26 February 2019

BARROCO


A fórmula cunhada por Jerry Goldsmith – “what is ethnic is what Hollywood has made ethnic” – que, durante décadas, autorizou os compositores de bandas sonoras a puxarem da malinha de estereótipos prontos-a-usar sempre que se tratava de caracterizar musicalmente o “índio”, o “selvagem”, o “oriental”, o “africano”, foi também, naturalmente, aplicada às músicas “de época”: “medieval”, “renascentista” ou “barroco” seriam como cada autor de "film music" entendesse que deveriam ser, por mais ténue (ou nenhuma) que fosse a relação com as autênticas músicas da Idade Média, do Renascimento ou dos séculos XVII/XVIII. Um alaúde ou um cravo bastavam para criar a adequada atmosfera “antiga” e ninguém se deixaria estorvar por escrúpulos de rigor musicológico. Algo não muito diferente do que aconteceu por meados dos anos 60 do século passado, quando a pop, naquela era imediatamente antes, durante e logo após o psicadelismo, vivia ávida de temperos exóticos e pigmentos invulgares. 


O solo de cravo (na realidade, um piano com a velocidade de gravação modificada) de George Martin, em "In My Life", o quarteto de cordas de "Yesterday" (ambas de 1965), o clavicórdio e solo de trompa de "For No One" e o octeto de cordas de "Eleanor Rigby" (as duas de Revolver, 1966), dos Beatles, terão estado na origem do que viria a ser – desajeitadamente – designado por “Baroque Pop”. Não esquecer, no entanto, os Rolling Stones – "As Tears Go By" (1965, com orquestração de Mike Leander), "Play with Fire" e "Lady Jane" (1965 e 1966, com o cravo de Jack Nitzsche nas duas e o dulcimer de Brian Jones na segunda) –, o arranjo tudo menos barroco mas orquestral de "Walk Away Renee" (1966), dos Left Banke, e um robusto destacamento de obscuros outros que, agora, a Cherry Red, na "boxset" de 3 CD Come Join My Orchestra: The British Baroque Pop Sound 1967-73, ressuscita. Estava-se, então, razoavelmente aquém dos pesados maneirismos que iriam cristalizar no "prog-rock-clássico-sinfónico" (essa patética ambição tudo menos rock’n’roll de legitimação pela cultura "highbrow") mas, embora o conforto de salão tendesse a ser o cenário desejado, nestas cerca de 80 canções em que uma flauta pastoril ou um violoncelo melancólico eram suficientes para lhe atribuir a certificação “barroca” residia ainda um saudável desejo de experimentação "naïve". Ou, então, era apenas como Bob Stanley dizia: “Just add a harpsichord, a pot of tea, a ginger cat on the windowsill, and you've got the picture”.

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