25 November 2008

TATUAGENS E PIN-UPS

(departamento THE BROTHERHOOD OF THE UNKNOWN (VIII), segundo David Thomas: "The first Pere Ubu record was meant to be something that would gain us entry into the Brotherhood of the Unknown that was gathering in used record bins everywhere")



Gretschen Hofner - Maria Callous

"Once I would make love to the mirror in the hall, till I found my ego wanting and my looks began to pall, I sought solace in my comfort pills, romanced the kitchen knife, with my Frances Farmer smile and my Judy Garland life". Estas são as palavras de abertura do quase épico "My Judy Garland Life", cartão de visita dos Gretschen Hofner. E não se inicia assim uma canção por acaso. Chamam-lhes "camp rockers" de "neo-vaudeville" mas eles garantem que quem apreciam mesmo é gente como Bertolt Brecht, Kurt Weill e Tchaikovski e grupos como os X-Ray Spex e os Birthday Party. Depois, há quem lhes associe imagens de encontros de Elvis Presley, John Barry e os Cramps em sórdidos bares do Soho londrino, por entre surradas cortinas de veludo, tatuagens de marinheiros e cantoras decadentes de cetim vermelho. Aí, eles confessam que têm influências, sim senhor, mas que elas são mais do género iconográfico: figuras trágicas como Judy Garland, a pin-up S & M dos anos 50, Bettie Page, evangelistas televisivos alucinados e outros que tais.



Pelo meio de tudo isto, existe ainda um peculiar fetichismo por sapatos ("Shoes are what you wear that's important and you extend from what you walk in", confessam em "Crow In Heels"), mas aquilo a que convém verdadeiramente prestar atenção é Maria Callous, o seu primeiro álbum, cujo título é um jogo fonético entre o apelido da célebre Maria Callas e a palavra "callous" ("insensível"). O elenco dos Gretschen Hofner é a impossível reunião de Justine Armitage (professora de piano que também toca violino), Paul Hofner (renascentista perverso e executante de "guitarra psicodramática"), Kieron Hunter (baixista e gentleman de cabaret) e Pinball Geoff (ex-assistente social em psiquiatria e actual baterista e reparador de "flippers"). Para trás ficaram ignoradas atribulações em bandas de travestis como a Brendan Duffy Bissexual Adventure e outras ilustres desconhecidas, dando, desta vez, lugar a nova personagem colectiva condenada a habitar aquele universo paralelo também já colonizado por Nick Cave ou pelos Gallon Drunk. Aqui, a coisa traduz-se numa espécie de surf meets-rockabilly operático e em cinemascópio, com enfáticas orquestrações de cordas a condizer e uma pose de dandyismo trágico meticulosamente simulado, em contraponto. Cenograficamente, resulta em pleno sendo que a música, em si mesma, deverá ser considerada apenas como uma componente da encenação total. A derradeira e gloriosa bizarria de 1996.

(1996)

1 comment:

Ana Cristina Leonardo said...

joão, vai ao meu e-mail que está no perfil e recorda-me o arroz doce. estou a ficar desmiolada