NOIR LIGHT
Cherry Ghost - Beneath This Burning Shoreline
Existia aqui, talvez pela primeira vez, o concentrado de ingredientes necessário que permitiria dar o passo decisivo do conceito (já um pouco estafado) de “banda sonora para filme imaginário” para o de “banda sonora para filme imaginário que dispensa por completo o imaginário filme”. Se o primeiro e muito louvado álbum dos Cherry Ghost (Thirst For Romance, 2007), nas palavras de Simon Aldred, "mastermind" da banda, fora concebido segundo as coordenadas “Willie Nelson meets Walt Disney”, este opta por se situar em pleno centro do território onde o "southern gothic" faz um pacto de sangue com o "film noir", abençoado pela figura tutelar de Ken Loach. Afinal, nada de exótico ou anacrónico, di-lo, em Film Noir and The Cinema Of Paranoia (2009), Wheeler Winston Dixon, sem nunca ter ouvido os Cherry Ghost: “Esta é a idade do 'film noir'. Apesar de o género datar do final dos anos 1930 e início dos 1940, as suas obsessões com o desespero, o falhanço, o engano e a traição são, sob muitas formas, mais premonitórias no século XXI do que na sua origem”. E, porque Aldred escreve como quem via O Terceiro Homem e escutava a leitura de Flannery O’Connor enquanto mamava no biberão (“In a certain light, your face could launch a bareknuckle fight” ou “we sleep on stones, there’s a killer in our homes thar drives the night in” não são para todos) e tem as referências certas e devidamente catalogadas, existem argumento completo, personagens definidas e cenários escolhidos. O que falha, então? Tragicamente, a banda sonora: onde se deveriam escutar Cash, Cave, Scott Walker ou Tindersticks, o empolamento orquestral escorrega, desastradamente, para a ligeireza Coldplay. Sim, tão grave quanto isso. Quase apetece suplicar: vá, tentem lá outra vez.
(2010)
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