12 February 2014

PROFECIAS

Michel de Nostredame/Nostradamus (1503-1566)

Portugal tem o seu Nostradamus e não é o trafulha do Bandarra, sapateiro de Trancoso do século XVI, que, há 500 anos, anda a iludir a pátria com profecias de meia tigela sobre o regresso de D. Sebastião e o Quinto Império, patranhas que até António Vieira e Fernando Pessoa consideraram inspiradoras. Não, as nossas Centúrias, apesar de mais recentes, devemo-las a quem, não por acaso, tomou como nome Heróis do Mar e encontram-se numa única pequena obra, "Pássaro Vermelho", incluída em O Rapto, mini-LP de 1984. A data não é irrelevante: nesse ano, Portugal, apesar de se registarem uns paradisíacos 11% de desemprego, encontrava-se sob intervenção do FMI, chamado a Lisboa por um governo PS/PSD chefiado por Mário Soares (repetindo o que fizera em 1977). O que nos desencoraja imediatamente de pensar que a canção cujo primeiro verso é “Vi um céu cor de laranja” se reporte a acontecimentos dessa época: segundo o catálogo de cores da Robbialac, rosa + laranja dará algo como a referência 6720 de “Salmão Júpiter”. 

(daqui)

A visão apontava, pois, isso mesmo!... para o futuro. Isto é, o nosso presente de forte dominante laranja (embora, com uns laivos de azul, fosse, talvez, mais correcta a tonalidade “Terracota”, referência 4366). Até porque, logo a seguir a uma hiperbólica alusão ao incêndio do Chiado que ocorreria em 1988 (“A cidade toda a arder”), surge uma ominosa entidade oriunda do futuro: “Vi sinais de proibido e não estava a perceber, quando um pássaro vermelho a voar falou comigo, tinha dado a volta ao mundo e avisou-me deste perigo”. E o que, ofuscantemente, a alada criatura vermelha (vermelha!) revela são antevisões da arrepiante colecção de fotografias sobre Portugal contemporâneo que, no final de 2012, Mauricio Lima publicou no “New York Times” (“Na esquina de cada rua de Lisboa há um mendigo”), premonições aterradoras (“Não se pode fazer isto nem pensar fazer aquilo”) e, antes do refrão em que, simbolicamente, o gato e o cão se aliam contra a tirania – “Um gato é um gato, um cão é um cão, Portugal parece uma prisão” –, antecipam-se de três décadas os temíveis apelos à violência que o partenaire do tango com o FMI da altura, Mário Soares, agora, faz: “Talvez eu seja estrangeiro, talvez eu seja mau filho, mas hei-de ser o primeiro a pegar fogo ao rastilho”. A canção imediatamente anterior a "Pássaro Vermelho" era "Tarde De Mais". 

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