14 November 2010

UM AMERICANO EM LISBOA















Hamilton Leithauser é o género de personagem com quem apetece conversar. Não porque seja instantaneamente simpático e acolhedor: na verdade, não abusa do palavreado – as respostas telegráficas ocorrem com alguma frequência – nem se entrega a extensas explicações e especulações. Mas rapidamente nos apercebemos de que aquele interlocutor não se deixa facilmente acondicionar na embalagem do rocker prototípico, enclausurado no seu pequeno universo de referências e autoreferências e de frívolas lubrificações do ego. Leithauser e, com ele, a música dos Walkmen, possui aquilo que, com algum rigor, se deve designar como substância. Há coisas que não circulam, necessariamente, na cadeia do ADN mas é bem capaz de não se tratar também de um acaso que, sendo ele sobrinho do poeta e romancista Brad Leithauser, a banda tenha em mãos desde 2004, o "work in progress" de um romance colectivo (programado para 800 páginas!), John’s Journey. E que, quando interrogado acerca das suas leituras em curso, Leithauser responda sem pestanejar Arthur And George, de Julian Barnes (vénia), e God Is Not Great, de Christopher Hitchens (vénia, vénia, vénia). Mas o que começo por lhe perguntar – era inevitável, não era? – é qual o motivo real, verdadeiro, profundo, decisivo, para o último álbum dos Walkmen ter como título Lisbon. E ele responde-me “Porque não?...”


Vai ser, então, necessário exercer um pouco de pressão. Por isso, em vez do jogo sujo das justificações patrioteiro/geográficas óbvias, atiro-lhe com a suave chantagem pessoal de ter achado francamente encantador terem-se lembrado de baptizar o disco com o meu nome de família. E faço charme literário revelando-lhe que sou o primo lisboeta de Jack London. Já não é a primeira vez que o truque resulta. Hamilton ri-se e desenvolve: “Não que estivéssemos sempre a pensar na cidade enquanto escrevíamos as canções. É, na verdade, mais uma memória. Não sei bem por que motivo mas, quando esse título foi sugerido, todos concordámos com ele. Não posso dizer que Lisboa tenha tido uma influência directa sobre o disco. Mas, tendo estado aí duas vezes – e, ao contrário do que, frequentemente, acontece, não nos limitámos a ficar no hotel e a frequentar os bares: fomos ao castelo, conversámos com pessoas locais, experimentámos restaurantes, admirámos a arquitectura da cidade – durante a fase de concepção do álbum, foi, sem dúvida, uma memória motivadora importante”.



A motivação deve ter sido realmente poderosa: as onze canções que figuram no álbum tiveram de ser cesarianamente extraídas de um total de mais de trinta: “Foi um processo que nos ocupou dois anos até seleccionarmos aquilo que nos pareceu ser um passo em frente que valia a pena ser publicado. E isso acabou por ser um som de rock mais cru e despojado como os do Elvis Presley ou do Johnny Cash para a Sun Records. Quando o conseguimos, sentimos que tínhamos chegado onde, realmente, desejávamos. Toda a vida escutámos esse tipo de música. Mas, sempre que iniciamos o processo de um novo álbum, ensaiamos abordagens diferentes. E, muitas vezes, estamos à espera que as coisas sigam por um caminho e elas acabam por ir por outro completamente inesperado. Claro que nós gostamos da sonoridade que a banda tem e não nos passa pela cabeça dizer que, agora, soamos como o Elvis ou o Johnny Cash da Sun. Acho que esse esforço de contenção e de procurar ser mais sucinto não só foi divertido como nos fez muito bem”.



Na página dos Walkmen, no MySpace, a música da banda surge descrita como “melodramatic popular song”. Pergunto a Leithauser se está disposto a dar a sua bênção a essa definição: “Claro que não. Tínhamos que escolher uma opção e, evidentemente, decidimo-nos pela mais estúpida”. Naturalmente, não lhe peço a caracterização oficialmente aceite pelo grupo (essa pergunta deveria ser universalmente proibida, apenas me havia intrigado a que, aparentemente, eles próprios sugeriam) mas ouso pisar terreno mais movediço: será que não existe uma comparação que pode ser feita entre os percursos dos National e dos Walkmen, bandas novaiorquinas da mesma geração e com universos estéticos e temáticos afins, que, num caso (o dos National), extravasou já a mera condição de culto indie e, no outro, parece quase fazer gala de não o abandonar? Hamilton Leithauser não dá sinais de lhe ter tocado em nenhum ponto frágil e responde tranquilamente: “Há já alguns anos, fizemos diversos concertos juntos, conhecemo-nos, sempre nos demos bem, e existe alguma espécie de afinidade e de propósito comum às duas bandas. Se eles estão a ganhar dinheiro, fico muito feliz por isso. Mas também me sinto satisfeito com a nossa situação: penso que os nossos últimos dois álbuns foram os melhores que já gravámos e estamos prontos para gravar outros ainda melhores”. Fechando o círculo, peço-lhe para imaginar como será o momento em que, seguramente, virão tocar Lisbon em Lisboa: “Está a perguntar-me se isso poderá desencadear alguma centelha?...” Reformulo: não receia que o público local possa alimentar demasiadas expectativas relativamente a algum particular efeito mágico devido à suposta influência lisboeta das canções? “Não sei, não faço a mais pequena ideia de como irão reagir. Mas, se calhar, iremos ter de pensar em alguma coisa mais especial...”

(The Walkmen, hoje, em Lisboa, no Coliseu)

(2010)

1 comment:

fallorca said...

Faine e até breve, lá em casa :)