17 October 2017

SEDUÇÃO E PODER

  
Coincididindo com a publicação do seu álbum anterior (St. Vincent, 2014), Annie Clark anunciou o lançamento de um lote especial de café Flecha Roja, da Costa Rica, por ela seleccionado para a Intelligentsia Coffee: “Adoro café. Por vezes, à noite, fico excitada só de pensar no café que irei beber na manhã seguinte. O café é a razão para eu acordar. Não é a única, claro. Mas é um forte incentivo. Adoro o café da Intelligentsia. Faço fila aos balcões deles qual fã à espera de um concerto. Ansiosa. Impaciente. Por isso, quando a minha marca de café preferida me abordou para colaborar com ela, fiquei emocionadíssima”. Mesmo não conhecendo bem Clark, para o estrato superior do sapiens incapaz de viver sem essa dádiva do Islão ao mundo, não poderia haver melhor cartão de visita. Mas, nestes três últimos anos, não foi essa a única actividade extra-curricular de St. Vincent: realizou uma curta de terror (The Birthday Party) e deu início à produção de uma releitura cinematográfica de O Retrato de Dorian Grey sob uma perspectiva feminina, aceitou ser um dos rostos da joalheira Tiffany – para a qual também gravou uma versão de "All You Need Is Love", dos Beatles – e concebeu e assinou uma guitarra eléctrica para a Music Man/Ernie Ball. 



Com Masseduction, o novo álbum, a atitude, tal como confessou a “The Line Of Best Fit”, terá sido “People might have thought I was going to zig, so I zagged”. Exactamente o género de coisa que, afinal, nunca seria inesperada vinda de quem, por exemplo, aquando da atribuição de um Grammy pelo disco de há três anos, na categoria de “Melhor álbum de rock alternativo, perguntou “Mas alternativo a quê?...” (curiosamente, consta que Masseduction irá ter uma variante… alternativa, "stripped down", apenas com o pianista Thomas Bartlett/Doveman). Porém, rezam as crónicas que francamente pouco convencional foi o cenário montado para acolher, em Londres, quem, agora, lhe iria escutar as opiniões: um cubo lynchiano côr-de-rosa com pontos de luz da mesma côr – “a psychedelic womb” – no interior do qual, Clark, sentada a uma mesa, poderia accionar um botão de resposta automática previamente gravada a indesejáveis perguntas estereotipadas. Que teriam por consequência imediata a expulsão do perguntador.



Sedução e poder. São as chaves de leitura para um álbum cuja digressão se intitulará “Fear The Future” e que St. Vincent descreve como “Dominatrix at the mental institution”: “Sabia que precisava de escrever sobre o poder – a ficção do poder e o poder da ficção”. Mas se, em "Happy Birthday, Johnny", ela canta “You saw me on magazines and TV, but if they only knew the real version of me“, todas as tentações de leitura (auto)biográfica são severamente desencorajadas: “As canções são testes de Rorschach. A interpretação ou o sentido de uma canção têm muito mais a ver com o ouvinte do que com a intenção de quem a escreveu. Há quem se preocupe com a possibilidade de ser mal interpretado. Desde que não me acusem de racismo, sexismo ou homofobia, por mim, está tudo bem”. Basta, então, que saibamos que esta formidável colecção de 13 canções convulsivamente electrónicas, invasivamente orquestrais e neuroticamente eléctricas se alimentou de Charles Mingus, Nabokov e Nick Cave. E que nada tem a ver com eles.

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