AGUARELA INGÉNUA
Gato repetidamente escaldado pelas inúmeras e desavergonhadas campanhas de "hype" à volta de “génios incompreendidos na sua época” que, trazidos à luz, se revelam muito pouco geniais e justissimamente ignorados, teme, naturalmente, a água fria de mais uma “inigualável descoberta” pronta a servir. Foi, pois, inteiramente justificado que, ao ser anunciada a exumação de duas preciosidades do início dos anos 70, desde então remetidas para a clandestinidade, e cujo autor, durante os 40 anos seguintes, se vira obrigado a sobreviver como jardineiro, operário e trabalhador rural, a oferenda tenha sido recebida com os dois pés firmemente colocados atrás. Afinal, por uma vez, o "hype" tinha toda a razão de ser: Bill Fay (1970) e Time of The Last Persecution (1971) – muito especialmente o primeiro – eram o género de peças perante as quais apenas podia pensar-se “Mas como foi possível?...”
Entusiasticamente apregoado por Jeff Tweedy, David Tibet, Nick Cave e Jim O’Rourke, era, de todo, impossível não alinhar no coro. E fi-lo: Bill Fay era “coisa da estatura de Goodbye and Hello, de Tim Buckley, dos quatro primeiros de Scott Walker, de American Gothic de David Ackles, ou, do ponto de vista da encenação sinfónica, de Songs Of Love And Hate, de Leonard Cohen”. Provavelmente decisivas eram as orquestrações de Mike Gibbs (jazzman às ordens de Carla Bley, Bill Evans, Peter Gabriel, Marianne Faithfull, e Joni Mitchell) porque, embora também valiosos, Time of The Last Persecution e os dois que gravaria pós-ressurreição (Life Is People, de 2012, e Who Is the Sender?, de 2015), sem a mão de Gibbs, tendiam a aconchegar-se demasiado às ecografias da alma dos velhos "singer-songwriters". Countless Branches vem confirmar essa ideia: quase só pele e osso de voz e piano com ocasionais pinceladas transparentes de violoncelo e trompete, é uma aguarela intimista de deslumbramento cripto-cristão perante o mundo, a vida e os humanos, talvez excessivamente ingénua – confrontar com Leonard Cohen - para um cavalheiro de 77 anos.
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