Yes, I have a question. Sabe como se chamava o carrasco de Maria Antonieta? (não vale ir à wikipedia) O último martelo que vi ia tristonho e abatido, segurando-se a uma foice, assustados ambos por operários de um estaleiro que largavam o martelo para se apoiarem a um velho e a uma cruz. Umas boas férias para si, à conta de uns pregos numa cruz há 2000 anos.
"Sabe como se chamava o carrasco de Maria Antonieta? (não vale ir à wikipedia)"
Não sabia. Fui ver à Wiki :) e fiquei a saber que se chamava Charles-Henri Sanson. Mas conhecia uma outra história - provavelmente fantasiosa - que li no precioso "Oxford Book Of Death", capítulo "famous last words": quando subia para o cadafalso, a Antoinette terá tropeçado no carrasco (o tal Sanson). Educadamente, disse-lhe, de imediato: "Excusez moi, monsieur".
"O último martelo que vi ia tristonho e abatido, segurando-se a uma foice, assustados ambos por operários de um estaleiro que largavam o martelo para se apoiarem a um velho e a uma cruz"
Polónia? Kinky Wojtyla?... essa obsessão de se apoiar sempre a qualquer coisa...
"Umas boas férias para si, à conta de uns pregos numa cruz há 2000 anos"
Obrigado. Igualmente. Mesmo que os pregos e a cruz sejam tão imaginários quanto a frase da Antoinette.
E o que é a verdade? Disse alguém, se calhar fantasiosamente, numa sexta-feira como a de hoje. Triste sina a dos Sansons! Ia pedir-lhe que não se engasgasse com as amêndoas, mas já vi que não é homem para engasgos!
"Mesmo que os pregos e a cruz sejam tão imaginários quanto a frase da Antoinette."
Ó João Lisboa, essa mania de insistir na inexistência histórica de Jesus é, desculpe que lhe diga, uma patetice. Ninguém que estude seriamente o assunto, seja crente ou ateu, nega que Jesus existiu. Isso é uma posição que só se encontra na chamada "lunatic fringe" do ateísmo mais fanático e acéfalo. Claro que grande parte dos relatos sobre a sua vida são semi-lendários, muitas vezes apropriados de mitos mais antigos. E, se quer questionar a factualidade histórica, é melhor escolher outro episódio da vida de Jesus - eles não faltam - porque das poucas coisas que parecem ser certas é que ele foi condenado à morte e crucificado.
"Ninguém que estude seriamente o assunto, seja crente ou ateu, nega que Jesus existiu. Isso é uma posição que só se encontra na chamada "lunatic fringe" do ateísmo mais fanático e acéfalo"
Errado. As "provas" da existência histórica de "Jesus" - à excepção dos 4 evangelhos e de uma interpolação (quase unanimente considerado como tardia) nas "Antiguidades Judaicas", de Josephus - são praticamente nulas.
"grande parte dos relatos sobre a sua vida são semi-lendários, muitas vezes apropriados de mitos mais antigos"
Certo. E se, para além da literatura oficial da Vaticano S.A. (que também foi variando desvairadamente ao longo dos séculos), procurar ler os muitos outros textos não canónicos que se lhe referem (Nag Hammadi, Mar Morto...) vai descobrir que existe uma enorme variedade de "Cristos". Até um que se safou de ser crucificado, delegando o sacrifício num tal Simão de Cirene (Segundo Tratado do Grande Seth - biblioteca de Nag Hammadi).
"das poucas coisas que parecem ser certas é que ele foi condenado à morte e crucificado"
Como uns bons milhares de outros judeus, durante a ocupação Romana. Vários, como "ele", Messias/Reis de Israel/Salvadores/Libertadores/Iluminados. Terá sido, justamente, de um conglomerado de todos esses sobreposto aos traços de identidade dos tais "mitos mais antigos" que a "personagem Cristo" foi construída. Depois, o S. Paulo, teve a mais genial ideia de marketing de sempre que foi a de perceber que, em vez de vender um produto para exclusivo consumo étnico/judaico, podia apontar ao target universal.
O melhor tratado sobre o tema é a "Life Of Brian", dos Monty Python.
As "provas" da existência histórica de Jesus são do mesmo calibre das que atestam a existência de outras figuras da Antiguidade que hoje são consideradas históricas (Sócrates, por exemplo, de quem também não existem provas factuais directas). Ou seja , a sua existência histórica é muitíssimo mais provável do que a sua inexistência (embora esta última não seja, como é evidente, impossível). Se a inexistência histórica de Jesus fosse razoavelmente defensável, existiriam pelo menos meia dúzia de académicos a trabalhar sobre essa premissa, o que não se verifica.
