POR ONDE COMEÇAR
Se costuma acreditar em tudo o que lê, é bem possível que tenha ficado convencido que, no último álbum, Painting With, os Animal Collective tenham optado por um matrimónio peculiar entre a variedade de psicadelismo que praticam e uma estirpe contemporânea do dadaísmo. No ano em que se comemora o centenário da inauguração, em Zurique, do Cabaret Voltaire (não confundir, por Zeus!, com a homónima banda britânica), e do primeiro Manifesto Dada, de Tristan Tzara, era um anzol que estava mesmo a pedir para ser engolido. A verdade é que, caso o tema lhe interesse, ficará bem melhor servido se ler Dada – Histoire d’une Subversion (de Henri Béhar e Michel Carassou, recentemente traduzido pela Antígona). Porque, no disco de Noah Lennox, David Portner e Brian Weitz – tal como não é a inclusão da frase “Le tout début d’une histoire est plus beau qu’un urinoir de Marcel Duchamp” que faz de Quinze Chansons, de Vincent Delerm, um espécime neo-dadaísta –, a única relação com “o jogo louco do vazio” de Hugo Ball, Picabia e Hans Arp, é o título da primeira canção, "FloriDada". Só isso.
E a também vastamente referida associação à estética-Ramones (a propósito: “Gabba gabba hey” será uma interjeição dada?) não foi senão a expressão do desejo de se imporem regras de brevidade e concisão, uma estratégia de estimular a criatividade através da aceitação de restrições. Para concluir a demolição do "hype" fabricado pelos media mais preguiçosos, acrescente-se ainda que, sim, Painting With foi gravado nos mesmos EastWest Studios onde decorreu a gestação de Pet Sounds, dos Beach Boys, mas tal só aconteceu porque outras alternativas não foram possíveis e não porque o trio sonhasse com a invocação da musa criativa de Brian Wilson. O que, neste particular, não impediu que – em linha evolutiva mais ou menos previsível – boa parte do disco soe ao que poderia resultar de uma sessão de estúdio dos Beach Boys sequestrados no interior de um jogo de vídeo e sob a influência simultânea de um generoso sortido de químicos e do hoquetus vocal medieval. Sob as condições ideais de temperatura e pressão, o que resulta é luminoso e multicolorido. Acerca do que sobra, a palavra a Portner: “I don’t even know where to begin, or how should I start these days”.
3 comments:
Olá João, preciso urgentemente de falar contigo
Parece um disco de afetos.
F, é fazê-lo por mail.
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