15 September 2009

NA FLORESTA COM UM MAPA DE LONDRES



Nick Cave & The Bad Seeds - From Her To Eternity




Nick Cave & The Bad Seeds - The Firstborn Is Dead




Nick Cave & The Bad Seeds - Kicking Against The Pricks




Nick Cave & The Bad Seeds - Your Funeral... My Trial

Pouco depois do início do segundo capítulo do documentário Do You Love Me Like I Love You, de Iain Forsyth e Jane Pollard – equitativamente dividido pelos quatro DVD que acompanham a reedição remasterizada do quarteto inaugural da discografia de Nick Cave & The Bad Seeds –, o jornalista e biógrafo de Cave, Max Dax, invoca o conceito de "cross-mapping", do realizador e romancista alemão, Alexander Kluge, para caracterizar o quase fetichismo literário de Nick Cave (em particular, de The Firstborn Is Dead, de 1985, em diante) pelos temas e autores do Sul norte-americano. Australiano, emigrado de Melbourne para Inglaterra, gravando no antigo salão de baile nazi dos estúdios Hansa, imaginando-se na pele de Faulkner, Carson McCullers ou Flannery O’Connor, Cave era como alguém que “caminhava pelo interior de uma floresta com um mapa de Londres nas mãos”.



Já, a propósito de From Her To Eternity (1984) – primeira faixa do primeiro álbum em nome próprio: "Avalanche", de Leonard Cohen – , alguém havia definido a transição dos Birthday Party para os Bad Seeds como uma mudança estético-táctica, do “carpet bombing” sonoro e literário para um “bombardeamento mais cirúrgico”, algo como “Elvis Presley meets Johnny Cash, meets the Sex Pistols”, com “melhor conteúdo poético”. Não desvalorizando a obra propriamente musical de Nick Cave, permitam-me sugerir que ele nunca foi mais "sulista" e "faulknercullerso’conneriano" do que no cinema, em The Proposition (2005), de John Hillcoat, para o qual escreveu o argumento e a banda sonora, onde, o regresso à Austrália colonial, lugar de nenhuma redenção e de todas as irremediáveis condenações, se desenhava como espaço de confronto, sem vencedores e só com derrotados, entre a implacável natureza e o imenso pior (e apenas o hipotético melhor) da espécie humana.



Limpo o pó das espiras de vinil e puxado o lustro à primitiva tecnologia digital, tanto esses dois álbuns como Kicking Against The Pricks e Your Funeral My Trial (ambos de 1986) – um, segundo Simon Reynolds, a conversão de “xâmane, à maneira de Jim Morrison e Iggy Pop, em showman”, o outro, uma experiência de “tentar não ser tão esquisito”, nas palavras de John Darnielle, dos Mountain Goats –, regressam, agora, em toda a sua glória original, rememorando os anos em que apenas Mick Harvey conseguia segurar as desvairadas pontas de um bando de junkies em roda livre, o produtor, Flood, operava milagres improváveis com tempo de estúdio limitado e (de acordo com os depoimentos de fãs, cúmplices, jornalistas, gente alucinada e colaborante dos Einstürzende Neubauten e Die Haut, roadies, editores, e outros santos e apóstolos) uma seita que fazia questão de nada ter a ver com a mitologia do rock’n’roll e lhe preferia as assombrações de John Lee Hooker e Blind Lemon Jefferson, o kitsch de Gene Pitney e dos Seekers ou os pesadelos no ventre da besta de Jack Henry Abbott, edificava um universo paralelo... do rock’n’roll. Do espectro do gémeo morto de Elvis Presley à memória das chain-gang songs, dos danados de Peckinpah a Edgar Allan Poe ou ao Huck Finn de Mark Twain revisto por Bukowski, com um único rumo: “This is the track of deception, leads to the heart of despair".

(2009)


Voto na urna: nulø, com a frase "ESTA GENTE É UM NOJO"

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