PARA ACABAR DE VEZ COM O VÍRUS DA CORONAHISTERIA (J. Buescu)
Evitei até hoje pronunciar-me sobre este assunto; mas chegados à situação actual, acho que é uma questão de serviço cívico enquanto matemático.
O gráfico acima, que consta de um site de Johns Hopkins que acompanha a situação do coronavirus em tempo real (1) e que recomendo a todos que descarreguem para o telemóvel, compara o número de infecções por coronavírus na China (laranja) e resto do Mundo (amarelo) com os casos de recuperação. À data de hoje (1/3/2020) há 42.600 recuperados, de um total de 87.000 casos identificados. Devemos ficar preocupados? Não, pelo contrário. Devemos ficar muito tranquilizados. Note-se que a curva dos recuperados acompanha perfeitamente a das infecções, com um tempo de latência de 3-4 semanas. O número de recuperados hoje, 1/3/2020, é igual ao total de infectados em todo o Mundo em 10/2/2020. A taxa de recuperação para os casos de infecção registados em Fevereiro é superior a 99%.
Para ganhar sensibilidade para a evolução da doença, transcrevo os números em bruto. I é o número de infectados, R de recuperados.
22 Jan: I = 547, R=28
29 Jan: I = 7.700, R=133
5 Fev: I= 20.000, R= 1.100
12 Fev: I=50.200, R= 5.200
19 Fev: I=75.700, R= 16.100
26 Fev: 81.000, R= 30.400
1 Mar (hoje): I=87.000, R=42.600
Ou seja, em Janeiro quase não havia recuperados; hoje mais de metade do total de infectados já recuperou. Num mês, o número de recuperados cresceu por um factor de 300. Curiosamente, nunca vi estes números referidos na imprensa, mais preocupada com visões do apocalipse.
Estamos pois a braços com uma virose essencialmente inócua (mais pormenores abaixo), com um período de recuperação de 3-4 semanas, após o qual, de acordo com os melhores números actuais, 99,3% dos infectados recuperam sem complicações.
Do ponto de vista da saúde pública, a questão colocada pelo nCOVID-19 é apenas a sua elevadíssima taxa de contágio. A OMS estima um valor de R_0, grandeza que nos modelos matemáticos SIR (Susceptíveis-Infectados-Recuperados) determina a taxa de propagação exponencial, de 2,3. Para comparação, a gripe sazonal tem R_0=1.3, propagando-se de forma muito mais lenta. Para saber mais sobre o que isto quer dizer e sobre os modelos matemáticos de epidemiologia veja-se por exemplo (2) ou (3).
Por outro lado, os números mostram que se trata de uma virose essencialmente inócua: o período de recuperação é de 3-4 semanas, após o qual 99,3% dos infectados estão recuperados. A estimativa actual da OMS para a taxa de mortalidade para casos surgidos depois de 1 de Fevereiro, portanto depois do surto inicial, é actualmente de 0,7% Como termo de comparação, o vírus Ébola tem uma taxa de mortalidade próxima dos 50%. A da gripe é 0,1%. Esse factor de 7 pode parecer preocupante; mas temos de colocar as coisas em perspectiva. no outbreak inicial, ainda em Dezembro em Wuhan, a taxa de mortalidade inicial parecia ser 17,6% (o que se ficou a saber dever-se ao colapso do sistema hospitalar da região), depois foi reestimada para 5%, depois no fim de Janeiro 2%. Agora a taxa global está em 0.7% - 25 vezes menor do que o inicialmente temido. E os dados mostram inequivocamente que, para casos novos, esta estimativa está a baixar a uma taxa exponencial constante, devendo estabilizar num valor muito mais baixo. Veja-se o gráfico 2, sobre os casos clinicamente encerrados. O encerramento por morte está a laranja, por recuperação a verde. A 2 de Fevereiro, 42% dos casos encerrados eram por morte e 58% por recuperação. A 1 de Março, 6% são por morte e 94% por recuperação (se os valores ainda parecem altos, recorde que eles incorporam a mortalidade anormal do surto inicial de Wuhan, que desequilibram as contas). Este processo está em plena progressão e os dados sugerem que, dentro de duas a quatro semanas -- digamos, em Abril -- a taxa de mortalidade estabilizará num valor próximo do da gripe sazonal.
A virose em si não é complicada; um dos maiores virologistas espanhóis e Presidente da Sociedade Espanhola de Virologia, José Antonio Lopez Guerrero, descreve-o como “mais do que um catarro, menos do que uma gripe” (4). 80% dos casos são assintomáticos ou têm sintomas muito leves. Apenas em 5% dos casos existem complicações graves, na sua grande maioria em grupos de risco: por exemplo, pessoas com bronquites crónicas, DPOC ou sistema imunitário estruturalmente enfraquecido como doentes oncológicos. São essas pessoas que podem estar em perigo – tal como estariam, com o mesmo nível de risco, se contraíssem uma gripe comum.
O coronavírus já está em Portugal, isso é uma inevitabilidade cósmica. Isso é preocupante? Não particularmente, a menos que se pertença ou se esteja em contacto próximo com um grupo de risco. Como descrevi acima, ele é menos perigoso para a população saudável do que uma gripe. Mas, tal como alguém com uma gripe toma precauções para não a transmitir, também aqui essas precauções devem ser tomadas, de forma mais drástica divido à altíssima taxa de contágio.
Se o coronavírus servir para implantar socialmente comportamentos como lavar mãos frequentemente ou não espirrar para o ar, tanto melhor. Não devemos ir visitar aquela tia idosa ao lar se estivermos afectados, como não o fazemos quando estamos com gripe. Podemos ter de cancelar algumas viagens de avião, como aconteceu comigo, mas vamos viver a vida normalmente. De resto, não há qualquer motivo para pânico ou sentimentos de apocalipse, apesar da desinformação constante e do alarmismo mediático a que assistimos diariamente – esse sim, o mais perigoso vírus de toda esta história.
6 comments:
O troll dos números. Não vá ao médico, vá ao matemático. E morram os dois juntos. Só se estraga uma casa.
O chamado "comentário" borderline: esteve vai-não vai para ser desmaterializado.
Vá lá saber-se porquê, passou.
Não dá para perceber como é que há gente que embirra tanto com a matemática. Esse seu Leitor aí em cima terá percebido alguma coisa do que leu?
"terá percebido alguma coisa do que leu?"
Nem o que escreveu deve ter percebido.
Pois... convém ouvir outras vozes. E isto a TV não tem feito, vai tudo atrás do mesmo.
Mas, já estamos habituados a isto, ao espectáculo televisivo. A noite passada voltei a ver o belíssimo “Tarde de um dia de cão”, do Sidney Lumet que retrata, entre muitas outras coisas, o papel da televisão e o fascínio que esta exerce sobre as pessoas, são capazes de tudo para aparecer, nem que seja por 15 minutos.
Nesta epidemia televisiva não há lugar para outras opiniões, pode estragar a festa, como aquele familiar inconveniente que ninguém quer à mesa.
Convém sempre ouvir tudo, mais que não seja para discordar.
Faz hoje um mês que foi escrito este texto. Errar é humano, Buescu errou, retratou-se, acriou um grupo para debater, "Coronavírus: factos a partir de números" e é agora realista e mais pessimista que os líricos que já falam de picos passados ou dos impacientes que exigem datas, como João Miguel Tavares.
A dúvida é o primeiro sinal de conhecimento.
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