UMA QUESTÃO CADA VEZ MAIS
DOCUMENTADA CONTEMPORANEAMENTE
Madredeus & A Banda Cósmica - A Nova Aurora
Os mais optimistas de entre nós acreditavam que, no processo de involução dos Madredeus, Metafonia – primeira encarnação da dupla entidade Madredeus & A Banda Cósmica – teria sido o tombo derradeiro no fundíssimo poço da liquefação new-age, o ponto de não-regresso definitivo. É no que dá ser optimista... afinal, o fundo do poço é elástico e consegue descer sempre um pouco mais: A Nova Aurora apresenta como único mérito o facto de ter descoberto o lugar geométrico onde o easy-listening de Holiday Inn se cruza com a metafísica de papelão à la Paulo Coelho e ambos caminham em filinha sorridente para o estatuto de hino de campanha das Laurindas deste mundo. Confessadamente “dedicado a cantar a maravilha da evolução espiritual da Humanidade, à medida que vai descobrindo a dimensão do Universo físico em que se encontra o Sistema Solar”, aspira à condição de “cantata popular” acerca do “Homem na sua escala de ser vivo e consciente, recentíssimo episódio da história do planeta e da sua origem, uma questão cada vez mais documentada contemporaneamente”. Derrama-se, então, sobre os ouvidos incautos, uma ânfora inteira de xarope melódico em ponto de pérola (temperado com “plins” mais ou menos “espaciais”, mais ou menos “étnicos”), por onde sobrenadam nacos de profético enlevo (“Sós, não estamos sós, há-de haver outros além de nós, eles hão-de vir e tudo há-de ser normal, quer-me parecer que se vierem tudo há-de ser normal”), perplexidades de Twilight Zone (“olho-me ao espelho e vejo, não é o presente momento, mas outro momento qualquer, estou noutra dimensão”), existencialismos galácticos (“As naves cruzam o espaço frio, os homens lutam contra o vazio”), proclamações de misticismo visionário (“Da noite profunda nasceu uma nova aurora e a esperança de novo alvorecer”), elucubrações de astronomia esotérica (“O planeta gira sozinho, volta não volta, anda tudo a girar, o cometa roda num círculo, volta não volta, acabamos de acordar”) e, acima de todos, o manifesto em "spoken word" sobre eco de vozes-do-Além, "A Trajectória do Afastamento", sobre o Big-Bang, as partículas cósmicas, os colegas, os pais, os filhos, o “Ritual” e os “Laços do Amor”. Nos quatro meses que ainda restam tudo é possível. Mas não é fácil imaginar que algum competidor à altura se consiga intrometer entre Amália Hoje e A Nova Aurora na assanhada disputa pelo título de pior álbum do ano.
(2009)
17 August 2009
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2 comments:
:-)
E eu achando que o Madredeus nem existia mais.
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