antepassados pré-históricos no desenvolvimento da linguagem e no estabelecimento de uma sociedade não hierárquica. Seria a esse "paraíso perdido" que todas as mitologias e tradições se refeririam e que, hoje seria urgente recolocar como paradigma da sociedade futura assente num "revivalismo arcaico" que combinaria harmoniosamente a consciência alterada "liberta do tumôr calcário do ego" com o desenvolvimento vertiginoso das tecnologias de informação digital, geradora de uma nova "mente planetária".
O Pão dos Deuses, em particular, é uma longa e erudita viagem através da cultura humana e da sua relação com as várias substâncias alteradoras da consciência que abre com uma paráfrase da abertura do "Manifesto Comunista": "Um espectro assombra a cultura planetária — o espectro das drogas". Daí, parte para uma investigação histórica exaustiva que analisa a forma como, da "relação gnóstica" inicial com os cogumelos, as sucessivas culturas e sociedades se foram tornando dependentes de outras drogas verdadeiramente nocivas e usadas como armas de dominação — o ópio, a cocaína, o café, o açucar, o tabaco, o álcool, o cacau, a heroina, os tranquilizantes,...a televisão — e o modo como todas as políticas proibicionistas falharam.
Conclui com uma "proposta modesta" em dez pontos onde reclama "um imposto federal de 200% sobre o tabaco e o álcool", a "legalização de todas as formas de cannabis" submetidas ao mesmo imposto, o fim de todos os empréstimos do FMI e do Banco Mundial aos países produtores de drogas duras, a "legalização da terapia psicadélica" e o "apoio massivo às pesquisas científicas relativas a todos os aspectos do uso e abuso de substâncias e um compromisso igualmente massivo com a educação pública".
McKenna não é um vulgar guru "new age" ou apenas um "dealer" psicadélico sofisticado. Licenciado pela Universidade da Califórnia em Berkeley em ecologia, conservação de recursos e xamanismo, é ele o primeiro a marcar distâncias relativamente às consequências da "revolução psicadélica" dos anos 60:"Não creio que devamos repetir o que, nessa época, Timothy Leary, Richard Alpert ou Ralph Metzner fizeram. A euforia desse tempo, a suposição de que bastava apresentar essas coisas para que a humanidade se transformasse, era terrivelmente ingénua. Tentar lançar uma 'cruzada das crianças' usando os meios de comunicação como vanguarda foi um negócio muito arriscado e as consequências foram péssimas. Não acho que essas coisas devam ser feitas em grupos muito grandes".
Para fundamentar as suas afirmações, tanto cita Borges, Joyce, Jung, Platão, Parménides, Philip K. Dick ou Alfred North Whitehead como refere os mistérios de Eleusis, o Rig Veda, os rituais das planícies argelinas de Tassili-n-Agjer ou da civilização de Çatal Hüyük. E, curiosamente, algumas das concepções que defende foram reforçadas por investigações posteriores, nomeadamente a relação entre os transes alucinogénios dos xâmanes tribais e a sua representação nas gravuras rupestres que o trabalho de arqueólogos como David Whitley, David Lewis-Williams e Jean Clottes confirmou.
Vivendo no Havai, onde dirige a fundação "Botanical Dimensions" que preserva e cultiva as plantas utilizadas nas tradições xamânicas, foi com Terence McKenna que falámos a propósito dos seus pontos de vista sobre esse "espectro" que aterroriza o mundo.
De acordo com a teoria que desenvolve em O Pão dos Deuses, o elemento crucial que terá desencadeado a evolução superior da Humanidade, desde a Pré-História, terá sido a ingestão de cogumelos alucinogénios que se desenvolviam no estrume dos rebanhos. Também afirma que a perda de contacto com os alucinogéneos vegetais foi a razão para a "expulsão" desse Paraíso primordial e para a queda em sociedades hierárquicas de domínio masculino. Significa isso que a relação com os cogumelos psicoactivos não possui um efeito transformador a longo prazo e que os efeitos de transformação comportamental não são transmitidos cultural e geracionalmente?
É exactamente isso. As capacidades e as atitudes socialmente benéficas adquiridas pelas populações que consumiam os cogumelos desapareceram bastante rapidamente a partir do momento em que eles deixaram de estar acessíveis. Alguns comportamentos desenvolvidos sob o efeito dos cogumelos — como a evolução da linguagem — perderam depressa as suas qualidades sagradas e xamânicas e converteram-se numa pura rotina destinada apenas a servir objectivos utilitários. Logo, profanada.