Quanto ao facto de existir uma grande variedade de Cristos, isso deve-se ao desenvolvimento de várias concepções do Cristo em comunidades distintas nos primeiros 3 séculos d.C. Não havia ainda uma hierarquia centralizada que ditasse como Jesus deveria ser e a internet ainda era incipiente, pelo que essas concepções se desenvolveram de forma mais ou menos isolada, em comunidades por vezes muito distantes umas das outras, com textos, tradições orais e interpretações diferentes. Mas não vejo como é que isto prova, ou sequer sugere, a inexistência de Jesus.
Por outro lado, se queremos indagar a factualidade histórica de Jesus, então é melhor dar mais crédito aos textos mais antigos, ou seja, as cartas de S. Paulo, os 4 Evangelhos canónicos, e talvez o Evangelho de Tomé. Os restantes textos não canónicos, entre eles o grosso dos encontrados em Nag Hammadi, são bastante posteriores e, como tal, mais contaminados por relatos não factuais e míticos. Já os manuscritos do Mar Morto que refere, Jesus não entra nessa história…
"a sua existência histórica é muitíssimo mais provável do que a sua inexistência (embora esta última não seja, como é evidente, impossível)"
Até não me oponho radicalmente (embora me oponha) a essa afirmação. Simplesmente, quando a vara está demasiado torta para um lado, não me parece excessivamente errado fazer força no sentido oposto. Porque, embora seja verdade que
"Se a inexistência histórica de Jesus fosse razoavelmente defensável, existiriam pelo menos meia dúzia de académicos a trabalhar sobre essa premissa, o que não se verifica",
é preciso não esquecer que a pressão histórica, cultural e propriamente política/religiosa para que isso assim seja não é negligenciável. Aliás, as primeiras tentativas de investigar de um ponto de vista histórico - escola de Tubingen, Strauss, Bauer, Robertson, Couchaud - as origens do cristianismo não foram propriamente bem recebidas pelos poderes da Vaticano S.A. e seuas extensões seculares.
"Quanto ao facto de existir uma grande variedade de Cristos, isso deve-se ao desenvolvimento de várias concepções do Cristo em comunidades distintas nos primeiros 3 séculos d.C"
Claro. E, se a isso se acrescentasse a inexistência de uma clara narrativa primordial - e, já agora, razoavelmente autêntica - a partir da qual derivar todas as outras, a confusão agravar-se-ia. Foi o que aconteceu.
"Não havia ainda uma hierarquia centralizada que ditasse como Jesus deveria ser e a internet ainda era incipiente, pelo que essas concepções se desenvolveram de forma mais ou menos isolada, em comunidades por vezes muito distantes umas das outras, com textos, tradições orais e interpretações diferentes"
Apontou direito ao alvo e, depois, falhou o tiro. A ideia-chave é mesmo essa: "Não havia ainda uma hierarquia centralizada que ditasse como Jesus deveria ser". A narrativa ainda era excessivamente fuzzy (especialmente se fosse construída a partir de peças avulsas) pelo que o resultado final só poderia ser esse. Mas, nos séculos seguintes, a coisa acabou por se compor... :)
Mas, se já existisse a Net (como demasiado bem sabemos), a bagunça poderia ter sido até bem maior...
"se queremos indagar a factualidade histórica de Jesus, então é melhor dar mais crédito aos textos mais antigos, ou seja, as cartas de S. Paulo, os 4 Evangelhos canónicos, e talvez o Evangelho de Tomé. Os restantes textos não canónicos, entre eles o grosso dos encontrados em Nag Hammadi, são bastante posteriores e, como tal, mais contaminados por relatos não factuais e míticos"
Não, não... a fonte consensualmente aceite como mais antiga é o evangelho de Marcos que data de cerca de 64 dC. O que - como, de facto, não existia Net, nem tv, nem jornais, nem exactamente uma alfabetização generalizada - deverá, ele próprio, durante os 30 anos entre a morte do "protagonista" e a sua redacção, ter sido assaz "contaminado" na pureza da sua narrativa pela efabulação popular. Mas não muito mais nem muito menos do que todos os outros posteriores.
"Já os manuscritos do Mar Morto que refere, Jesus não entra nessa história"
Directamente, não referem. Mas ajudam a compreender todo este caldo cultural da época e da região.
10 comments:
Yes, I have a question.
