02 April 2020

Não é por vir de "um velho" e se apresentar como terminal generosidade que deixa de ser uma perigosíssima ideia absolutamente intolerável

11 comments:

alexandra g. said...

Compreendo em absoluto o que afirmas, mas estou em crer que esta decisão deverá ser respeitada se vier de um "velho", jamais de outrem. Choca-me o que acontece ainda num dos países mais afectados (Itália), mas, tempos existem em que, por inexistência de recursos suficientes, esta decisão até tenha surgido por parte da comunidade médica.

Aos 54 anos, se necessário fosse, eu faris o mesmo... imagino-me assistida por todos os meios e sabendo de alguém que, cronologicamente, está a necessitar do ventilador. Nem hesitaria. Já criei as minhas filhas, tenho esta maravilhosa com um nome ominoso :) e não pensaria duas vezes. Uma excepção: alguém que infringiu as normas de prevenção, isolamento, tenha 20, 30, 40 anos.

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P.S. - Um militar pensa assim, não estamos a falar de um homem que foi PR; sei-o por exeperiência própria, que nem tudo é 'mau' nos militares...

João Lisboa said...

Essa muito apregoada "terrível opção" que cabe aos médicos de decidir quem vive e quem morre é o que acontece todos os dias, em todos os hospitais do mundo, sem necessidade de haver pandemia alguma. Não por falta de camas ou de ventiladores mas porque faz parte da própria profissão... e poderíamos voltar ao debate sobre a eutanásia.

Agora, os "velhos" abdicarem da vida em favor dos "jovens"? Porquê? Em nome de quê?... E "velho" começa onde? Aos 50? Aos 60? Aos 70? Aos 80?... E é só "para os homens com mulher e filhos"? E os homens sem mulher nem filhos? E as mulheres com homem e filhos? E as mulheres sem homem e filhos?

Se "um militar pensa assim", é melhor que não pense.




alexandra g. said...

Larguei ali, no meu comentário, um ror de lapsos ortográficos (esta questão tb mexe comigo...), mas, se reparares, aspei devidamente o substantivo "velhos"...

Um bom militar (que los hay...), como qualquer outro profissional de carreira, tem um código de honra. Eu, que fui educada por um e até fugi de casa aos 18 anos, tamanha a rigidez da minha educação - literalmente militar, estava exausta de toda aquela rigidez, por vezes a raiar a ditadura - comentei que faria o mesmo. Não duvides, João, que o faria.

A abnegação de tantos profissionais, se colocares tudo na balança (médicos, enfermeiros, auxiliares, camionistas, etc., etc., etc.), é igual ao que afirmei: literalmente, dar o corpo às balas, para que outros possam viver.

[Um abraço]

João Lisboa said...

That's not the point.

alexandra g. said...

IT IS the point, at this point.
Enquanto não existir uma vacina, uma resposta eficaz para o virus monarca, que faremos, todos nós?
Eu, prefiro ceder o ventilador, também. Afinal, já vivi 54 anos e, se os meios não chegarem, cederei de bom grado o meu, caso o tenha, ao tempo, para poder viver.

Não duvides, aprendi-o com o meu pai e com a minha mãe (cada um a seu modo :)***

Daniel Ferreira said...

O meu pai só deixou de trabalhar aos 85 anos. E tem irmãos na casa dos 80 que fazem inveja a pessoas de 50 ou 60. Velhos são os trapos.

Tenho lido comentários sobre o efeito que algumas pandemias de gripe tiveram na mortalidade dos mais jovens e, portanto, na quantidade de anos perdidos para a sociedade. Medir o efeito de uma pandemia em «anos perdidos» revela uma visão puramente economicista da sociedade que me causa repugnância. Idem para discussões sobre solteiro vs. casado e quem não tem filhos vs. quem tem.

alexandra g. said...

João,

eu não temo a morte... (tenh já o melhor do mundo, duas filhas maravilhosas, lindissimas, inteligentes, e uma neta igual, os manos, a mana, os amigos, os bons conhecidos, as experiências :)

Why not, ceder a máquina, raios, a quem nunca teve o que eu já tenho???

João Lisboa said...

"Medir o efeito de uma pandemia em «anos perdidos» revela uma visão puramente economicista da sociedade que me causa repugnância. Idem para discussões sobre solteiro vs. casado e quem não tem filhos vs. quem tem."

Por um lado, é exactamente isto. Por outro - e a conversa começou com o Eanes - aquela fanfarronice militar do general que caminha à frente das tropas oferecendo o peito às balas, é coisa que não me passa na garganta: a atitude do "velho" que se alça a porta-voz de todos os "velhos", exortando-os a caminhar bravamente para o açougue para salvar a "juventude" é insuportável. Imole-se ele, se quiser, e achar que, assim, a História (e, no caso dele, a Opus Dei) o canonizará.

O meu pai faz 90 anos daqui a pouco mais de um mês e a cabeça dele está muito melhor do que as nossas todas juntas.

Daniel Ferreira said...

Cara Alexandra:

«Why not, ceder a máquina, raios, a quem nunca teve o que eu já tenho???»

Porque nada lhe diz que:

1) A pessoa a quem ceder a máquina vai ter/dar alguma coisa ou fazer sequer por isso. Na verdade, poderá ser apenas mais um filho da puta inútil e parasita como tantos outro

2) Mesmo em idade avançada, não se possa ainda ter/dar muito mais.

3) Aquilo que é importante para si também o será para outra pessoa. Para mim, por exemplo, constituir família não significa rigorosamente nada.

4) A pessoa por quem se sacrificar irá sequer cuidar da sua saúde no futuro.

5) Os planos, ambições e objectivos de vida de um jovem são necessariamente mais meritórios que os de um velho.

«eu não temo a morte.»

Pois eu temo. Aos 46 anos ainda tenho muita coisa para fazer, e, garantidamente, continuarei a ter aos 146.

João Lisboa said...

"e, garantidamente, continuarei a ter aos 146"

Altura em que, contudo, alguém dirá: "Coitado, morreu tão novo, ainda tinha tanta coisa para fazer..."

:-)

Daniel Ferreira said...

:-)))