Numa das suas conferências, afirmou que o motivo pelo qual possuimos a linguagem e noções como "comunidade", "altruísmo", "lealdade", "fraternidade" e "esperança" é porque, durante algumas centenas de milhares de anos, a espécie humana se automedicou e "suprimiu a presença venenosa do tumor calcário do ego". Mas, se realmente existiu alguma vez tal sociedade, por que motivo o homem se atreveu a perder contacto com ela, sabendo perfeitamente o que fazer para a conservar?
As mudanças climáticas, especificamente, o processo de desertificação do Norte de África, conduziram a uma situação na qual os cogumelos já não se encontravam tão facilmente acessíveis a toda a gente através da simples recolecção. Procuraram-se outros substitutos, os rituais envolvendo os cogumelos tornaram-se menos frequentes até serem um exclusivo de uma elite ou casta xamânica. O resultado final foi a perda da influência dos cogumelos em relação ao comportamento das pessoas comuns.
Jimi Hendrix - Purple Haze
Quando se refere aos diversos aspectos das drogas psicadélicas, fala a partir do seu ponto de vista individual. O que o faz pensar que ele é igualmente válido para pessoas originárias de outras tradições culturais, sociais e religiosas?
O efeito das plantas e substâncias psicadélicas não se dirige ao condicionamento cultural individual que é bastante superficial. Dirige-se e actua sobre o cérebro humano e o sistema nervoso. Estas são estruturas anatómicas e fisiológicas comuns a todos os seres humanos em todos os tempos e lugares. Daí que a mensagem do cogumelo seja universal.
Por muito significativas que as suas experiências psicadélicas tenham sido, por que motivo as encara como verdadeiros acontecimentos metafísicos e transformadores da forma como vê o mundo e não apenas como os previsíveis efeitos de alteração da mente através da acção de drogas psicotrópicas?
Ninguém sabe o que é a mente. A origem e o significado da consciência é um dos grandes mistérios da filosofia. Quando me faz essa pergunta, assume o ponto de vista do materialismo científico, assume que estas experiências são "apenas" provocadas pelas drogas. Mas, na verdade, as situações que ocorrem sob o efeito delas são tão reais e merecem tanto a nossa atenção como quaisquer outras. O facto de, para a ciência, ser difícil desconstruí-las e elaborar um modelo capaz de as explicar é um problema da ciência, não meu.
Quando lhe perguntam se as drogas psicadélicas são perigosas, costuma responder "apenas se recearmos a morte pelo puro assombro". Não pensa que os medos e as ansiedades individuais possam desempenhar um papel negativo nessas experiências?
Até determinado ponto, sim. As drogas psicadélicas não devem ser tomadas por pessoas que possuam uma história de perturbações mentais, que sejam maníaco-depressivas ou que utilizem antidepressivos ou outras drogas psicoactivas porque essas drogas podem interagir de modos inesperados com os psicadélicos naturais. A administração de drogas psicadélicas é uma actividade comparável à escalada de montanhas ou à navegação à vela no alto mar. É indispensável compreender o equipamento, o clima e as limitações próprias de cada um. Se estivermos preparados e formos cautelosos, então, o perigo é mínimo.
Está, portanto, de acordo com a opinião de Timothy Leary segundo a qual "o LSD é uma droga que pode ocasionalmente provocar comportamentos psicóticos nas pessoas que não a tomam"?
É verdade, gosto muito dessa citação. Torna absolutamente claro que não precisamos de consumir uma droga para sermos afectados por ela. As liberdades e os direitos de todas as pessoas têm sido diminuidos pela repressão institucional sobre as drogas. Mesmo os das pessoas que nunca as tomaram.
Todas estas experiências, conduziriam, finalmente, à possibilidade de a linguagem se tornar literalmente visível, quase telepática. Podia desenvolver essa ideia?
O processamento neuronal da linguagem pode ser experienciado como sendo ouvido ou visto. O que, aparentemente, é determinado por factores culturais. Uma cultura que escuta o sentido em vez de o ver, opera num espectro de onda muito mais estreito e representa uma expressão inferior do que uma sociedade humana poderia ser capaz. A tendência geral no desenvolvimento da tecnologia das comunicações e nas drogas psicadélicas dirige-se no sentido do processamento visual da linguagem. Colectivamente, experimentamos este processo como o crescimento de uma sociedade mais telepática.
Já afirmou que "a maioria das demandas espirituais é realizada com o acelerador metido a fundo" e que, "uma vez que se descobrem as drogas psicadélicas, a resposta foi encontrada". Significa isto que toda a procura espiritual terá de ser forçosamente realizada através das drogas psicadélicas?