Sabe como se chamava o carrasco de Maria Antonieta? (não vale ir à wikipedia)
O último martelo que vi ia tristonho e abatido, segurando-se a uma foice, assustados ambos por operários de um estaleiro que largavam o martelo para se apoiarem a um velho e a uma cruz.
Umas boas férias para si, à conta de uns pregos numa cruz há 2000 anos.
"Sabe como se chamava o carrasco de Maria Antonieta? (não vale ir à wikipedia)"
Não sabia. Fui ver à Wiki :) e fiquei a saber que se chamava Charles-Henri Sanson. Mas conhecia uma outra história - provavelmente fantasiosa - que li no precioso "Oxford Book Of Death", capítulo "famous last words": quando subia para o cadafalso, a Antoinette terá tropeçado no carrasco (o tal Sanson). Educadamente, disse-lhe, de imediato: "Excusez moi, monsieur".
"O último martelo que vi ia tristonho e abatido, segurando-se a uma foice, assustados ambos por operários de um estaleiro que largavam o martelo para se apoiarem a um velho e a uma cruz"
Polónia? Kinky Wojtyla?... essa obsessão de se apoiar sempre a qualquer coisa...
"Umas boas férias para si, à conta de uns pregos numa cruz há 2000 anos"
Obrigado. Igualmente. Mesmo que os pregos e a cruz sejam tão imaginários quanto a frase da Antoinette.
E o que é a verdade?
Disse alguém, se calhar fantasiosamente, numa sexta-feira como a de hoje.
Triste sina a dos Sansons!
Ia pedir-lhe que não se engasgasse com as amêndoas, mas já vi que não é homem para engasgos!
E não gosto de amêndoas.
"Mesmo que os pregos e a cruz sejam tão imaginários quanto a frase da Antoinette."
Ó João Lisboa, essa mania de insistir na inexistência histórica de Jesus é, desculpe que lhe diga, uma patetice. Ninguém que estude seriamente o assunto, seja crente ou ateu, nega que Jesus existiu. Isso é uma posição que só se encontra na chamada "lunatic fringe" do ateísmo mais fanático e acéfalo. Claro que grande parte dos relatos sobre a sua vida são semi-lendários, muitas vezes apropriados de mitos mais antigos. E, se quer questionar a factualidade histórica, é melhor escolher outro episódio da vida de Jesus - eles não faltam - porque das poucas coisas que parecem ser certas é que ele foi condenado à morte e crucificado.
"Ninguém que estude seriamente o assunto, seja crente ou ateu, nega que Jesus existiu. Isso é uma posição que só se encontra na chamada "lunatic fringe" do ateísmo mais fanático e acéfalo"
Errado. As "provas" da existência histórica de "Jesus" - à excepção dos 4 evangelhos e de uma interpolação (quase unanimente considerado como tardia) nas "Antiguidades Judaicas", de Josephus - são praticamente nulas.
"grande parte dos relatos sobre a sua vida são semi-lendários, muitas vezes apropriados de mitos mais antigos"
Certo. E se, para além da literatura oficial da Vaticano S.A. (que também foi variando desvairadamente ao longo dos séculos), procurar ler os muitos outros textos não canónicos que se lhe referem (Nag Hammadi, Mar Morto...) vai descobrir que existe uma enorme variedade de "Cristos". Até um que se safou de ser crucificado, delegando o sacrifício num tal Simão de Cirene (Segundo Tratado do Grande Seth - biblioteca de Nag Hammadi).
"das poucas coisas que parecem ser certas é que ele foi condenado à morte e crucificado"
Como uns bons milhares de outros judeus, durante a ocupação Romana. Vários, como "ele", Messias/Reis de Israel/Salvadores/Libertadores/Iluminados. Terá sido, justamente, de um conglomerado de todos esses sobreposto aos traços de identidade dos tais "mitos mais antigos" que a "personagem Cristo" foi construída. Depois, o S. Paulo, teve a mais genial ideia de marketing de sempre que foi a de perceber que, em vez de vender um produto para exclusivo consumo étnico/judaico, podia apontar ao target universal.
O melhor tratado sobre o tema é a "Life Of Brian", dos Monty Python.
:-)
Ah!... e não esquecer que o próprio Leão X (um de vários papas ateus) o admitia:
http://lishbuna.blogspot.com/2007/12/jingob-jingob-fuck-christmas-xix-quem.html
As "provas" da existência histórica de Jesus são do mesmo calibre das que atestam a existência de outras figuras da Antiguidade que hoje são consideradas históricas (Sócrates, por exemplo, de quem também não existem provas factuais directas). Ou seja , a sua existência histórica é muitíssimo mais provável do que a sua inexistência (embora esta última não seja, como é evidente, impossível). Se a inexistência histórica de Jesus fosse razoavelmente defensável, existiriam pelo menos meia dúzia de académicos a trabalhar sobre essa premissa, o que não se verifica.
