18 January 2007





Live At St. Ann's Warehouse


Imediatamente antes de apresentar a única canção que irá interpretar ao teclado ("King Of The Jailhouse") e de a anunciar como o título do seu próximo álbum (que, afinal, já não o será: este deverá chamar-se The Forgotten Arm), Aimee Mann caracteriza-a como "a real old cheer-upper, a song about bitterness, unhappiness and dysfunction". Pára um segundo e comenta: " Hey, wait a minute, that's all my songs!..."

É verdade, temos tendência para esquecer mas Aimee Mann (como Costello ou Dylan, só para citar os maiores) faz sempre questão de combinar a acidez e o veneno com doses iguais de ironia e puríssimo brilho pop. Um pouco antes, no decurso desta série de três concertos gravados a 22, 23 e 24 de Julho do ano passado na St. Ann's Warehouse de Brooklyn, Aimee trata também de nos informar que anda a pensar seriamente em organizar uma tournée onde diversos músicos que são, em simultâneo, pugilistas (Rickie Lee Jones, Joe Henry, Bob Dylan, ela própria) poderiam intercalar "sets" de música e de boxe, acrescentando logo "O Bob Dylan tem mais uns bons vinte anos do que eu, devo chegar para ele!".

Aimee Mann "stand-up comedian"? Nada disso. Neste duplo CD/DVD (o DVD inclui 16 temas, o CD apenas 13) o essencial são as canções e o modo como Aimee e banda as animam ao vivo — muitos pontos a favor para a a coesão-de-relojoaria-pop da banda, meia dúzia contra um guitarrista ocasionalmente "heróico" demais. Aliás, em rigor, são bem mais extensas as sequências onde nada mais há senão uma sucessão das magníficas canções (fundamentalmente) de Lost In Space e do que os momentos de comunicação descontraída com o público. Mas, mesmo aí, Aimee Mann só parece sentir-se verdadeiramente à vontade se estiver a verter uma ou duas gotas de vinagre sobre uma qualquer ferida. Como, por exemplo, quando, depois de se definir como "the classical nitpicky, critical Virgo" acrescenta "Except I'm untidy. But I love tidiness. I love it but I don't have it. It's sad when that happens, when you love it but you don't have it..."









Bachelor nº2 Or The Last Remains Of The Dodo foi a sequência perfeita para o álbum com a banda sonora do filme Magnolia quase inteiramente preenchida com uma prodigiosa colecção de desesperadas canções de Aimee Mann. Através de um e, depois, do outro, o mundo finalmente reconhecia o formidável talento de "songwriter" de uma autora que, após uma interminável saga de disputas com as editoras, se encara a si mesma como um animal em via de extinção. Mas que, contudo, soube contornar o problema e, através da Internet, conseguiu chegar onde a artilharia pesada das "majors" nunca a havia logrado conduzir.

Apesar de já ter uma discografia anterior, foi realmente a inclusão das suas canções em Magnolia de Paul Thomas Anderson que a projectou para o primeiro plano e facilitou depois a recepção do álbum Bachelor nº2, não foi?
De facto, se tivermos um grande estúdio de cinema que apoie a nossa música é francamente melhor do que se estivermos ligados a uma editora que não liga nenhuma aos nossos discos. Comigo, todas essas histórias acabaram por ser iguais: as editoras apenas se preocupam com a forma mais fácil de obter um êxito e isso consiste apenas em manufacturar música exactamente igual à que passa na rádio. Apesar de, às vezes, contratarem artistas que não soam como o que se ouve na rádio, procuram logo dar-lhes a volta. O problema situa-se na própria existência de um sistema estruturalmente defeituoso.

Li algures que, na Interscope, um A&R procurou literalmente explicar-lhe como escrever uma canção pop orelhuda...
Disseram-me que nenhuma das minhas canções poderia ser escolhida como single. E eu perguntei-lhes "mas de que tipo de canção é que estão a falar?". Então, ele gravou-me uma cassete com canções que supunha corresponderem a esse modelo. Na verdade, não me importei muito, as canções que ele gravou eram êxitos pop clássicos dos anos 70. Pelo menos, era uma demonstração concreta enquanto todos os outros se limitavam a dizer que o que eu escrevia não era suficientemente comercial sem saberem bem do que estavam a falar.

Por todos esses motivos, acabou por se decidir a distribuir o seu álbum através da Internet e, posteriormente, numa independente...
Estava farta de trabalhar com gente que não está disposta a pensar como deve ser a distribuição e promoção de cada disco. O que deveria ser o trabalho deles. Em vez disso, procuravam convencer-me a mudar o que fazia. Percebi que nunca iria ganhar aquela batalha, o melhor era retirar-me. Comprei-lhes os direitos das "masters" que distribuí através da Net e, depois, pela V2. Correu tudo muito bem, vendi muito mais discos do que antes numa "major"!...

