07 January 2010

O PENSAMENTO FILOSÓFICO PORTUGUÊS (XXXVI)

João César das Neves




Só uma indesculpável desatenção poderá explicar o facto de, até hoje, e após 35 posts, João César das Neves ainda não ter marcado posição no "pensamento filosófico português". Chegou, agora, o mais do que merecido momento e - só pode ser consequência da insondável justiça divina - dificilmente poderia encontrar-se melhor texto para a estreia do que este desfile da World Cup das Religiões. Ave, César!

"Adormeci e no meu sonho vi-me num grande campo com uma multidão incontável. Um enorme cartaz mesmo em frente dizia 'Parada das religiões'. De facto, tudo parecia orientado para um cortejo imenso que percorria uma estrada no meio do campo. Toda aquela gente, que compreendi ser a humanidade inteira, se amontoava dos dois lados do caminho, vendo avançar os carros referentes a cada crença. Quando consegui chegar à primeira linha passava uma enorme plataforma sobre rodas levando uma gigantesca estátua de Buda. À volta do carro viam-se monges vestidos de açafrão que entoavam cânticos. A seguir, carros mais pequenos levavam símbolos budistas. Muitos espectadores saudavam a passagem inclinando o corpo, cantando e queimando incenso.



Os carros seguintes tinham símbolos estranhos que não consegui identificar. A aparência dos acompanhantes também não esclarecia, pois iam de fato e gravata. Só quando reparei nos aventais percebi que era a Maçonaria. Notei então o esquadro e compasso. Apesar das semelhanças indesmentíveis, a dimensão era inferior à apresentação do budismo mas ainda bastante imponente. A religião que se seguia era conhecida, pois o cortejo parecia as paradas na Praça Vermelha ou Tiananmen: era o marxismo que passava. Os carros traziam foices e martelos, além de operários, soldados e mísseis. Na audiência, viam-se punhos fechados e ouviram-se palavras de ordem. Foi então que decidi perguntar aos meus vizinhos quando passaria a minha religião, o cristianismo. Eles desataram a rir. Surpreendido dirigi-me a um velho de barbas brancas que tinha a farda da organização. Ele informou-me que, como o cristianismo era a maior das religiões, tinha a honra de ir à frente, abrindo a parada. Disse-me também que, se eu quisesse, havia ali perto um autocarro especial para levar os interessados a outras zonas do cortejo". (o fundamental, indispensável, inescapável resto aqui)

(2010)

5 comments:

Anonymous said...

AHAHAHAHAOHOHHOHOOAHEHREHEHEHAHAHAHAHRRHRHAAHAHAHAHAHAHAAHAH!!!!!!!! IMPAGÁVEL!
Mas agora a sério: Adoro sobretudo o estilo 'naïve/redacção de aluno da 4ª classe' que o filósofo adopta para melhor ilustrar a transversalidade da mensagem cristã. Curiosamente, esta estratégia é assaz verificada também na prosa laurindiana. Não duvidemos: JCN é, está claro, figura tutelar e altamente influente desta ala do Pensamento Filosófico Português. Veja-se também esta passagem, correspondente à coda do texto integral:
"Então o velho explicou-me: "O cristianismo é mesmo só isto: Cristo que passa. A tua fé é a única que não tem no seu centro livros, cultos, ética, mas uma pessoa, Jesus Cristo. Por isso ser cristão não é, antes de mais, aprender dogmas, rezas, ofertas ou mandamentos, mas viver uma relação pessoal de amizade, contínua e permanente com Alguém. Tudo o resto, e é muito e importante, são apenas ajudas para o essencial."
Repare-se ainda no preciosismo requintado na colocação do 'A' maiúsculo em "Álguém", pormenor que só um iluminado que sabe que "Deus está a ver" poderia conceber.
Tardava sim, sr. blogger, a inclusão de JCN nestas rubricas dedicadas ao Pensamento Filosófico Português. Aplaudimos assim efusivamente a data de hoje, adocicada agora com um vislumbre de um futuro um pouco mais radioso.

GJ

Anonymous said...

....E já agora, para quando a inclusão de José António Saraiva, eminente arquitecto, cronista, pensador pessimista, enfim, tudo aquilo que o director de um jornal semanário deveria ser? Para quando, pois, para quando?

João Lisboa said...

"mas viver uma relação pessoal de amizade, contínua e permanente com Alguém"

Por acaso, isto parece-me mais uma defesa dissimulada do casamento gay: esse "Alguém", de género indefinido...

"para quando a inclusão de José António Saraiva"

Oh Gonçalo... não andas a fazer os TPC...

http://lishbuna.blogspot.com/2009/11/o-pensamento-filosofico-portugues-xxxii.html

Anonymous said...

O texto do JCN faz díptico com o da Zezinha Nogueira Pinto. É um fartote.

margarete said...

por acaso, já começava a duvidar da tua imparcialidade
invocar certos e determinados senhores do saber negligenciando este

vá, pronto, pelo menos usaste um texto à altura para a estreia no provas