Quanto ao facto de existir uma grande variedade de Cristos, isso deve-se ao desenvolvimento de várias concepções do Cristo em comunidades distintas nos primeiros 3 séculos d.C. Não havia ainda uma hierarquia centralizada que ditasse como Jesus deveria ser e a internet ainda era incipiente, pelo que essas concepções se desenvolveram de forma mais ou menos isolada, em comunidades por vezes muito distantes umas das outras, com textos, tradições orais e interpretações diferentes. Mas não vejo como é que isto prova, ou sequer sugere, a inexistência de Jesus.
Por outro lado, se queremos indagar a factualidade histórica de Jesus, então é melhor dar mais crédito aos textos mais antigos, ou seja, as cartas de S. Paulo, os 4 Evangelhos canónicos, e talvez o Evangelho de Tomé. Os restantes textos não canónicos, entre eles o grosso dos encontrados em Nag Hammadi, são bastante posteriores e, como tal, mais contaminados por relatos não factuais e míticos. Já os manuscritos do Mar Morto que refere, Jesus não entra nessa história…
Ena, discussão inteligente! Gosto.
"a sua existência histórica é muitíssimo mais provável do que a sua inexistência (embora esta última não seja, como é evidente, impossível)"
Até não me oponho radicalmente (embora me oponha) a essa afirmação. Simplesmente, quando a vara está demasiado torta para um lado, não me parece excessivamente errado fazer força no sentido oposto. Porque, embora seja verdade que
"Se a inexistência histórica de Jesus fosse razoavelmente defensável, existiriam pelo menos meia dúzia de académicos a trabalhar sobre essa premissa, o que não se verifica",
é preciso não esquecer que a pressão histórica, cultural e propriamente política/religiosa para que isso assim seja não é negligenciável. Aliás, as primeiras tentativas de investigar de um ponto de vista histórico - escola de Tubingen, Strauss, Bauer, Robertson, Couchaud - as origens do cristianismo não foram propriamente bem recebidas pelos poderes da Vaticano S.A. e seuas extensões seculares.
"Quanto ao facto de existir uma grande variedade de Cristos, isso deve-se ao desenvolvimento de várias concepções do Cristo em comunidades distintas nos primeiros 3 séculos d.C"
Claro. E, se a isso se acrescentasse a inexistência de uma clara narrativa primordial - e, já agora, razoavelmente autêntica - a partir da qual derivar todas as outras, a confusão agravar-se-ia. Foi o que aconteceu.
"Não havia ainda uma hierarquia centralizada que ditasse como Jesus deveria ser e a internet ainda era incipiente, pelo que essas concepções se desenvolveram de forma mais ou menos isolada, em comunidades por vezes muito distantes umas das outras, com textos, tradições orais e interpretações diferentes"
Apontou direito ao alvo e, depois, falhou o tiro. A ideia-chave é mesmo essa: "Não havia ainda uma hierarquia centralizada que ditasse como Jesus deveria ser". A narrativa ainda era excessivamente fuzzy (especialmente se fosse construída a partir de peças avulsas) pelo que o resultado final só poderia ser esse. Mas, nos séculos seguintes, a coisa acabou por se compor... :)
Mas, se já existisse a Net (como demasiado bem sabemos), a bagunça poderia ter sido até bem maior...
"se queremos indagar a factualidade histórica de Jesus, então é melhor dar mais crédito aos textos mais antigos, ou seja, as cartas de S. Paulo, os 4 Evangelhos canónicos, e talvez o Evangelho de Tomé. Os restantes textos não canónicos, entre eles o grosso dos encontrados em Nag Hammadi, são bastante posteriores e, como tal, mais contaminados por relatos não factuais e míticos"
Não, não... a fonte consensualmente aceite como mais antiga é o evangelho de Marcos que data de cerca de 64 dC. O que - como, de facto, não existia Net, nem tv, nem jornais, nem exactamente uma alfabetização generalizada - deverá, ele próprio, durante os 30 anos entre a morte do "protagonista" e a sua redacção, ter sido assaz "contaminado" na pureza da sua narrativa pela efabulação popular. Mas não muito mais nem muito menos do que todos os outros posteriores.
"Já os manuscritos do Mar Morto que refere, Jesus não entra nessa história"
Directamente, não referem. Mas ajudam a compreender todo este caldo cultural da época e da região.
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