02 March 2016

ECO 


Umberto Eco era, sem dúvida, “o homem que sabia tudo”, como, há uma semana, por ocasião da sua morte, lhe chamou o diário italiano, "La Reppublica". No entanto, no seu último romance, Número Zero, ele fez questão de explicar o risco que decorre de tal estatuto: "Os perdedores, como os autodidactas, têm sempre conhecimentos mais vastos do que os vencedores: se queres vencer, tens de saber uma coisa só e não perder tempo a sabê-las todas, o prazer da erudição está reservado aos perdedores". Foi em boa medida por isso que, em 1964, Apocalípticos e Integrados, exercício de análise académica da “cultura de massas” – aquilo que, hoje, designamos por “cultura pop” –, seria desconsiderado enquanto enormidade que pactuava com um ponto de partida maldito: “Todas as coisas são igualmente dignas de consideração, Platão e Elvis Presley pertencem do mesmo modo à História”. Nem seria preciso esperar 11 anos por Mystery Train, de Greil Marcus, para que se compreendesse até que ponto os seus detractores tinham perdido o pé. 



Eco já havia escrito sobre “a evolução do traço gráfico de Flash Gordon a Dick Tracy; existencialismo e Peanuts; (...) influência do eco magnético na evolução da vocalização depois dos Platters” e, em Confissões de Um Jovem Escritor (2011), conduziria o processo até ao ponto no qual se torna óbvio que "o papa e o Dalai Lama podem passar anos a discutir se é verdade que Jesus Cristo é o filho de Deus, mas, se estiverem bem informados acerca de literatura e banda desenhada, ambos têm de admitir que Clark Kent é o Super Homem e vice-versa". Recordara também que, por via da massificação da música gravada, “a possibilidade de fazer amor sobre um ‘fundo sonoro’ de quarteto de cordas deixou de ser um privilégio reservado aos monarcas licenciosos. Passou a estar ao alcance de qualquer esteta pequeno-burguês” e, acerca de uma das matérias-primas da cultura popular, sublinhou que “se dois clichés nos fazem rir, duzentos emocionam-nos porque nos apercebemos vagamente que conversam entre eles, celebrando uma reunião”. Em 2004, A Misteriosa Chama da Rainha Loana era uma erudita e vibrante reconstituição do universo pop (música, BD, cinema, televisão, posters) da sua juventude. Agora, valerá mais, recorrer ao verso de Cyrano de Bergerac que ele cita em A Ilha do Dia Antes: “Une heure après la mort, notre âme évanouie, sera ce qu'elle était une heure avant la vie”. Entre esses dois instantes, reside o que importa.

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