É evidente que se podem atingir conclusões intelectuais acerca de um percurso espiritual sem ingerir substâncias psicadélicas. Mas, se falamos do ponto de vista da experiência, então as drogas psicadélicas são a abordagem das chamadas dimensões espirituais mais segura, eficaz e liberta de ideologias.
Quando afirma que "cinco gramas de cogumelos de psilocibina tomados em silêncio na escuridão de um apartamento dar-nos-ão imediatamente a certeza de que Fernão de Magalhães deveria passar para segundo plano", não está a exagerar um bocadinho? E, já agora, não se esqueça que Fernão de Magalhães era português...
(risos) Fernão de Magalhães, apesar de ter morrido durante essa viagem, é recordado por uma expedição de circumnavegação do mundo conhecido. O que eu pretendi dizer foi justamente isso: sem sairmos do interior de um apartamento, a ingestão de uma substância psicadélica deixar-nos-à com a sensação de termos dado uma volta inteira em torno do universo conhecido e, talvez, também com a impressão de, algures durante o percurso, termos morrido.
Diz que a experiência psicadélica é "a abertura da porta para um continente perdido do espírito humano e para a natureza deste mundo perdido que é uma enteléquia de Gaia". Podia explicar um pouco melhor esta ideia?
A ascenção das culturas históricas enfraqueceu progressivamente as ligações à experiência xamânica das plantas psicadélicas e isto permitiu que se desenvolvessem normas culturais que eram contraditórias com a inteligência viva e coerente da biosfera planetária. É precisamente este o Grande Espírito com que todas as culturas aborígenes permaneceram em contacto. A queda no domínio da História foi uma queda num estreito desfiladeiro onde toda a unidade e inteligência do Ser foram obscurecidas.
É exactamente neste ponto que tudo se poderá relacionar com a sua "Teoria da Novidade" ou "Onda Temporal Zero", segundo a qual, um dos pontos cruciais no aceleramento progressivo da História da Humanidade se aproxima, ao encontro do que designou como "o objecto transcendente no final dos tempos" que deverá ocorrer por altura de 21 de Dezembro de 2012. O que aconterá exactamente nessa altura?
Ainda é demasiado cedo para se dizer alguma coisa. Será mais fácil adiantar algo por volta de 2012. Por agora, sabemos apenas que temos um encontro marcado com qualquer coisa de absolutamente inimaginável, algo que estabelecerá a fusão entre nós, as nossas máquinas e a alma do mundo orgânico num único ser.
The Shamen - Re: Evolution with Terence McKenna
Por que motivo, na sua teoria da "Onda Temporal Zero", estabeleceu uma relação entre esse "final dos tempos" e o fim do calendário Maia que coincide também com 21 de Dezembro de 2012?
Simplesmente porque as minhas conclusões acerca da data dessa singularidade iminente e a presumível data do fim do calendário Maia eram tão perfeitamente congruentes que não pude evitar de supôr que existiria uma relação entre as duas coisas. A forma como os Maias estabeleceram essa data é um assunto que continua a ser objecto de estudo.
Acho muito interessante a sua história sintética da evolução da Terra que se inicia com o Big Bang e termina com o aparecimento de seres humanos utilizadores da linguagem, consumidores de cogumelos e orgiásticos. Como disse, no início do século XXI, tudo isso deverá convergir para uma espécie de organismo global. O que podemos esperar disso?
Se tudo correr bem, o desenvolvimento da inteligência humana, o aparecimento de máquinas e de "software" inteligentes, o surgimento de estados mentais de grupo, de formas de imortalidade assistidas mecânicamente e de panorâmicas só acessíveis a Deus de entendimento integrado e harmonioso.
Cito-o mais uma vez:"Estamos à beira de ser testemunhas da libertação da vida da crisálida da matéria. Esta é a geração final de humanos com um pé no domínio material do primata e outro na escadaria de acesso à divindade". Como é que vê isso a acontecer?
Através de uma integração nano-tecnológica-cripto-biológica do humano com as máquinas e com a inteligência de Gaia. (1999 - Terence McKenna morreu a 3 de Abril de 2000)
2 comments:
um bom resumo, mas de nada serve o discurso sem a experiência propriamente dita; sendo assim, não passa de uma curiosidade cultural de quem lê.
e a história continua deste lado sem o vislumbre utópico da mudança.
A gerência compreende o sentido da reclamação mas lamenta ter de informar que, neste momento, nos encontramos em situação de rotura de stock.
Queira, sff, dirigir-se a outro fornecedor.
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