12 October 2017

CATARSE

  
Poderíamos supor que, meio século após a publicação de The Velvet Underground & Nico, já saberíamos tudo acerca da banda de Lou Reed, John Cale, Christa Päffgen/Nico, Sterling Morrison e Maureen Tucker, da trajectória posterior de cada um deles e da influência que, nas décadas posteriores, exerceriam sobre incontáveis discípulos. E, no entanto, resta sempre um ou outro pormenor ainda por descobrir. Por exemplo, aquele que, na semana passada, o indispensável blog “Dangerous Minds” – baú de preciosidades insólitas e obscuras da cultura pop – recuperou do esquecimento: em 1993, vá lá saber-se porquê, a Dunlop Tyres (subsidiária da Goodyear) achou apropriado ilustrar musicalmente um filme publicitário destinado a promover os seus pneus “tested for the unexpected” com "Venus In Furs", dos Velvets. Exactamente: a canção de Lou Reed inspirada no clássico literário homónimo (1869) de Leopold Ritter von Sacher-Masoch (que, 17 anos depois, conduziria o psiquiatra Richard von Krafft-Ebing, em Psychopathia Sexualis, a propôr o conceito de “masoquismo”) como banda sonora de um minuto de imagens delirantemente surreais assinadas por Tony Kaye. 



Bastante menos anedótica será a gravação dos concertos de John Cale, a 6 de Março de 1983, em Bochum, e 14 de Outubro de 1984, em Essen, na Alemanha, para o Rockpalast, programa da rede de televisão WDR. Não sendo propriamente um segredo só acessível a círculos restritos de iniciados – vários excertos foram entrando e saindo do YouTube e conhecera já edição alemã em 2010 –, só agora, com esta caixa de 2 CD + 2 DVD, poderá, contudo, passar a gozar do estatuto de peça maior no cânone de Cale. O avassalador Music For a New Society havia sido publicado em 1982 e, acerca dele, confessaria mais tarde que “não era preciso sofrer tanto para gravar um disco, não era necessário partir as pernas para voltar a aprender a andar. Possuo dor que baste dentro de mim para não ter necessidade de a ampliar daquele modo“. Live At Rockpalast apanhá-lo-ia nessa altura em que cada concerto era um instante de violenta catarse sempre insuficiente, um aterrador psicodrama individual exibido em público. Nada nestas 37 faixas é tranquilizador mas o pesadelo da versão de “Heartbreak Hotel“ – após uma interpretação sonâmbula, Cale, aparentemente, sucumbindo a um surto psicótico, arranca a cobertura do chão do palco – dificilmente se esquece.

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