Voltando a Magnolia, segundo a lenda, todo o argumento terá decorrido de uma estrofe de "Deathly" que serviu de inspiração a Paul Thomas Anderson. Na verdade, qual foi a medida da sua contribuição?
O Paul, de facto, escutou muito a minha música enquanto escrevia mas não sei exactamente o que lhe iria no espírito e o que realmente retirou dela que lhe parecesse importante. Tenho a impressão que a música serviu para que ele fosse capaz de estabelecer uma atmosfera interior onde podia identificar melhor algumas das ideias e sensações que já tinha. Possuimos uma coisa em comum: tanto eu como ele escrevemos sobre relações e pessoas disfuncionais, gente um pouco perturbada.



A verdade é que descobri que um dos seus websites favoritos é o "Borderline Personality Disorder Central"...
(risos) Pois, a psicologia interessa-me mesmo. E acho muito interessante tudo o que passe por aí: o desenvolvimento infantil, o funcionamento do cérebro ou os "serial killers". Quanto mais aprendemos sobre o comportamento das pessoas e as suas motivações, mais informação preciosa retemos acerca da forma como lidar com elas. O que me parece um objectivo que toda a gente deveria ter.

As suas canções, no fundo, poderiam ser descritas como pontos de vista cínicos e amargos sobre as relações humanas recobertas por sumptuosas melodias pop...
Prefiro a parte das sumptuosas melodias pop! (risos) Acerca do lado cínico e amargo, honestamente, é só uma tentativa de compreender as pessoas do que, ocasionalmente, resulta alguma exasperação, frustração ou fúria. O que me parece uma reacção normal. E que vai e vem. Posso pegar num sentimento concreto mas isso não serve para definir a totalidade da minha vida. Por exemplo, uma canção como "Calling It Quits" é, definitivamente, acerca de uma pessoa do "music business", pouco honesta, egoista e que me causou imensos problemas. E, nela, chego à conclusão que aquela relação de trabalho nunca iria funcionar, andavam à procura de alguém diferente de mim. Por isso, teria de me ir embora. Esse momento, para mim, foi extremamente positivo, foi a descoberta da solução óbvia. Não nos podemos dar bem com toda a gente. Se o empregado do café onde tomamos o pequeno-almoço for todos os dias antipático connosco, é melhor encontrarmos outro lugar onde ir de manhã!

As suas canções são essencialmente autobiográficas ou ficcionais?
Procuro um certo tipo de dinâmica que me interessa e a personagem sobre que escrevo tanto posso ser eu como outra pessoa, acontecer no passado ou no presente, o argumento ou o conteúdo emocional podem ser mais ou menos ficcionais, embora me sejam familiares... Gosto de escrever na primeira pessoa porque me agrada imaginar o que eu sentiria em determinadas situações tal como o que outras pessoas sentiriam. E, de certo modo, tudo acaba por se relacionar com a minha própria vida. Por isso, na maioria, serão autobiográficas mas, mesmo que esteja a escrever uma canção acerca de mim, modifico muita coisa nos pormenores.

Excluindo, evidentemente, Burt Bacharach, a maioria das suas refrências musicais — XTC, os Beatles, Elvis Costello, com quem partilhou a escrita de algumas canções — são britânicas. Está de acordo?
Não sei bem. Tenho raízes folk americanas também. O Neil Young é uma influência importante. Por outro lado, talvez tenha, de facto, ouvido muito mais pop britânica. Esta última canção com o Elvis Costello, escrevi-a já há seis ou sete anos. Em estúdio, nunca chegámos a acabá-la. Tinha passado tanto tempo que, para este álbum, achei que devia reescrever o texto. Ele é um "songwriter" magnífico e, para mim, uma personagem lendária com um imenso talento e interesses inúmeros. É como se o meu talento terminasse onde o dele começa e ele ainda fosse por aí fora...

"Just Like Anyone", que é uma canção bastante desesperada sobre um amigo acerca de quem se poderia ter feito algo e não se fez, é verdade que a escreveu a propósito da morte de Jeff Buckley?
Sim. Não o conhecia assim tão bem. Ele vivia em Nova Iorque e eu em Boston mas, de vez em quando, tínhamos grandes conversas. E, quando conhecemos alguém que é tão jovem e tão perturbado, deveríamos ter a obrigação de compreender a importância das causas que contribuiriam para a sua morte. Não sei se terá sido um suicídio deliberado mas, saltar espontaneamente para as águas de um rio violento, não é coisa que se faça de ânimo leve...

Bachelor nº2 Or The Last Remains Of The Dodo, o título do seu álbum, coloca-a na posição do "dodo", um animal definitivamente extinto?
É verdade. Acrescentei esse subtítulo depois da minha guerra com a Interscope porque era exactamente como me sentia. Quanto ao Bachelor nº2, senti que havia ali um tema geral acerca de, solitariamente, entender as relações afectivas entre as pessoas. E é também uma referência a um concurso de televisão dos anos 70, "The Dating Game", onde uma rapariga fazia perguntas a três rapazes solteiros que não podia ver. Eu preferia sempre o do meio, o solteiro nº2.

Já começou a trabalhar para um proximo disco?
Gravei três ou quatro canções mas, essencialmente, ainda estou a escrever. Até aqui, há uma espécie de tema comum que tem a ver com os meus interesses actuais: a dependência e os comportamentos compulsivos. E, por agora, não sei dizer mais.



2 comments:

António Pires said...

Bem-vindo!!!

E abraços...

João Lisboa said...

Abraço, António.